Ravena
Ela não aguentou.
Estou de coração partido e não sei como levantar do chão, não sei como sair de perto desse túmulo. Só sei lembrar da risada dela e da voz.
Quando ela morreu eu dormia na cadeira ao seu lado, sei disso porque quando acordei meu pai chorava quieto segurando a mão dela. Eu não suportei a cena e fiquei feito louca gritando, tentando ocupar o vazio que começava a formar-se no peito.
Ian está do outro lado sentado. Não se moveu para nada, apenas me observa apoiado em outro túmulo.
Respiro fundo tentando levantar, mas começo a chorar mais, faz um dia que ela foi enterrada e os restos dela ainda estão aqui, mas não só o resto, como sei que ela está lá do alto me olhando.
Deito agora em cima do túmulo e começo a conversar, parece melhor assim.
- Está doendo. Está latejando. Estou consumida. Eu não sei como será daqui para frente e nem sei se irei suportar. Eu poderia estar aí, sei que poderia e trocaria de lugar com a senhora sem pensar duas vezes. Te amo tanto, minha mãe, te amo tanto, tanto, tanto, tanto...
Eu não sabia parar.
- Por favor, Raven, vamos? - era Ian.
- A quero de volta.
- Por favor, Raven, você precisa comer, se recuperar.
- Vamos voltar amanhã?
- Quantas vezes quiser.
E era o demônio que me levava, andei abraçada com ele. Felizmente ele havia sobrevivido, e estava ao meu lado.
A batalha havia sido um desastre total, demorou nem um dia, mas acabou com o resto de minha vida. Meu pai arrasado, o acampamento destruído, quase metade dos integrantes assassinados.
E mamãe morreu.
Esperávamos agora, ordens superiores, que O Anjo pudesse recuperar-nos e que pudéssemos voltar para viver com os demais na terra.
Ainda tinha o Ian. Faltavam três dias para a chegada do Anjo, logo, apenas dois para o ritual com a adaga ser feito com meu demônio. Eu tinha medo.
Medo de perder mais alguém, e esse alguém em risco era o Ian, será mesmo que existia algo de humano nele? Eu diria sim. Mas a adaga era a prova de fé, ela que confirmará.
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Tomei banho e deitei ao lado de Ian na cama. Ele acariciou meu cabelo enquanto algumas lágrimas insistiam em sair.
- Eu não quero perder você, também!
- E quem disse isso?
- Tenho medo da adaga.
- É só não fazer - ele disse.
- Mas é minha missão, não posso deixar de lado, você sabe! E nós não poderíamos viver fugindo, porque só há aqui e o submundo.
- Não lhe sujeitarei a sacrifícios, Raven.
- Você conseguirá salvar-se.
Ele riu.
- Eu amo você, Ravena! Sempre amei, não é mesmo?
- Eu enfiarei uma adaga em você e você poderá morrer.
- Eu sei!
- Você acha que morre? - o olhei. Seus olhos estavam vidrados no teto.
- Eu amo você. Só isso! Não vamos pensar nisso.
- Ian, eu preciso saber o que você acha.
- Isso vai interferir em que merda? - ele grunhiu levantando-se abruptamente.
- Não fica assim comigo.
- Então não me faça perguntas tolas.
- Não é tola. Você tem medo?
- Eu não sinto nada, Ravena! Cala a boca!
Ian gritou e socou a janela. Calei-me e o olhei querendo chorar, qualquer coisa me afetava ultimamente e vê-lo dizendo assim foi algo terrível.
- Então não me ama? - tentei relacionar para fazer com que ele falasse mais.
- Eu não disse isso.
- Você disse que não sente nada.
- Eu...
- Okay, pode sair.
- Sair? - Ian perguntou.
- É. Sair! Cansei! Já deu.
- Mas...
- Nada! - desabei. Merda de estado infeliz.
Queria sumir ou estar ao lado do corpo de minha mãe, apodrecendo junto a ela. Ian veio até mim e me puxou para um abraço. Seu corpo agora era meu porto seguro e o agarrei forte, tentando cravá-lo em mim.
- Medo, é isso, eu tenho... - ele admitiu,sua boca em meu ouvido, sussurando - Medo de morrer, medo de não estar com você, medo de deixá-la. Medo porque sei que agi feito um tolo e fiz coisas horríveis, posso morrer sim. Mas eu te amo, Ravena. So sei sentir coisas boas com você, sei ser humano quando beijo e toco você, sei ser humano quando vejo seu sofrimento e quero arrancar suas dores. Mas tenho um histórico de atrocidades, não sei o que será de mim...
- Eu amo você, amo amo amo e não suportarei, vai dar tudo certo.
- Não vai.
- Vai! Seja humano...
- E como seria isso?
- Mantenha uma esperança, nem que seja quase apagada, no fundo da alma. Os humanos fazem isso. Sempre fazem, sempre tem a esperança que brilha bem no finalzinho, torcendo pra dar certo.
- Eu não sei como fazer isso. - ele sorriu e uma lágrima brotou de seu olho.
- Xiiii... - segurei seu rosto com a mão, tentei não imaginar a dor de perdê-lo - não pensa, não pensa. Apenas esquece, focaliza em mim e nesse amor que você diz que sente.
- Mas eu sinto.
- Então esquece do resto.
- Eu so penso em você.