Traição

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Ravena

- Eu queria te ver mesmo! - respondi a Ingrid.

- O que foi?

- Você sumiu depois que me ajudou e eu só quero agradecer pelo tanto que cooperou.

- Você precisava.

- E então, estava indo pra biblioteca?

- Deixa, não mais!

- Então vamos sentar lá fora.

- Oi, ainda estou aqui! - Ian falou caminhando com a gente.

- Depois a gente se ver! - comentei e o deixei pra trás.

Olhei uma última vez para ele, Ian sorriu e piscou. Como eu gostava daquele cara.

- O que tem feito? - perguntei.

- Nada.

- E nos ataques?

- Escondida.

- Fico me perguntando como aqueles demônios conseguiram entrar.

- Estranho mesmo.

- Acho que tem alguém infiltrado aqui - comentei tentando notar algum desespero em sua expressão, mas ela estava intacta.

- Deve ser só a barreira que está fraca demais.

- Pode ser!

- Você ainda não me contou mais sobre você, Ravena! - Ingrid comentou sorrindo.

- Não tenho muito o que falar.

Ficamos em silêncio enquanto ela observava o chão. Depois levantou-se abruptamente e foi andando.

- Mais tarde nos vemos, preciso treinar.

Assenti e esperei ela sumir de vista, que demônio doente. Ouvi passos e PUF, o corpo pulou por cima de mim, caí de cara no chão de terra enquanto Ian ria.

- Você bebeu? - perguntei me levantando.

- Só sangue.

Revirei os olhos, mania que aprendi com ele, e fiz posição de ataque.

- Quer lutar?

- Faz tempo que não treinamos.

- Verdade! - Ian respondeu saltando e sumindo de vista.

Isso ainda era novo para mim, fiquei ainda na posição de ataque. Manter o ouvido atento nessas horas faz parte, mas eu fui lenta! Ian agarrou-me por trás no famoso "mata-leão", cabeceei por trás seu nariz e o ouvi gemer. Ele estava com a mão no nariz quando acertei um soco em seu estômago.

- Já chega! - ele pediu.

Passei a rasteira e seu corpo bateu com tudo no chão, sem ele esperar usei um golpe que eu havia aprendido nos treinamentos com os guardas de jiu jitsu, o kimura. Fiz pressão sobre o ombro de Ian até ele gemer de dor.

Levantei-me e sorri batendo palminhas, Ian deitou de barriga para cima respirando fundo. Ouvi outras palmas vindas do alto e olhei. Meu pai encarava sério, mas eu pude ver o reconhecimento e o orgulho estampado em seu rosto.

- Até que enfim está crescendo.

Apenas assenti e tentei não olhá-lo ajudando a Ian se levantar.

- Licença, senhor! - disse andando.

- Espere...

- Sim?

- Com quem aprendeu isso?

- Com os guardas e o Ian.

- Ah.

- Licença.

Meu pai me treinou até os doze anos, aprendi com ele os mais variados golpes, mas o que ele viu não foi nada que ele tenha ensinado, aí estava a curiosidade e talvez, quem sabe, um pouco de decepção por eu não estar fazendo o que ele me ensinou ha anos atrás.

•|•|•|•|•|•

Eu não havia conseguido tirar nenhuma informação ou expressão do demônio infiltrado, agora era a vez de Ian atuar. Fiquei rolando na cama de um lado para o outro tentando decifrar o que poderia está acontecendo com os dois.

Bom, ela era mesmo um demônio fêmea? E poderia se relacionar com ele? Ou era um demônio no corpo de mulher? Será que demônios poderiam sentir cheiro de outro demonio? E ela logo percebeu que Ian já havia a descoberto?

Levantei-me e fui andando vagarosamente pelos corredores, coloquei um casaco por cima da roupa por causa do frio e tentei ouvir algum murmúrio, mas nada sucedeu-se.

Ouvi passos e fui recuando, era o Joseph, parei subitamente e virei-me, não queria conversar merda a uma hora dessas.

- Espera! - ele falou sem alarde já que éramos os dois no corredor - Está com medo?

- Argh, me deixa!

- Por que você fica fugindo?

- Eu não estou fugindo, Joseph! Só estou voltando para o meu quarto.

- Mas você não estava vindo para...

- Não!

- Abra seus olhos, Raven! O perigo mora ao lado.

- Não, o perigo está no corredor falando comigo.

Dei as costas e entrei no quarto. Fiquei olhando pela janela até não aguentar mais e ir ao lado de fora para ver se via o Ian.

Uma ventania começou logo quando pisei meus pés no gramado, parecia até que um pequeno tornado se formava a alguns metros de mim, respirei fundo tentando empurrar o medo para ser digerido pelas enzimas, mas não rolou.

Um arrepio percorreu meu corpo, quis andar e correr, entretanto meus pés estavam presos e parecia que garras arranhavam minhas panturrilhas, quis gritar, mas minha cordas vocais pareciam estar coladas.

Vi Ingrid se aproximar séria e flutuante, merda! E o Ian? Percorri com os olhos todo o campus e o vi. Ele me olhava sério também e estava quase imperceptível do outro lado perto da floresta.

Por que ele estava fazendo isso comigo? Por que não acabava de vez com a Ingrid ou corria atrás de socorro? Senti as lágrimas arderem, pelo menos a dor da percepção da traição, já escorria por mim.

A escuridão foi tampando minha visão enquanto a última imagem que eu tive foi os olhos psicopatas do cara que eu confiava e que mesmo querendo ignorar, eu já era predestinada.

Adestrando um demônioOnde histórias criam vida. Descubra agora