Capítulo 20: Luzes do Porto (1)

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Velas, luzes incandescentes, um marido e sua mulher.

Karenin entregou o menu ao garçom. Ele olhou para sua esposa e perguntou, “No que está pensando?”.

“Essa é a nossa primeira vez jantando juntos”.

“Acredito que essa seja nossa terceira vez jantando juntos”. Karenin discordou.

“O que eu quis dizer é, nós dois jantando assim — só nós dois passando um tempo fora, com todas essas velas”. A voz de Anna se tornou mais alta enquanto falava, enfatizando fortemente as velas que foram colocadas diante deles.

Os olhos de Karenin lentamente desviaram das velas. Não entendia muito o que Anna sentia, mas ele não ia arruinar o momento perguntando.

Sob a luz de velas, as bochechas de Anna pareciam rosas como sempre. Subitamente, o corpo dela se inclinou um pouco para o lado enquanto pegava um pequeno lenço e espirrava nele. Ele de repente teve um mau pressentimento. “Está se sentindo mal?”

“Não sei dizer”. Anna respondeu antes de espirrar novamente.

Karenin se levantou e andou até o lado de Anna. Ao mesmo tempo em que ela o encarava em confusão, ele encostou as costas da mão contra a sua testa. Realmente, ela estava mesmo um pouco cálida.

“Está um pouco quente ao toque”. Ele tirou a mão após falar. Olhando para Anna, voltou a dizer, “Você está meio febril”.

Anna foi pega de surpresa assim que constatou — os batimentos cardíacos acelerados e o calor que sentia nas bochechas não eram resultados do jantar da noite de hoje.

“Penso que não será um problema”. Ela respondeu hesitante.

“Vamos visitar um médico amanhã após o jantar”. Karenin decidiu. Quando se sentou novamente em sua cadeira, acenou para o garçom.

“Temos mesmo de ir? Eu me sinto bem mesmo, talvez me sinta melhor depois de dormir hoje à noite”.

“É melhor que vejamos o médico imediatamente ao invés de ficar arrastando”. Karenin franziu o cenho, tentando convencer Anna do contrário.

“Tudo bem, então”.

Karenin requisitou ao garçom que os ajudasse a chamar um médico para visitá-los, e lhe deu gorjeta. Embora esse fosse um serviço que o hotel providenciava, receber gorjetas de um hóspede definitivamente faria com que os funcionários se sentissem mais impelidos e felizes em seguir mais rapidamente as instruções dele.

Anna esperou até que o funcionário saísse antes de sussurrar, “Pensei que você era uma pessoa rigorosa”.

“Isso não é nada sobre ser rigoroso. Anna, quando se precisa de eficiência, então não se pode ser avaro com o seu dinheiro”. Quando respondeu, pegou o copo com água de Anna e a serviu água morna no lugar.

Aproveitar um jantar que satisfazia os desejos do seu coração, receber a atenção e carinho de seu marido, e ter sua doença diagnosticada pelo médico como sendo nada sério, Anna sentiu genuinamente que hoje não tinha sido um mau dia. Isso apesar de o dia não ter terminado do jeito que havia imaginado; imaginara que ia visitar o Canal Saint-Martin para observar o rio e céus azul turquesa no primeiro dia que pisou em Paris.

“Não visitei lugar nenhum hoje”. Enquanto ela falava, o cobertor era colocado sobre o seu corpo.

“Anna, você não vai a lugar algum. Está doente e precisa descansar”. Karenin falou com ela gentilmente, como se estivesse tranquilizando uma criança.

“Eu sei”. Ela o observou e pergunto-lhe “Ainda vai sair amanhã?”

“Sim, tenho de ir, só poderei retornar às cinco da tarde”.

“Ok”.

“Ainda preciso ler uns documentos”. Karenin lhe disse, e Anna assentiu com a cabeça em concordância.

Mesmo que ela tivesse dormido muito durante o dia, quando uma pessoa está doente, seu corpo precisa de mais repouso do que o usual. Anna pensara que seria difícil cair no sono, quando na realidade, ela adormeceu mais uma vez passados dez minutos.

Karenin terminou seu trabalho cedo em volta das 9:30 da noite. Depois de se lavar e voltar ao quarto, percebeu que o sono de Anna não parecia muito pacífico. Sua respiração soava fatigada. Talvez, por causa da febre, ela tinha chutado para longe seu cobertor.

Ele a cobriu com o lençol novamente.

A cama era larga o suficiente. Depois de apagar as velas, Karenin se deitou e se aninhou debaixo da coberta. Logo, uma mão esticou-se de súbito, e foi acompanhada por tosses abafadas.

Era difícil discernir no escuro, mas se podia ouvir o farfalhar dos lençóis.

Karenin conseguia sentir a pessoa em seus braços se debater contra ele, então tocou levemente no ombro dela, tentando conforta-la. Ia ser uma longa noite.

Quando os céus estavam escuros, e as estrelas saíram, brilhando na distância, Anna acordou abruptamente.

Seu corpo instintivamente quis lutar para se ver livre, mas não conseguiu fazê-lo.

Quando ergueu a cabeça, percebeu que estava sendo abraçada por Karenin.

Tum tum… Tum tum… O coração dele batia próximo ao seu ouvido.

Sentindo o calor familiar, Anna fechou novamente seus olhos, e se aninhou no peito dele.

***

Quando ela acordou novamente, Karenin não estava mais por perto. Dadas as horas, ele já devia ter saído. A febre dela tinha passado, e a sua temperatura estava de volta ao normal. Reparou de súbito numa carta colocada sobre a penteadeira perto da cama.

A caligrafia era elegante, e a mensagem, concisa.

Anna não pôde evitar abraçar o travesseiro apertadamente e sorrir para si própria; uma sensação de felicidade conjugal envolvia a ela e os seus arredores nesta bela manhã.

Finalmente, era hora do café. Anna se sentiu tentada a sair para passear, porém, decidiu que seria melhor esperar até que Karenin retornasse.

No almoço. Uma carta foi-lhe entregue. Era do seu marido.

Ele perguntava se já tinha se recuperado e se estava se sentindo melhor. Só uma linha de palavras. Esta mensagem não era barata; entrega à mão era algo caríssimo.

Anna se sentia como uma esposa zelosa que ficava em casa e a mantinha limpa. Escreveu uma página inteira antes de colocá-la dentro de um envelope.

O custo era o mesmo. Ah, veja, ali estava a diferença em otimizar os custos!

Decidiu-se por ler outro livro, mas parecia que o tempo passava rastejando. Sempre que Anna olhava para o relógio, não podia evitar em pensar se ele tinha parado de funcionar.

Às quatro horas, recebeu outra carta de seu marido.

Não estava preenchida por palavras doces; a mensagem era tão curta quanto a anterior, mas trazia más notícias.

A Noble Marriage (Novel)Onde histórias criam vida. Descubra agora