Capítulo 3

42 4 4
                                    


SÉRGIO

Eu não acreditava em coincidências, mas quando a conselheira do chalé de Deméter, Luisa, simplesmente jogou a resposta da minha pesquisa no meu colo, foi difícil disfarçar sobre a missão dada por meu pai.

Durante todo o dia eu lançava olhares furtivos para o Will, que aparentemente nem lembrava do encontro com o deus. O caça à bandeira estava chegando e finalmente as atividades de conselheiro do chalé tinham acabado. Claro, ser conselheiro é mais do que participar dos conselhos de guerra e ser exemplar na conduta como integrante do chalé, havia burocracia também, relatórios a serem entregues à direção e à monitoria do Acampamento, e por isso o cargo de conselheiro tinha sido dividido em duas pessoas. O Will ficou com a parte mais fácil: ter mais contato com os novatos, instruir e ensinar as regras; eu fiquei com os relatórios e com as relações diplomáticas do chalé.

Entreguei o último relatório da colheita e um pedido de desculpas ao chalé de Ares, por uma pegadinha feita pelo Joka.

Saí da Casa Grande e fui ao chalé tomar um banho antes do jantar no pavilhão do refeitório, quando vi a Fran vindo em minha direção. Ela tinha uma expressão mista de confusão e desconfiança.

— Sérgio, posso falar com você um minuto? — pediu ela, parando na minha frente.

— Bom, tenho vinte minutos antes do jantar e preciso de um banho. Tem que ser agora? — perguntei, contornando ela e atravessando o gramado em direção ao conjunto de chalés. Ela me seguia de perto quase correndo, para compensar meu ritmo rápido de passos.

— É sobre você e o Will, alguma coisa tá acontecendo, eu vi que você está estranho e o Will está... Com aquele jeito artificial de quando está escondendo algo. Agora me fala, o que aconteceu?

Eu parei e girei o corpo para olhar a Fran. Às vezes eu esquecia o quanto ela era boa em ler as pessoas e era tão inteligente.

— Eu preciso do seu voto de confiança. Sim, está acontecendo um assunto sério. E imagino que em breve o chalé precisará da sua força.

Ela arregalou os olhos. O rosto variou entre surpresa, desconfiança e, por fim, descrença.

— O chalé precisa da minha força? Logo de mim? A encrenqueira?

— Você é bem mais que uma encrenqueira, você é leal, protetora, inteligente e destemida.

Antes que ela pudesse refutar meus elogios, escutei o som da trombeta anunciando o jantar. Olhei e vi que o sol já tinha se posto... O tempo para quem tem TDAH parece ser diferente... Segundos podem parecer horas e horas parecem minutos. Praguejei e corri em direção ao chalé junto com a Fran.

Encontrei os campistas saindo do chalé, todos bem-humorados e prontos para o jantar. Will os liderava com sorrisos e conseguindo manter o mínimo de ordem para que o caos ficasse controlado, ele viu a mim e a Fran ofegantes e riu:

— Perderam a hora? Bom, vocês têm 5 minutos para pelo menos respirar, enquanto levo o pessoal para o pavilhão.

Ele falava com a alegria e diversão, mas seus olhos estavam aparentando preocupação, como se questionasse se algo de importante aconteceu.

— Podem ir na frente, vou trocar de roupa e sigo em seguida. Antes dos anúncios devo estar com vocês — falei, com a respiração entrecortada. Tentei passar a mensagem de que estava tudo bem por enquanto, mas precisava conversar depois apenas com o olhar.

— Bem, vamos galera... Até o chalé de Hermes já está indo — concluiu Will, com um aceno de cabeça, e enfim guiou os campistas barulhentos para o pavilhão.

Sem perder tempo, entrei no chalé e estava indo pra meu quarto quando encontrei a Fran, que no breve momento que estive conversando com o Will, tinha passado por mim e ido se arrumar.

— Ainda tem explicações para me dar. Não se esqueça — e saiu pela porta do chalé.

Suspirei e entrei no quarto, troquei de roupa e saí correndo novamente para o pavilhão do refeitório.


MYNARA

Não é como se eu estivesse surtando com a missão secreta dada por Dionísio.

Desde o momento que o Sérgio acabou me acordando de madrugada, por falar alto demais, a hora que vi o Will e ele se esgueirando para fora do chalé e depois o deus me revelando como uma garota que ouve por trás de portas, eu percebi que cada evento desse não era por acaso, era para eu estar nessa futura confusão... E eu estava animada, seria uma missão secreta, então teríamos liberdade de agir, certo?

Dããããã... errado! Como vou dizer... o Sérgio e o Will, são ótimos conselheiros, mas como atores, nem tanto. As trocas de olhares preocupados na frente de todos do chalé... Quase pulei na frente e gritei: anunciem mesmo que temos problemas para todo mundo.

Qual parte de missão secreta eles não entenderam?

Bem, já que eles não iam disfarçar do jeito certo... Eu deveria intervir. Puxei de canto um dos nossos irmãos, o Wallace, fiz minha cara de "ai, meus deuses, eu tenho fofoca" e cochichei no ouvido dele algo que desviaria a atenção de todos.

— Wall, tenho fofoca das boas...

Ele me olhou com uma cara estranha...

— Olha eu não sou de fofocar... Mas fala aí...

Revirei os olhos. Quem do nosso chalé não curtia uma ou outra fofoca?

— Fiquei sabendo sobre algum romance rolando entre alguém do nosso chalé com alguém de outro chalé...

— O quê? — perguntou alto, me olhando como se quisesse uma confirmação de que ouvira certo.

Dei de ombros. Não era como se fosse a primeira vez que alguém do chalé se apaixonava por alguém de outro chalé... Se não tivesse nenhum romance rolando, terminaria em nada. Ele me olhou com um brilho alegre, e saiu para conversar com os outros irmãos.

O Sérgio chegou com roupas novas e cabelo penteado, mas ainda ofegante, e foi para o lado do Will na frente da nossa mesa para ouvir os anúncios.

Depois do jantar, puxei de canto os dois conselheiros e disse:

— Vocês dois não sabem disfarçar? Estão querendo impedir que a missão seja secreta?

Nosso pai não fez qualquer sinal que era para outros saberem da missão. E como não acredito em coincidências, devia ter algum modo de descobrirmos o aniversário e o artefato.

O Will olhou com uma cara de surpresa para mim, como se me visse pela primeira vez.

— Você está mesmo animada com essa missão... Bom, já entendi que não temos como fugir disso, então pedi ajuda de uma pessoa confiável do chalé 6, que me prometeu segredo e tá fazendo pesquisas sobre nosso pai e seus artefatos, ok?

O Sérgio olhou com surpresa para o Will, e disse:

— É sempre alguma surpresa nova... Bem, nos arquivos do chalé não achei nada. Só algumas festas e alguns festivais em honra a Dionísio.

— Bom, algo me diz que nosso prazo não é longo... e devemos ter esse artefato e entregá-lo ao papai o mais rápido possível – disse e, me virando em direção ao arsenal, comecei a caminhar. — Vamos, temos ainda que vencer essa caça à bandeira.

Ainda os ouvi cochichando:

— Quando foi que ela cresceu tanto?

— Não sei, acho que estamos ficando velhos... até a Fran está perguntando coisas...

Contos de Natal no Acampamento Meio-SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora