2. Indecente

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Encaro minha figura no espelho, observando como o vestido preto de alças finas destaca minha cintura. A tatuagem na coxa esquerda aparece levemente devido à altura do vestido, enquanto minha pele pálida contrasta com o tecido escuro. Meu cabelo cai suavemente até o início dos meus seios, e, pela primeira vez em muito tempo, concluo que estou incrivelmente atraente. Talvez, hoje à noite, seja realmente inesquecível. Normalmente, minha autoestima é uma droga, o que me deixa vulnerável em várias situações desgastantes, como a insegurança no meu relacionamento.

Miles é o atacante do time de futebol: popular, bonito, e com um charme que só ele tem. Com seus 1,90m de altura, olhos castanhos, cabelo loiro (que ele recentemente raspou e tingiu de rosa), músculos definidos e um rosto esculpido, ele rouba corações por todo o campus, inclusive o meu. Começamos a namorar há dois anos e, por um ano e meio, tudo era perfeito. Mas, nos últimos tempos, ele tem agido como se eu não fosse mais suficiente para o grande Miles Brant. Esse comportamento se intensificou quando ele assinou um contrato com um famoso time da Califórnia. Sinto que estamos à beira do fim, e sei exatamente por quê.

Miles acha que sou patética demais para ser a parceira do "garoto de ouro". Sou simples demais, nerd demais, básica demais. O que uma estudante de artes visuais, apaixonada por bandas grunge e filmes de romance, tem de "popular"? Não sou uma loira peituda de olhos azuis que adora assistir a jogos de futebol e torcer animadamente pelo time do namorado, como as namoradas dos amigos dele. Sou uma morena básica, de olhos castanhos, seios pequenos e um bumbum mediano, que acha futebol entediante demais para se interessar.

Bufo, irritada, ao pensar no meu relacionamento à beira do abismo, e sacudo a cabeça para afastar os pensamentos sobre Miles. Pego as chaves do carro e saio do quarto, encontrando Sam toda arrumada. Sua pele negra reluz no vestido dourado com alças finas e comprimento semelhante ao meu. Seus cachos estão presos em um coque frouxo, destacando seus brincos de ouro que balançam levemente enquanto ela se levanta. Sam está deslumbrante, como sempre.

— Vamos? — pergunto, enlaçando meu braço ao dela.

— Com certeza — ela responde animada. — Esta noite vai ser perfeita. — Sorrio para ela e abro a porta do apartamento, apenas para dar de cara com Miles, bêbado, jogado no chão em frente à porta. É impossível não revirar os olhos ao ver sua figura patética, segurando uma cerveja em uma mão e o celular descarregado na outra.

— Sam, vai indo. Te encontro no carro, não vou demorar. — Minha amiga assente e segue em frente. — Que diabos é isso, Miles? — pergunto, irritada.

— Você está linda, na verdade, você é sempre linda. E eu sou um idiota. — Ele se levanta, coloca a cerveja no chão e acaricia meu rosto. — Vai sair, amor? — Meu estômago revira com o bafo de álcool.

— Sim, e caso não tenha notado, você está me atrapalhando — respondo, impaciente.

— Vai sair toda linda assim, sem mim? — Ele diz melancolicamente, puxando-me pela cintura. Eu o empurro levemente, afastando-o. — Você não me quer mais, amor? Só porque agi como um idiota, não quer dizer que eu seja um. Me perdoa, Jules. — Ele pede, manhoso, fazendo biquinho, o que só aumenta minha raiva.

— Não, Miles, eu não te perdoo. Na verdade, quero que você vá se ferrar por toda aquela cena que me fez passar. Estou cansada de você agir como uma estrela e se desculpar como se suas ações não tivessem consequências. — Disparo as palavras contra ele, que parece não absorver nada, pois sorri e continua se aproximando.

— Você fica linda quando está brava, meu amor. — Eu o empurro novamente e tranco a porta do apartamento.

— Miles, você não entendeu? — pergunto, e ele balança a cabeça, negando. — Acabou. Eu não quero mais isso. Sei o que mereço, e com certeza não é um idiota bêbado que só me procura quando quer afogar as mágoas e transar. — Ele franze as sobrancelhas, processando o que acabei de dizer.

— Tudo isso porque olhei para a bunda daquela garçonete? Para de drama, Jules. — Eu reviro os olhos.

— Não tenho tempo para isso, Miles. Acabou. Tchau. Vai para casa; amanhã você tem treino cedo. — Digo enquanto me afasto e sigo para o elevador, que chega exatamente na hora. Desço até o térreo e corro até o carro, onde Sam me espera pacientemente.

— E então? — ela pergunta, esperançosa.

— Acho que estou solteira — anuncio, e ela comemora, me abraçando.

— Porra, isso merece uma noite do caralho — ela diz, ligando o som do carro e aumentando o volume ao máximo.

Dou a partida no carro e dirijo até a festa.

Quando estaciono em frente à enorme construção de paredes brancas e grandes árvores, meu coração dispara, ansioso pelo que pode acontecer. Sam e eu descemos do carro, e os olhos dela brilham de antecipação.

— Ninguém vai dirigir hoje — ela anuncia. — Vamos encher a cara. — Dou risada e a sigo até a entrada da casa, onde o som é tão alto que faz as paredes tremerem.

Assim que entramos, meus olhos automaticamente buscam por ele, pelos olhos mais lindos do campus. Não o encontro, o que é decepcionante por um momento, mas logo Sam nos guia até a mesa de bebidas. Tomo dois shots de tequila e viro um copo de gin tônica com limão. Sinto meu sangue ferver sob a pele, e uma sensação de liberdade toma conta de mim. Terminar com Miles me devolveu a liberdade que senti quando pisei pela primeira vez na universidade.

— Vamos dançar — Sam sugere, nos guiando por entre os corpos dançantes.

Acompanho seus movimentos, rebolando devagar ao som da música de Rihanna. Meu corpo se move quase que involuntariamente, descendo até rebolar contra Sam, que sorri. Quando volto à posição ereta, ela me puxa.

— Continue assim, e o capitão ali vai ter que sair para conter a ereção que você está causando nele — ela brinca, indicando com o olhar. Sigo sua linha de visão e encontro aquele par de olhos verdes me encarando. Ele sorri de canto e umedece os lábios.

Sorrio de volta, num impulso que nem sei de onde veio, enquanto continuo rebolando. Ele pisca e faz um leve gesto com a cabeça, indicando um corredor atrás dele. Meu coração salta dentro do peito.

— E agora? — pergunto a Sam, que dá risada.

— Agora você vai lá e rebola desse jeito nele. — Minhas mãos começam a suar, e meu corpo estremece.

— Puta merda, preciso de coragem. Me deseje sorte — digo, abraçando Sam.

— Boa sorte e boa foda — ela responde, e eu coro na hora.

Caminho até o bar e peço quatro doses de tequila. Bebo todas de uma vez, sentindo meu sangue ainda mais quente sob a pele. Com confiança, caminho por entre as pessoas e subo as escadas na direção do corredor. Ele está encostado em uma porta no final do corredor, tomando um gole da bebida em seu copo enquanto me observa se aproximando. Estou confiante e agradeço à tequila por isso.

— Você está muito gostosa. Espero que não seja um comentário muito indecente para você — ele diz, me olhando de cima a baixo.

— Gosto de comentários indecentes — respondo com um sorriso de lado. Apesar da confiança, sinto minhas bochechas ardendo.

Atrás da câmeraOnde histórias criam vida. Descubra agora