CAPÍTULO 44: CUIDADO EM QUEM VOCÊ CONFIA

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Enquanto o gélido sopro da manhã de novembro insinuava-se brandamente através da janelinha basculante do porão e as gêmeas ruivas da casa ao lado brincavam de guerra de bolas de neve no quintal delas, Dennis suava sob o agasalho cinza manchado na esteira elétrica que o avô tinha comprado em seu décimo quarto aniversário a fim de aliviar a tensão que os rodeava por causa daquele homem morto na cozinha. Funcionava às vezes, assim como as corridas diárias pela floresta. Mas nem isso estava funcionando para ele naquele momento. Se sentia totalmente sobrecarregado. Um fardo gigante que geralmente desaparecia ao correr sem rumo por aí ou realizar mentalmente suas superstições ilógicas.

Mas pelo menos a reunião de ontem com Amy foi bem esclarecedora. Não imaginava 70% do que ela contara. O resgate dela fez Dennis ter um pouco mais de esperança das coisas se resolverem. Ainda bem que ele recordou daquela caverna, senão o pior poderia ter acontecido àquela altura.

Decidiu recorrer ao porão, já que era o único lugar que Gladys não infestara de símbolos religiosos e quadros com frases que Dennis suspeitava de que eram meio indiretas para o seu "probleminha". Mas talvez descer até o porão não tenha sido uma boa ideia. Num piscar de olhos, apenas a cena do coelhinho morto na parede era revivida como um flash rápido, assim como a sensação familiar, dolorida e quente do pé de cabra esquentando em sua pele.

O seu maior desejo de todos que certamente o faria se sentir melhor, nem que seja um pouquinho, era basicamente impossível: Uma conversa com Kath.

Katherine tinha uma atmosfera reconfortante e acolhedora. Ela fazia você se sentir compreendido, amado, valorizado e suficiente. Era louco de se pensar, mas Dennis começou a achar que Kath assumiu uma pessoa que ela gostaria de ter como amiga porque era uma garota super triste. E Dennis agora se culpava por não ter sido um amigo tão incrível quanto que nem percebeu que algo de ruim acontecia com ela. Talvez se tivesse notado, ela não estaria... morta. Quem sabe em uma realidade paralela distante Os Cinco Cês notaram antes que fosse tarde demais e se juntaram com Katherine para desvendar os mistérios da cidade, assim virando Os Seis Cês? Ou isso é só um outro desejo impossível?

— Toc-toc. A rainha está chegando na área.

Com uma presença de invejar e andado glamoroso de uma supermodelo, Levi Manuel descia estonteante as escadas barulhentas de madeira. Como se um holofote o iluminasse. Quando sorria, seu aparelho de dentes refletia e seu grande nariz se achatava. O cabelo escuro tinha um corte quase careca, cortados bem rentes. Seus olhos castanhos redondos tinham uma tonalidade escura. As sobrancelhas eram raspadas por conta da sua maquiagem extravagante de drag. Seus enormes lábios eram de um tom amarronzado e o lábio superior formava um V destacado no meio. Fora do comum e do convencional como sempre, vestia um suéter rosa com um coração cheio de glitter e uma calça estampada com cores vivas e vibrantes que remetiam suas raízes angolanas.

— Claro que você está — Dennis desligou a esteira e desceu com o pé esquerdo, mas voltou e desceu com o direito, ainda com um pouco de vertigem pelos quarenta e cinco minutos de corrida na máquina. Levi se aproximou e o cumprimentou com beijinhos soltos no ar. — Não esperava que você fosse acordar cedo. As aulas só começarão às nove. Achei que fosse esticar seu sono da juventude, como você fala.

Devido aos últimos eventos, a escola voltou a empregar o antigo decreto de encurtar o período. Como se isso trouxesse uma segurança absoluta.

— Eu tinha planejado isso — Ele jogou o casaco de pelúcia cheio no cabideiro despedaçado e afundou-se no sofá vintage de dois lugares no meio do porão. — Mas aproveitei o tempo para procurar um vestido que combinasse com alguns acessórios que eu fiz para uma apresentação de fim de ano. Então, também resolvi cumprir minha promessa e te trazer isto.

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