Capítulo 7- Dia doloroso

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Pov Gabriela

Naquela noite eu não consegui me concentrar em nada, tudo que havia acontecido dentro daquela UTI ficava voltando a minha cabeça, além da fala da Ninna que me trazia uma leve lembrança de um dia de chuva. 

Estranhamente hoje, Ninna e Liz sumiram assim que passei pela porta de casa e mesmo eu chamando não reapareceram. Desistir de tentar estudar e decidir dormir por voltas das onze da noite, afinal trabalharia no dia seguinte.

O cansaço me fez dormir rápido e no meus sonhos eu voltei a um dos dias mais dolorosos da minha profissão. 

Era o meu último dia de estágio na pediatria, havia passado todo a manhã acompanhando a Lorenne no treino. Não sei se dá pra chamar realmente de acompanhar já que passei todo o treino lendo meus livros na arquibancada. Assim que o treino acabou minha amiga disse que me acompanharia até a porta do hospital e seguiria pra casa. 

Quando já estavamos chegando, eu tive a leve impressão de ser observada, mas Lorenne falava muito empolgada sobre a queda de uma colega e isso acabou me fazendo ri e a sensação me abandonou completamente. 

O sol quente e o céu azul do caminho não denotava a tristeza que me esperava ao chegar. Assim que passei pela recepção me apresentando como a estagiária da tarde fui notificada que Natália e Macris, as gêmeas que eu cuidava desde que iniciei o estágio chegaram ao prognóstico sombrio e teriam seus aparelhos desligados naquele dia, a família estava me esperando apenas para que eu pudesse me despedir. 

Adiei o banho que planejei tomar, apenas higienizando as mãos e colocando a roupa para adentrar na UTI. A mãe delas se encontrava no local e sorriu ao me ver.

—Eu não sabia, se soubesse teria vindo mais cedo.— Me desculpo falando baixo.

— Tudo bem, nós tivemos bastante tempo para conversar com elas. Elas estão esperando você, afinal a tia Gabi foi muito importante nesse último ano. — Ela diz apertando minha mão incentivando a minha aproximação.

As gêmeas nasceram com uma doença autoimune, do seu primeiro ano ao seu terceiro ano de vida tudo que conheceram foram as paredes do hospital que estavam naquele momento e por isso eram queridas por toda a equipe. Não havia uma só pessoa que passou pela pediatria que não aprendeu um pouco com a inteligência, ousadia e perseverança das duas. 

Ambas diziam que seriam jogadoras de vôlei e sabiam cada jogada feita pelas jogadores nos jogos que viam pela TV. Mas no último mês o sistema imunológico de ambas enfraqueceu muito e seus corpos pequenos já não eram capazes de lutar.

Naquele momento olhando os dois corpos miúdos a minha frente, eu me sentir extremamente fraca, eu que tantas vezes contei histórias encorajadoras e disse que elas sairiam dali porquê eram muito fortes, me sentia o ser humano mais impotente do mundo por não poder cumprir com minhas palavras.

Enquanto as lágrimas rolavam, eu pode sentir um pequeno afago nas minhas duas mãos e poderia jurar que ouvir vozes infantis dizendo "não chore tia Gabi". Descartei a possibilidade julgando ser coisa da minha cabeça pelo momento delicado. Deixei um beijo no rosto de ambas e me afastei. Foi tempo suficiente para que os aparelhos disparecem acusando o interrompimento dos batimentos sem que a equipe tivesse que intervir. 

Elas haviam partido e nesse momento uma chuva torrencial caía porém não durou mais que minutos até que estranhamente o sol voltasse. Considerei aquilo como um sinal de que agora elas estavam mais que bem e que cumpriram sua missão. O peito estava tomado por uma dor insuportável, mas lá no fundo eu sabia que elas haviam ensinado a cada pessoa que as conheceram a não deixar de sonhar e lutar pelo seus objetivos. Se havia uma palavra para definil-as era perseverança. 

A mãe delas se aproximou de mim e me abraçou, ela não chorava mais, parecia munida de uma força que eu não conseguia entender de onde vinha.

— Muito obrigada por todo cuidado e carinho. Minhas filhas foram amadas por todos nesse hospital, mas você Gabriela tornou esses últimos meses menos dolorosos para ambas. Elas viviam pela ansiedade do horário da tarde para ouvir as histórias da tia Gabi. Mesmo quando as dores se faziam presentes você tinha a capacidade de fazer-las sorrirem. Você Gabriela será a melhor médica que o mundo já teve a honra de ter. Sei que está doendo agora, mas se agarre a tudo que foi ensinado por elas, você vai precisar lá na frente, porque haverá mais pessoas que precisarão de forças para continuar lutando e você tem o dom de dar isso as pessoas. — Ela me deu mais um abraço e se afastou olhando para a grandes janelas que eram tomadas pelos raios do sol e sorriu.

As minhas lágrimas insistiam em cair novamente, mas busquei respirar e tomar suas palavras como impulso para continuar. Tomei a decisão de desistir da especialização que estava fazendo em pediatria e só seguir com a de neuro. Eu não estava pronta para perder mais crianças como elas.

Acordei por volta de cinco da manhã com os rosto molhado de lágrimas, Ninna e Liz estavam cada uma de um lado e sorriram gentil. Foi aí que eu entendi quem eram elas e porquê ambas haviam sido escolhidas para aquela missão. 

— Você precisa ver seu celular, o tempo está acabando. — Liz diz.

— Vocês são — Eu não conseguia completar.

— Somos, te ensinamos a não desistir e agora precisamos que você use tudo que te ensinamos para salvar alguém que realmente precisa ser salva.— Ninna diz.

Enxuguei o rosto pegando o celular, haviam tantas mensagens e ligações perdidas vindas do hospital que demorei a assimilar, até a recepcionista Brait havia me ligado. Abrir suas mensagens e entendi que se não corresse todo o tempo que teria seria apenas para mais uma despedida.

Para quem queria saber mais sobre as gêmeas aí está. Pelo amor não me batam nos comentários ein rsrs.

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