Continuei de olhos fechados enquanto absorvia as dores latentes e gritantes em meu corpo, meus pensamentos ficaram um pouco perdidos e aéreos sobre o que aconteceu anteriormente. Consigo lembrar de estar limpando e organizando o quarto e de repente alguém me agarrou por trás e jogou contra a parede, todos os objetos da prateleira caíram no chão e causaram um barulho estrondoso.
O cheiro adocicado e floral de perfume feminino invadiu meus pulmões e tive absoluta certeza de que reconhecia aquele aroma de algum lugar, mas não consigo lembrar de onde. Infelizmente, minha varinha caiu do outro lado do cômodo e não tive a mínima oportunidade de revidar e tentar me defender, eu estava exposta e fragilizada aos cruéis feitiços de ataque e também aos de tortura.
Meu tornozelo latejava avidamente devido a violência excessiva no momento da queda, abri os olhos e fiquei espantada ao enxergar o inchaço e vermelhidão do local. Olhei ao redor e busquei por uma saída, porém a visão me deixou completamente enojada e consternada, havia lixo e sujeira espalhados por todos os lados e o cheiro podre embrulhou meu estômago, porque isso estava acontecendo?
- Vejo que a princesinha finalmente acordou - Congelei ao ouvir uma voz muito fria e perversa - A herdeira legítima da família Albuquerque - Desdenhou.
- Porque não mostra seu rosto? Os anos na Ilha das Cobras te deixou tímida, tia? - Devolvi na mesma moeda, incapaz de demonstrar medo e satisfazer o seu ego.
- Oh, você tem coragem, isso eu tenho que admitir - Afirmou soltando aquela risada alta e exagerada - Pena que isso não vai durar muito tempo - Charlotte Assegurou.
O som de passos indicou que a bruxa estava caminhando com certa lentidão, Charlotte saiu das sombras e me olhou de cima a baixo, suas roupas eram velhas e surradas. Entretanto, era possível identificar a qualidade nobre do tecido e corte elegante e atemporal da peça, o vestido deve ter sido muito utilizado por mulheres na década passada e era sinônimo de poder e status social.
O nervosismo ficou ainda mais intenso quando notei que ela empunhou a varinha, a madeira escura foi destacada por suas mãos pálidas e os dedos finos, suas unhas afiadas poderiam ser comparadas a garras de lobisomens. Gritei a plenos pulmões quando uma onda extremamente poderosa e infernal de dor percorreu todas as extremidades do meu corpo, Charlotte riu diante da situação e continuou com a maldição cruciatus.
Pelos cabelos de Tupã, isso machuca demais.
Meus pulsos foram amarrados e limitou os movimentos, mas não impediu que meu corpo inteiro convulcionasse e tivesse espasmos musculares violentos. Meu organismo entrou em pane e minha mente ficou em branco, a única coisa predominante foi a sensação dolorosa e angustiante do crucio, meus pulmões queimaram devido ao esforço realizado durante a gritaria. Lágrimas quentes escorreram por meu rosto.
- Por favor, pare - Implorei sentindo que a inconsciência se aproximava - Por favor - Repeti entorpecida.
No entanto a bruxa não deu ouvidos aos meus apelos e deu seguimento a tortura, a cada grito ela apenas sorria e gargalhava alto, a minha visão ficou embaçada e pontos negros dançavam de um lado para o outro. Perdi completamente a voz e senti algo quente escorrendo do meu nariz, o gosto ferroso e metálico indicou que era sangue, mas a quantidade me deixou preocupada com o risco de hemorragia.
Após uma verdadeira eternidade minha tia finalmente parou e se deu por satisfeita, ela saiu do lugar e me deixou sozinha, solucei diante da gravidade dos danos causados pela mulher. Tentei movimentar as pernas e os braços, mas eles não respondiam aos meus comandos, o nível de exaustão e cansaço eram altíssimos, com muito esforço consegui limpar o sangue escorrendo do nariz e manchando a manga do vestido.
Novamente a porta foi aberta e aquele mesmo aroma adocicado e floral tornou-se presente e invadiu minhas narinas, senti meu corpo ser virado e algo gelado descer por minha garganta. O som característico de choro preencheu o ambiente e ficou mais alto a cada segundo, meu rosto foi tocado com delicadeza e suavidade, abri os olhos e engasguei ao identificar o rosto conhecido e familiar.
- Cristal? - Murmurei incrédula, a garota apenas desviou o olhar.
- Desculpe, eu não imaginei que as coisas chegariam nisso - Pediu enquanto lágrimas continuaram escorrendo.
- Você está ajudando aquela mulher? - Questionei e não obtive resposta - Aquela história de arrependimento era mentira? - Insisti.
- Sinto muito - Respondeu e soltei uma risada cheia de escárnio e sarcasmo.
- Não, eu sinto muito, sinto muito por ser estúpida o bastante para acreditar em você e no seu arrependimento, e pensar que acreditei que poderíamos voltar a ser amigas - Me afastei de seu toque - Espero que tenha valido a pena, Cristal, e que esteja preparada para arcar com as consequências dos seus atos - Afirmei.
- Eu não sabia que sua tia seria tão cruel e impiedosa, Charlotte disse que seria apenas um sequestro - Respondeu lutando contra as lágrimas.
- E aqueles amuletos, eram para proteção ou também foi mentira? - Questionei friamente.
- Eram rastreadores, assim saberíamos onde cada um de vocês estavam - Murmurou e acenti em concordância, eu fui tão estúpida e imprudente - Me perdoe, eu juro que irei tira-la daqui, mesmo que seja a última coisa que eu faça - Prometeu.
- Não pretendo cometer o mesmo erro duas vezes, eu jamais irei esquecer o que você fez - Rosnei furiosa e decepcionada com sua escolha.
- Entendo - Cristal se levantou e caminhou para a saída.
Esperei até que a bruxa estivesse longe o suficiente e permiti que as lágrimas viessem como uma avalanche, gritei tentando transparecer a decepção e expor a dor latente em meu corpo. A imagem de Newt invadiu minha mente e senti meu coração ficar apertado, não sei ao certo quando aconteceu, mas perdi as forças e fechei os olhos, a inconsciência era tentadora e foi impossível resistir a calmaria e escuridão que pareciam possuir efeito de magnetismo.
Só espero que minha família e Scamander permaneçam longe de toda essa confusão, posso lidar com a tortura constante e interminável e com os futuros traumas psicológicos. Mas jamais irei me perdoar se as pessoas que amo forem feridas e machucadas por Charlotte, ela é violenta e sádica, combinação que a torna perigosa e imprevisível. Tenho medo do futuro e pavor do passado, mas pretendo sobreviver ao presente.
A morte é a única coisa concreta e absoluta que conhecemos, sempre imaginei como seria a sensação de vivenciar essa experiência e agora posso dizer que é pacífico e calmante. Quantas pessoas podem dizer que passaram por esse planeta e não possuem arrependimentos? Eu fui feliz em cada mínima decisão que tomei, conheci amigos maravilhosos e me apaixonei da forma mais pura e verdadeira.
Mostrei quem realmente sou e não tenho vergonha de nada, mas lamento pela possibilidade de não haver futuro para Newt e eu. Podemos não ter a chance de comprar uma pequena casinha no alto da montanha e realizar uma linda cerimônia de casamento ao ar livre, e muito menos ter mini versões nossas correndo livremente pelo quintal e descobrindo as maravilhas proporcionadas pela magia, ou sequer viajar pelo mundo.
- Amélia, minha adora sobrinha, precisamos conversar - Charlotte reapareceu interrompendo o momento de autoavaliação e descanso.
- Não tenho nada para falar com você, vadia imunda - Respondi olhando para sua fisionomia assustadora.
- Preciso de informações e você vai me dar - Assegurou cheia de convicção e firmeza - Podemos fazer do jeito bom ou ruim, queridinha - Propôs.
- Nunca disseram que vale a pena morrer pela família? - Sorri ao vê-la cerrar os punhos.
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Castelo Bruxo - Newt Scamander
FantasyAmélia Albuquerque, é uma típica estudando de Magia na escola que abrange jovens em toda a América do Sul e intercambistas do mundo inteiro. Possuí uma estranha habilidade com animais e criaturas mágicas, o que possibilita uma conexão mais aprofunda...