Capítulo 42

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A noção de tempo e espaço tornou-se algo obsoleto e distante, poderiam fazer dias, semanas ou até mesmo meses desde que fui sequestrada e trancafiada nesse quarto imundo e detestável. Cristal ficou responsável por arranjar comida e água para mim, porém o gosto e a aparência eram nojentos, mas sacrifícios precisavam ser feitos se quisesse sobreviver.

 Charlotte me torturou de forma cruel diariamente em busca de respostas, meu corpo exibia cicatrizes e marcas permanentes, porém continuei em silêncio e neguei qualquer tipo de informação. Jamais permitiria que minha família caia nas mãos gananciosas dessa mulher, mesmo que signifique permanecer sob controle de suas ações violentas e desumanas.

 O mais incômodo foi sentir os enjôos estranhos e incomuns, notei que apesar dos maltratos e da falta de alimentos, engordei um pouquinho e minhas roupas ficaram mais apertadas. Começou com uma pequena saliência na área da barriga e não demorei a perceber o que estava acontecendo, havia uma pequena parte de Newt e eu crescendo dentro de mim.

 Essa minúsculo milagre inundou meu coração de realização e trouxe o sentimento de culpa, imagino o que Charlotte faria se soubesse que estou grávida, nenhuma das possibilidades é agradável. Tentei ao máximo esconder e camuflar a região abdominal com o cobertor jogado no chão, mas chegaria o momento que seria impossível continuar protegendo o bebê.

 Implorei aos céus que alguém pudesse ouvir meus lamentos e choramingos, infelizmente nada aconteceu e aos poucos o desânimo tornou-se crescente. Uma parte de mim estava satisfeita com a gravidez, mesmo sendo tão jovem e inexperiente, enquanto a outra temia que esse bruxinho nao tivesse a oportunidade de se desenvolver e crescer sendo amado e cuidado.

 Lágrimas quentes escorreram por meu rosto enquanto acariciava a discreta saliência em minha barriga, essa é a única coisa que tem me mantido no controle e sã. Fiquei tão concentrada que não percebi a aproximação silenciosa de Cristal, ela arfou diante da cena e cambaleou ao enxergar a situação deprimente que estou vivenciando nesse período.

- Por Merlim, você está grávida - Afirmou abismada e um pouco assustada.

- Por favor, não conte a minha tia - Implorei desesperada - Por favor, esse bebê não tem culpa - Insisti.

- Amélia, como isso aconteceu... - Murmurou andando de um lado para o outro - Eu preciso tirar você daqui agora mesmo - Parou, parecendo se lembrar de algo.

- O quê? Porquê? - Questionei e de maneira instintiva levei as mãos a barriga - Cristal, o que estava acontecendo? - Indaguei.

- Charlotte, ela pretende matar você e acabar com tudo - Respondeu e senti o sangue gelar - Ela pretende fazer você de exemplo para a sociedade - Alertou.

 Sua revelação causou a ruptura total de meu emocional frágil e desestabilizado, toda dor e sofrimento que venho guardando simplesmente ruiu e veio como uma verdadeira enxurrada altamente destrutiva. O choro veio e lágrimas caíram de meus olhos, o bolo no fundo da garganta e soluços preencheram o ambiente, tamanho desespero, aflição e agonia.

 Senti minhas pernas fraquejarem e despenquei contra o chão, chorei e lavei a alma de todas aqueles sentimentos ruins e negativos, então esse é o meu fim? Notei que Cristal parecia viver um conflito interno, mas ele veio em minha direção e passou os braços por minha cintura e puxou meu corpo para cima, ela liderou o caminho embora continuasse quieta.

- Onde estamos indo? - Murmurei em meio ao choro compulsivo.

- Fique quieta - Ordenou ainda seguindo pelos corredores confusos e intermináveis.

 Franzi o cenho ao avistar uma porta mais adiante, a luminosidade incomodou meus olhos, mas não reclamei, essa é a primeira vez em muito tempo que sinto o calor do sol em minha pele. Cristal sacou a varinha e conjurou um contrafeitiço e a porta foi aberta, foi então que enxerguei a paisagem inóspita e intocada da floresta, plantas exóticas da Amazônia indicaram que estávamos no Brasil.

- Corra e não olhe para trás - Afirmou e não entendi a mudança de postura.

- Porque está fazendo isso? Por acaso é outra mentira ou armadilha? - Indaguei desconfiada.

- Eu posso ter feito muita coisa errada nessa vida, Amélia, mas não sou assassina - Respondeu olhando dentro dos meus olhos - Você é uma bruxa incrível e espero que essa criança herde sua personalidade, desculpe por tudo - Ela se virou e retornou para dentro.

- E quanto a você? Charlotte não será compreensiva e benevolente - Alertei prestes a correr para dentro da floresta.

- Eu procurei por isso e agora tenho que aceitar as consequências de minhas escolhas - Ela sorriu e trancou a porta atrás de si.

 Senti a adrenalina disparar e meu organismo respondeu na mesma hora, corri para dentro da mata fechada e espinhos e galhos afiados deixaram arranhões sobre a pele. Ignorei a ardência e continue correndo, muita coisa depende de mim, inclusive a segurança e sobrevivência desse ser minúsculo e extremamente frágil crescendo dentro de mim.

 Caí algumas vezes após tropeçar em raízes e pedras, o cansaço e a exaustão ficando mais fortes e intensos a cada segundo, culpa do longo período que fiquei sem me alimentar corretamente. Levantei cambaleando e notei a paisagem ao redor ficar embaçada e desfocada, inúmeros pontinhos negros dançando de um lado para o outro.

 Os pulmões queimaram devido ao esforço realizado, me arrastei sobre o chão coberto de folhas secas e musgo, eu havia atingido o ápice do esgotamento mental e corporal. Em uma tentativa patética e desesperada expandi minha magia por toda a floresta, torcendo para que alguma criatura mágica consciente viesse ao meu encontro e me ajudasse.

 Aos poucos animais começaram a se aproximar de local e o alívio foi imediato, entretanto isso não foi perpetuado, um redemoinho assustador trouxe o sentimento de impotência. O alto nível da visão comprometida dificultou a visualização do cenário, mas ouvi passos de alguém se aproximando e temi que Charlotte tivesse me encontrado.

- Cocadinha? - Chamou uma voz masculina, ela parecia familiar - Meu Pudinzinho? - Insistiu e algo tocou meu rosto.

- Ajuda - Implorei com os últimos resquícios de força que possuía.

- O que fizeram com você? - Perguntou horrorizado - Quem seria tão cruel... - Comentou e me pegou nos braços.

 Tudo ao meu redor girou e permiti que a escuridão me engolisse por completo, a brisa agradável batendo contra meu corpo foi algo novo e estranhamente agradável. Não houveram sonhos ou qualquer outra manifestação de meu subconsciente, foi simplesmente como estar presa no vazio absoluto e concreto, muito diferente do que outras pessoas relaram em suas histórias e músicas.

(...)

 Acordei e senti a temperatura quente aquecendo meu corpo e algo macio embaixo de mim, o cheiro de ervas e comida inundava o ambiente de maneira impactante.  O céu escuro foi banhado por estrelas brilhantes e cintilantes, nem consigo lembrar da última vez que contemplei algo tão tão simples e bonito. Eu estava dentro de uma caverna com o teto aberto.

- Finalmente, você acordou - Congelei ao ouvir a mesma voz masculina de antes.

- Quem é você? E porque salvou minha vida? - Perguntei sentindo os efeitos positivos de algumas horas de descanso.

- Não recebo nenhum agradecimento? - Zombou e a vergonha me atingiu.

- Obrigada - Murmurei a contragosto - Você ainda não disse seu nome - Insisti curiosa.

- Não lembra de mim, cocadinha? - Havia resquícios de humor e proteção em sua voz.

- Pedro? - Sorri ao vislumbrar o gorro vermelho do saci - Como me encontrou? - Suspirei aliviada com sua presença.

- Eu senti sua magia, minha rainha - Respondeu antes de encher uma tijela com sopa e oferecer - Aqui, seu filhote precisa de energia - Anunciou.

- Obrigada - Agradeci antes de enfiar uma colherada de sopa na boca - Poderia alertar a Sra. Dourado do meu paradeiro? - Pedi.

- Claro, tudo que minha deusa precisar - O saci concordou de imediato - O que digo? - Ele se levantou e pulou repetidas vezes.

- Apenas a traga para cá e peça reforços - Afirmei e Pedro sumiu no seu característico redemoinho - É guerra.

Castelo Bruxo - Newt ScamanderOnde histórias criam vida. Descubra agora