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     Quando o assunto é "variação", os Estados Unidos não te decepciona. É um pecado permanecer em um mesmo lugar quando há exatos cinquenta estados para conhecer. Quer dizer: novos horizontes, novas pessoas, por mais que dividam a mesma cidadania que você ou estejam aqui apenas como turistas. Quando eu era pequena, ouso dizer que meu maior sonho de adulta era primeiro viajar e conhecer todo o meu país para depois conhecer o mundo. O mundo, tão grande, imprevisível e louco. Não gosto muito de pensar que há uma infinidade de territórios dentro de um geoide gigante feito de céu e mar, terra e árvores. Entro em crise de existência. Eu não deixei de sonhar completamente, mas não posso negar que meus pais envergonharam as minhas ideias e aborreceram o mundo, me tornando covarde.

     JJ e eu amanhecemos na estrada. De todas as viagens que fiz nos meus dezenove anos de vida, desde Los Angeles até a Turquia, posso estar cometendo um grande erro agora, mas nunca me senti tão a vontade longe de casa. Perto das cinco da manhã, paramos em um bairro chamado Old Town, e lá, de dentro do carro mesmo, assistimos ao nascer do sol. Virgínia já me deixou como uma criança boba enquanto a conhecíamos pela madrugada. É conhecida por ser um estado diferenciado, há muitas colinas verdes e prados aqui reminiscentes de assentamentos irlandeses.

     Old Town é um distrito histórico. JJ e eu descansamos dentro do carro das cinco até as dez da manhã, loucos talvez? Mas estacionamos o carro em uma das ruas do bairro e dormimos. Ok, o lugar é tão espetacular que nos passou uma surreal segurança. Cá estamos agora circulando com o carro pelas ruas de pedra de Old Town, o que é quase um pecado, mas estamos de viagem. As pessoas aqui andam mais a pé e de bicicleta e é raro ver carros. De vez em quando passa um ônibus para marcar o seu ponto. Tudo é muito acessível, parece ser um lugar agradável para se morar.

     — Este é um dos lugares mais lindos que já conheci.- Praticamente coloco a cabeça para fora da janela quando JJ para o carro um pouco antes da faixa de pedestres. Disparo vários cliques usando a camera do seu celular e capto retratos das casas pelas quais passamos.— Nem parece que um bairro desses localiza uma casa de troca clandestina.

    Escuto JJ bufar e vejo o sinal ficar verde.

     — Não é dinheiro clandestino. Nós vamos fazer negócio com uma ourivesaria.

     — Não sei se acredito.— Faço bico enquanto analiso o registro que tirei de uma árvore em frente um comércio.— Não depois do seu amigo agiota.

     — Você vai ver.— JJ suspira.— É logo na próxima rua.

     O loiro faz a curva e entramos em outra rua. Passo os olhos com pressa pela fileira de casas e percebo que estamos em um bairro. Para a minha infelicidade me deparo com uma casa um pouco maior que as outras, cuja arquitetura me estranha. Não é uma bela casa como as casas de Alexandria em geral costumam ser, cujas cores são neutras e as paredes bem rebocadas. É uma casa velha, o modelo é antigo e parece estar abandonada. Juro que não consigo imaginar que alguém entre e saia dela com frequência.

     — Chegamos.— JJ anuncia.

     — Como assim?— Pergunto abismada.— Não me diga que é...

     — Nesta casa meio velha? Sim.

     Encosto a cabeça na janela do carro e com certa dificuldade consigo dar uma boa olhada no que prece ser uma mansão abandonada. É curioso, o encanto se esvai com a presença fascinante de um elemento exótico que quebra o padrão de todo um lugar que até então eu estivera tão obcecada. A madeira da casa parece amarelada de tão velha. As bordas que dão o acabamento do imóvel que provavelmente esta fora do mercado parecem que vão se soltar a qualquer momento. Fora os pedaços de madeiras pregados nas janelas, impossibilitando que a luz do dia invada a parte externa da casa.

Ondas De Encrencas (2021-2021)Onde histórias criam vida. Descubra agora