Capítulo 24: o despertar da inimiga amada

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No mundo em que criara, o dia já tinha chegado com um sol radiante e céu azul sem nuvens. Ela acordou ao lado de uma mulher, uma linda e estonteante mulher que dormia profundamente ao seu lado. Ficou observando-a durante algum tempo, até ter a vontade de se levantar. Seguiu até a janela do aposento, como sempre fazia pela manhã e de lá observou a paisagem, um grande jardim rodeava a pequena casa em que vivia e uma floresta seguia-se para além da cerca.

Sentiu braços rodearem a sua cintura, apertando seu corpo sobre o tecido leve da camisola. Um suave beijo foi depositado em seu pescoço alvo.

— Você acordou. — disse ela, e virou um pouco o pescoço para trás para poder olha-la.

Porém, assim que fez isso, o abraço deixou de existir e não havia ninguém atrás dela. Seus olhos se arregalaram de susto e ao se voltarem para a janela, o céu tinha ficado de um vermelho vivo, como se sangue o tivesse tingido e aquela luz escarlate banhou o seu corpo. A grama e as flores murcharam, a floresta desapareceu e a cerca e a casa começaram a ruir. Não sabia para onde ir e nem o que estava acontecendo, um grande pânico invadiu o seu peito.

De repente, o vermelho transitou para o preto fosco e o espaço que ela criara em sua própria mente para não se render as sombras se tornou novamente um completo breu, só que ainda mais assustador que aqueles de outrora. E ela caiu. Caiu para a completa escuridão. Tentou gritar, porém, como sempre, nada saia de sua garganta e seu coração acelerou tanto que seu peito se tornou um lugar pequeno para o órgão. Seus olhos se fecharam, não tendo mais forças para lutar e se rendendo para o que quer que fosse.

E então, seu corpo chocou-se com uma superfície dura e suas pálpebras ergueram-se de súbito. Os olhos esbugalharam-se depois de permaneceram quatro anos fechados, vendo apenas obscuridade e sonhos, doeram quando se abriram e doeram mais ainda para se acostumar com a claridade e o oxigênio entrou logo por sua boca e narinas sendo chamados por seu corpo que pareceu recordar a sua importância, tal como a ausência.

Nas paredes do porão, os archotes presos na parede tremeluziam, com suas chamas dançando e iluminando o lugar e também a ela. O fogo refletia no líquido viscoso transparente que sujava o corpo dela. Annie se encontrava caída e tossindo com a estranheza breve do ar adentrando seus pulmões. Em sua mente, uma voz ecoava, era bruta e prometia a completa destruição. Demorou um tempo, mas a reconheceu, buscando seu dono nas lembranças há muito tempo guardadas.

Respirou fundo e assim fez várias vezes. Seu corpo estava sem forças e rodeado pela sujeira derretida do cristal assim como pedaços sólidos da antiga prisão. Virou para o lado, ficando de bruços e usou a pouca força dos antebraços para mover seu corpo para cima.

Em seguida, utilizou as palmas e parou de joelhos. Respirou fundo, apertou a parte superior de seus joelhos e se pôs de pé com um esforço. Começou a caminhar, se dirigiu até a porta daquele porão quente e girou a maçaneta. Ao sair, seus olhos novamente começaram a se incomodar com a claridade, dessa vez com a que provinha das pequenas janelas. Ao retornar a andar, notou que seus passos lentos deixavam marcas de pegadas e viu nisso um ponto positivo. Se algum militar decidisse seguir os seus passos, poderia encurralar qualquer um que fosse e assim acabar pensando em um plano de saída.

Entretanto, as forças em seus músculos e ossos ainda eram baixas e só conseguiu ir até outra portar pouco depois da metade do corredor. Adentrou o cômodo escuro, conseguindo apenas vislumbrar algumas estantes com livros e mesas com cadeiras graças a luz amarelada que adentrou o lugar pelos segundos em que a porta permaneceu aberta.

Ao fecha-la, encostou-se na parede ao lado e deslizou o corpo até sentar-se no chão. Sua barriga roncou, agora percebendo que tinha fome e também sede, ansiava por uma água fresca e por comida quente. No tempo em que permaneceu ali, tentou ver se ficava pelo menos um pouco mais forte, nem sequer se reconhecia naquele estado já que antigamente costumava ter uma grande força. Em todo o caso, tinha o seu poder e um plano para ele. Seus dedos pegaram o anel no indicador de sua outra mão e colocou para fora a garra metálica que se escondia nele. Com o objeto perfurante, fez alguns cortes na pele de sua palma. Sangue escorreu pela sua mão, manchando a tez clara com listras vermelhas. Se quem quer que aparecesse ali resolvesse desafia-la, podia ameaçar com seu poder de titã.

Pareceu que tinha se passado horas, até um dia inteiro, no tempo em que permaneceu naquele cômodo envolvido pela escuridão que preenchia ele, até se igualava com o inferno que tinha sido a sua prisão. Então, ouviu passos e em seguida o clic da fechadura se retraindo tal como o ranger das dobradiças quando a porta foi aberta.

A sombra na luz que entrou pela abertura indicou a entrada de alguém. O mais silenciosa que pode, Annie se pôs de pé e sua mão boa rapidamente ficou sobre a boca do indivíduo que tinha entrado e a outra, com o anel em seu indicador com o espinho de metal ainda fora, colocou na garganta alheia em uma clara ameaça. Fechou a porta com a sola de sua bota.

— Se você gritar, eu corto a sua garganta. — falou, tentando soar o quão ameaçadora que podia, mas sua voz se encontrava falhando com ela por causa da rouquidão que acabou escapando. Tentou não deixar isso a atrapalhar. — Primeiro, tire esse seu casaco...

Seus olhos se arregalaram ao ser pega de surpresa com as mãos alheias apertando os seus pulsos e as costas da pessoa se inclinando para frente, levando o seu corpo junto e o tombando no chão. Suas costas e parte de trás da cabeça doeram, mas a pessoa que ainda não sabia quem era não parou por ai. Sentiu dedos se enrolarem no tecido de sua camisa bem na região do capuz e seu ainda frágil corpo foi jogado violentamente sentado contra os pés de uma das mesas do local.

— Você está tão fraca que quase achei que fosse uma velha. — reconhecia aquela maldita voz da pessoa que voltou a agarrar as abas de seu capuz abaixado. A escuridão não permitia vê-la bem e por inteiro. — Quem imaginaria que chegaria o dia em que eu derrubaria você assim tão facilmente, Annie.

Annie soltou o ar dos pulmões e não mudou a sua expressão exausta observando o rosto escondido pelas sombras.

— De todas as pessoas, tinha que ser justo você, Hitch? — disse, claramente indignada e debilitada. Ainda sentia a dor nas costas e na cabeça com o impacto do golpe surpresa da Dreyse, que agora se encontrava de joelhos na frente dela.

Foi posta de bruços, seu rosto se virou fazendo com que uma das bochechas beijasse o chão limpo e encerado. Hitch pegou os seus pulsos e os cruzou atrás de suas costas para imobiliza-la e assim tirar mais as chances de qualquer ataque.

— Preciso levar você de volta para o porão, ainda é uma prisioneira de guerra e...— ela cortou sua própria fala e Annie sabia o por quê. — Você...você tá sangrando?

Annie deu uma fraca gargalhada, abafada no fundo de sua garganta.

— Tarde demais, eu já me cortei e posso me transformar em titã a qualquer momento. — tinha certas dúvidas sobre isso, já que não possuía muitas forças, porém, não podia deixar Hitch saber disso, tinha que parecer quase invencível.

— É mesmo? — o tom de voz da Dreyse soava quase que debochado, como Annie bem se lembrava. — Fraca assim eu duvido que possa se transformar em uma titã.

Droga! Justo no momento em que Annie mais queria que Hitch fosse aquela fútil boba, ela não era. Pelo visto, ela tinha evoluído não só em mentalidade como também na esperteza, e Annie odiou isso, pois a atrapalhava muito naquele instante em que ela precisava.

— É pode até ser, por que não experimenta para ver quem está certo? — um desafio e certa vilania escorria de seus lábios.

Hitch suspirou, aparentando ter sido derrotada e Annie percebeu que tinha saído vitoriosa.

A policial militar saiu de cima dela e a deixou livre para ficar sentada.

— Olha, eu não quero permanecer aqui, me dê no máximo uma capa e um cavalo para ir embora, apenas isso. — não queria soar suplicante, mas achou que aparentou um pouco isso.

Que se danasse! ela não suportava mais estar envolvida pelas paredes daquele quartel general. Queria ir para longe de Stohess e, principalmente, queria vê-la. Mikasa invadiu seus pensamentos de repente, fazendo Annie se perguntar como estaria.

— Tudo bem, eu vou te ajudar, espera um pouco aqui e fica quieta para ninguém notar a sua presença.

— Se você demorar e eu perceber que me traiu, transformo esse lugar em destroços. — disse Annie, assim que Hitch tocou na maçaneta.

— Relaxa, eu não vejo a hora de me livrar da sua presença. — a luz que entrou quando a porta foi aberta a permitiu ver Hitch direito pela primeira vez.

Tinha ficado mais alta e o cabelo parecia um pouco menos volumoso e mais curto. Vestia um grande casaco verde da polícia militar e quando se virou, viu o brasão da divisão estampado atrás. A porta se fechou e Annie novamente mergulhou naquela escuridão.

Sentou-se em uma das cadeiras à mesa e tombou a cabeça para trás, não se permitiu fechar os olhos já que eles ficaram selados por suas pálpebras durante quatro anos, entretanto, sua mente vagou para longe, para um lugar que ela não fazia ideia de onde, mas que sabia que Mikasa lá estaria. Seu coração se apertou de saudade e de tristeza. Como ela estaria? O que pensava? Tinha ficado ainda mais bonita do que já era? Ainda tinha por ela o mesmo sentimento que deixou transparecer em sua voz quando visitou o seu cristal naquela única vez que ela se recordava tão vividamente como se tivesse acontecido minutos atrás?

As palavras de Mikasa naquele dia haviam sido o seu maior alento e sua maior ponte para ainda se manter sã e não se render para o devaneio que a puxava e as tinha repetido tantas vezes em sua própria mente que poderia falar elas sem errar uma letra.
Mikasa. O nome entoou em seus pensamentos, doce e também amargo. Doce por causa de seu amor, doce por causa das boas memórias que tinham construído e que foram o alento na dura e fria prisão de Annie, doce porque nomeava a mulher mais bonita daquela era. Só que também amargo por causa de toda a culpa que também vinha com ele, culpa essa que flagelava o seu espírito, a culpa por tê-la magoado, por tê-la decepcionado e por não ter sido corajosa o suficiente para cuspir no nome e na missão de Marley em nome de sua grande paixão.

Ainda tinha sua promessa, sua primeira promessa, aquela que tanto ansiava para cumprir. Porém, quantas tinha feito a Mikasa? Seja em palavras ditas em voz alto ou só mentalmente? E quantas dessas acabou quebrando naquele duro dia em Stohess em que revelou seu outro lado.

Escutou o barulho da porta abrindo e ficou de pé. Hitch tinha voltado e trazia não só uma capa verde-esmeralda, como também uma jaqueta limpa do antigo guarda-roupa de Annie, que não havia sido esvaziado. A Leonhardt deu apenas um “obrigada”, afinal, não se esquecia de alguns bons modos. Trocou a vestimenta úmida e suja pela seca e pôs por cima a capa.

— Vamos. — Hitch foi na frente e a guiou para fora até os grandes estábulos do quartel general.

Pelo caminho, não encontraram ninguém que pudesse perguntar quem era a loira, ou muito menos alguém que a conhecesse e questionasse porque não havia sido presa. Hitch explicou o motivo, todos tinham ido auxiliar na busca pelos feridos e mortos pelos escombros caídos da muralha. No estábulo, a Dreyse escolheu um dos cavalos e começou a prepara-lo para a partida.

— Sabe, Hitch, você ficou mais esperta do que eu teria adivinhado. — falou Annie, querendo quebrar um pouco do silêncio que acabou se instaurando sendo cortado apenas pelo barulho das rédeas e cela sendo colocados no cavalo.

— Cala a boca. — entoou a outra, sem sequer olha-la e permanecendo concentrada em sua tarefa. — Por que eu diria não quando quer sair da cidade? O melhor de tudo é que não vou mais ter que olhar pra sua cara no porão.

Annie estalou a língua no céu da boca.

— Que bom, finalmente não terei que ouvir suas reclamações idiotas sobre homens. — desdenhou.

Foi então que Hitch se virou, terminando de arrumar a cela. Seus olhos verdes se encontravam esbugalhados de espanto e sua boca semiaberta.

— Como sabe disso? — perguntou, as sobrancelhas franzidas por causa da dúvida plantada com as palavras da Leonhardt. — Você esteve consciente esse tempo todo? Por mais de quatro anos.

Annie apertou seu cotovelo e abaixou o olhar, fitando o chão dos estábulos.

— Quatro anos que foram como um pesadelo, mesmo que eu tentasse escapar deles, eles sempre vinham de um jeito ou de outro. — admitiu, as palavras saindo em uma torrente que antes tinha ficado presa em sua garganta. — Eu apenas ouvi a sua voz e a do Armin distantes e, de repente, a dela uma única vez. — um rápido e pequeno sorriso surgiu em seus lábios por alguns segundos, indo embora tão rapidamente quanto apareceu. — Mas tirando isso, nada mudou naquela escuridão, tive uma noção razoável do que estava acontecendo graças a vocês. Até que fui solta do cristal enquanto ouvia a voz do Eren, e pelo visto ele estava falando sério quando disse que destruiria todo mundo.

Hitch não sabia o que dizer. Por isso, suspirou e terminou de preparar o cavalo.

— Você vai poder ver melhor lá fora. — a Dreyse subiu primeiro no cavalo. — Quer ir pra Shiganshina? É lá onde a Mikasa está.

Annie, mesmo que tivesse perguntas naquele momento, apenas assentiu, confirmando que era isso o que queria mesmo que seu coração pulsasse ainda mais forte só com a menção ao nome dela e ainda mais com a possibilidade de ficar cara a cara com a pessoa que mais decepcionou no mundo.

Ela subiu no cavalo, ficando atrás de Hitch e abraçou a cintura dela para se apoiar. Então, a Dreyse esporeou o cavalo e quando saiu da área do quartel general, Annie observou atentamente o cenário.

Aquela era a destruição máxima, o inferno que era tão temido e que agora tinha sido trazido para aquela ilha. Vários pedaços grandes de concreto tinham quebrado casas, espalhando os restos das habitações para vários lados e sob eles. Soldados utilizavam barras de ferro e pés de cabra para poder erguer os escombros e tirar lá de baixo as pessoas feridas ou até mesmo os corpos. Seja qual fosse o estado, a pessoa era colocada em uma maca e os feridos ainda com vida eram levados para algum lugar.

Uma grande nuvem de poeira preenchia o ar, o que fazia com que os homens e mulheres que trabalhavam no resgate usassem máscaras de panos e as partículas daquela poeira incomodaram os olhos de Annie, que acabou piscando bem mais vezes para aplacar a ardência. O céu do por do sol tinha sido tingido por um intenso laranja, porém, sua visão era meio bloqueada por causa do exército de titãs colossais que seguia em uma única direção, o caminho ordenado pelo titã fundador.

Annie escondeu o rosto na capa verde que cobria as costas de Hitch e tentou ignorar o que acontecia ao redor dela enquanto era levada pela antiga companheira de quarto até onde se localizava a sua antiga namorada.

                               ✺

Mikasa adentrou o depósito de equipamentos da grande fortaleza central que era o quartel general de Shiganshina. Lá estava Armin, ajeitando o seu equipamento de manobra tridimensional ao corpo. Ela sabia o que ele pretendia fazer e duvidava se aquilo era mesmo o mais sensato.

— Armin, espere. — ela começou. — Não tem como alcançar o Connie se partir para Ragako agora. - ele já havia partido já fazia algumas horas e com certeza já se situava a uma boa distância. — E mesmo que conseguisse, o que faria? Você diria para ele desistir de trazer a própria mãe de volta?

— Sim. — disse Armin, Mikasa percebeu um certo receio em sua voz, mesmo que ele quisesse ter aparentado uma firmeza. — Mesmo se não funcionar, preciso fazer tudo o que puder. A Gabi não confiará em mim a menos que me veja agir e nós precisamos dela. O Reiner e o titã carroceiro ainda estão escondidos em algum lugar e ela pode fazer a diferença na nossa aproximação com eles. Não é como se a questão da herança de um dos nove titãs fosse sumir, no pior dos casos teríamos que repetir os últimos dois mil anos de guerra pelo poder deles. — Armin suspirou após afivelar algo em sua coxa e aliviou os ombros. — Sinceramente, estou tão cansado que quero me jogar na cama e dormir por dois dias seguidos, mas se eu não fizer tudo o que eu puder agora haverá um enorme efeito no curto futuro da história da humanidade.

Ela via naquilo mais como um desabafo, as palavras de Armin tinham o peso de mil pedras na garganta dele e Mikasa sentiu-se uma péssima amiga, pois o que mais queria naquele instante era poder dar algum bom conselho e orientação ao seu melhor amigo. Entretanto, ela não tinha noção do que dizer e nem sequer era a comandante da tropa para dar ordens.

— Eu direi ao Connie que ele devia desistir e que não tem problema a mãe dele continuar um titã incapaz de se mover. — continuou ele e se levantou ao acabar de se arrumar. — Estou indo.

Antes que Armin pudesse sequer tocar na maçaneta, Mikasa o parou.

— Armin, o que eu faço? — ela também se encontrava perdida, sem fazer ideia para onde ir, o que fazer, qual seria a sua função ali agora?

— Ajude o Jean, pense por si própria, Mikasa e faça o que você achar melhor. — aquilo não preencheu completamente a sua dúvida.

— E quanto ao Eren? — perguntou.

O questionamento, que para ela pareceu tão inocente, teve um efeito avassalador no Arlert. Ele se virou e seus olhos estavam cheios de desespero, raiva, tristeza, uma mistura muito feia de emoções que disputavam em seu interior e suas feições eram tensas.

— EU NÃO SEI. — gritou, o que fez Mikasa recuar um passo e arregalar os olhos por causa do susto com o comportamento do amigo. — O que poderíamos fazer? O capitão e a Hange podem já estar mortos, o Floch e os seus subordinados podem estar vindo armas na nossa cara em breve e a Annie pode ter voltado. — a menção ao nome da namorada causou um levantar de sobrancelhas no rosto da Ackerman. — A cadeia de comando do exército está quebrada e isso é um caos! Até mesmo a Historia pode estar em perigo, os voluntários, os Azumabito e o Niccolo também e muitas outras pessoas. Então ouça, não estamos em posição de pensar no Eren, ele é uma causa perdida, VOCÊ ENTENDE ISSO?

As últimas palavras tiveram uma ênfase e Mikasa absorveu toda aquela maré de palavras jogadas nela sem a intenção de afoga-la, mas afogou, a sufocou e a deixou sem saber ainda mais o que falar. Armin tinha razão em certas coisas, só que ela não queria admitir, queria acreditar que ainda havia esperanças e algum plano melhor, queria acreditar que seu comandante teria a solução e, acima de tudo, queria acreditar que seu tão inteligente amigo iria entendê-la.

Contudo, não foi como esperava. Seu peito ficou pesado e sua garganta apertou, quase chegando a doer. Uma coisa era certa, seu coração foi o mais invadido pela tristeza e não teve coragem de olhar nos olhos de Armin e ver ali alguma raiva dela.

— Desculpa. — disse, com dificuldade e melancólica. — Você nunca gritou comigo assim...

Armin soltou o ar pela boca e massageou a parte de trás de sua nuca.

— Se fosse o Erwin no meu lugar, tenho certeza que ele não gritaria com você. — seu tom parecia arrependido, um arrependimento por ainda estar vivo e, pensou, de também ter gritado com ela em um surto de raiva. Os olhos azuis dele a miraram com mais afinco, cintilando com uma certa amargura. — Bem, aí está a resposta. Eu não era o certo, deviam ter trazido ele de volta a vida.

E saiu daquele cômodo virando as costas para ela. Mikasa desejou segui-lo, mas sua razão lhe disse que ali ela era mais útil, e não queria correr o risco de ouvir mais uma bronca, mesmo que não intencional. Sentia-se prestes a desmoronar como nunca antes, tal como aconteceu às muralhas daquela ilha. Porém, respirou fundo e piscou várias vezes para conter as lágrimas que ameaçaram vir. Não podia chorar, não naquele momento que tanto pedia para ela ser forte.

Saiu do cômodo e seguiu até a torre do salão onde se situava Jean e os voluntários. Subiu os degraus da escada que a levava para lá e antes que passasse pelos últimos, ouviu a voz familiar.

— Para responder a sua pergunta, eu falo em nome do Eren. — pronunciou Floch. Mikasa permaneceu onde estava e se escorou na parede a escada para ouvir melhor.  — Se o Eren resolver todos os problemas do lado de fora da ilha, eu também vou acabar com todo o ressentimento dentro da ilha.

Mas sobre o que será que ele estava falando? Mikasa se perguntou.

— De todo modo, depois de sobrevivermos ao inferno de quatro anos atrás, conseguimos. — continuou Floch. — Sabe do que eu estou falando? Liberdade, não precisa mais lutar e pode viver da forma que quiser. – a ilusão dessa falsa liberdade fez florescer em Mikasa a vontade de gargalhar. — Ei, Jean, você não queria uma vida boa na polícia militar do interior? Vai fazer isso, você é um dos nossos heróis, por isso pode voltar a ser o Jean de antigamente, aquele cara imprudente, irritante e atrevido.

Quanto mais Floch falava, mais brava e enojada a Ackerman ficava. Em consequência, decidiu por fim naquela discussão, subindo tão rápido quanto poderia os últimos degraus e indo até Jean, que se encontrava sentado sobre as pernas e com Floch de joelhos na frente dele.

— É melhor você calar a boca. — pronunciou Mikasa, olhando fixamente para Floch para que ele soubesse que era para ele quem ela se dirigia. — O que aconteceu com a comandante Hange e o capitão Levi?

Floch a fitou com desgosto, o olhar frio e semicerrado de alguém que parecia querer joga-la do alto daquela fortaleza pelo grande buraco que tinha sido feito na parede daquele salão. Só que ele, assim como muitos soldados que já tinham visto e presenciado a sua força, não era tolo ao ponto de enfrentar Mikasa Ackerman, pelo menos, não sozinho.

Os Yeageristas se situavam ali, armados com espingardas e levando os voluntários vestidos de ternos como prisioneiros. Floch também tinha uma arma de tiro na mão e, Mikasa percebeu após correr um pouco o olhar pelo ambiente, parecia ter matado um daqueles homens que estava no chão, com os olhos esbugalhados de pavor e alguns furos de balas feitos em sua cabeça, que era por onde se originava a poça de sangue em que se via mergulhado.

Quanto mais de barbaridade ela teria que ainda presenciar?

— Eles foram mortos pelo Zeke. — respondeu Floch quando se levantou.

E sem dizer mais nada, acompanhou os outros da Facção Yeager que escoltavam os voluntários. A sós com Jean, Mikasa se ajoelhou ao lado dele sem dizer uma única palavra. Os olhos antes cheios de prepotência, de brilho e de liderança, agora estavam arregalados de medo. A Ackerman passou os braços pelos ombros dele, o abraçando e o confortando quando também queria ser confortada por alguém.

Queria ter os braços dela envolta de seu corpo mais uma vez para esquecer aquele mundo infernal, que tinha ficado feio e mortífero sem a presença da vivacidade dela.

Jean segurou seu pulso, tentando lhe dar um apoio que ela aceitou prontamente. E com um cenário de destruição, com vários titãs colossais marchando para trazer a ruína, dois amigos se acalentaram. Ambos com medo, ambos tristes, ambos cansados, ambos sem fazer ideia do que fazer e, principalmente, ambos ainda mais despedaçados pela guerra.

                                 ✺

— É melhor pararmos por aqui. — aconselhou Hitch. — O cavalo já tá bem cansado, com certeza não aguenta mais continuar a viagem.

— E você já dormiu no chão de uma floresta? — Annie perguntou, não com seriedade, pois já sabia qual era a resposta.

Hitch revirou os olhos e desceu da cela. Assim que Annie pôs os pés no chão, a Dreyse atou as rédeas do cavalo em uma árvore com um tronco mais fino que as demais.

Era como voltar aos velhos tempos para a Leonhardt. Ela, Reiner, Bertholdt e Marcel já haviam dormido diversas vezes sob a copa das árvores quando chegaram naquela ilha, apenas crianças perdidas amaldiçoadas com um grande poder. Nem mesmo naquela época, Annie já tinha alguma vez parado para contar as estrelas.

Só que agora tudo era diferente. Escolheu uma árvore próxima cuja a coroa do caule tinha vários galhos como suas veias e era gorda de milhares de folhas que dançavam com o vento, realizando barulhinhos confortantes naquela noite. Annie tirou a capa dos ombros e a estendeu no chão, improvisando uma parca cama que lhe desse algum mínimo conforto. Hitch fez o mesmo e se deitou ao lado dela.
De barriga para cima, Annie tinha seus olhos cerúleos fixados no céu do azul mais escuro que ela já tinha visto e salpicado de milhares e milhares de estrelas prateadas.

— Tá preparada pra reencontrar a Mikasa? — perguntou Hitch, adotando a mesma posição que a dela.

— Não é algo que é da sua conta. — a resposta era não. Ouviu uma risada vinda de Hitch, o que não a incomodou. — Sabe como ela tá?

— Quer que eu seja sincera? Provavelmente em uma situação bem ruim. — falou a Dreyse, Annie percebeu que ela ainda parecia sempre desdenhar das coisas quando abria a boca, mesmo que sem intenção. — Não espere um reencontro emocionante com flores ao redor e beijos de amor.

— Acha mesmo que eu espero isso? — virou a cabeça para olha-la. — Sei o que fiz e que há muitas chances de eu ser recebida de uma forma bem grosseira.

— Bom, uma coisa eu sei. — agora ela parecia séria, algo que chamou ainda mais a atenção de Annie para as suas palavras. — Ela ainda te ama, eu vi isso quando ela foi te visitar e você a ama muito, eu li aquelas suas cartas.

— Você nunca deixa de ser intrometida, sabe que eu odeio isso? — aquilo fez a Dreyse novamente rir.

Então, um silêncio se instaurou e Annie agradeceu por isso. As vozes em sua mente já eram o suficiente para ela suportar e não queria ter que escutar ninguém por enquanto. Pensava sobre o que falaria, que reação teria, como tudo seria. Será que Mikasa ainda a amava mesmo? As palavras dela voltaram em sua mente, era naquilo que se agarrava sempre que a dúvida vinha para atormenta-la e ela era bem constante.

Um lado seu ansiava para aquele reencontro acontecer logo, desejava ver como Mikasa estava. E a sua outra parte tinha medo, era o temor de mais uma rejeição.

A vida toda — desde o seu nascimento — fora rejeitada. Sua mãe não a quis, o carinho paternal lhe foi negado por vários anos e no lugar dele eram as duras broncas para continuar a treinar. Quando finalmente viu o que era um olhar e as lágrimas de desespero de um pai, teve que partir, e naquela terra estranha experimentou a mais avassaladora das emoções, mas também a mais cruel das rejeições.

Se Mikasa não a quisesse, se falasse na sua cara com todas as palavras que tudo realmente tinha acabado, seria duro sair de Paradis e tinha muita certeza de que nunca a esqueceria.

Naquela noite, dormiu quando seus olhos se cansaram de contar as estrelas. Recordava-se do velho tempo, do santuário que ela e Mikasa tinham para transbordar o seu amor e nele a Ackerman contava a grande quantidade de pontos prateados no céu enquanto Annie distribuía vários beijinhos demorados pelo seu rosto e pescoço querendo distrai-la, o que sempre acontecia e o que sempre deixava Mikasa irritada por ter sua conta atrapalhava e Annie a apaziguava com outro beijo, dessa vez nos lábios.

Mikasa nunca ficava brava de verdade e por muito tempo com ela naquela época.
Quando por fim dormiu, ela estava novamente em seus sonhos.

Enquanto isso, muitos quilômetros longe dali, Mikasa se recolhia na cama de um dos dormitórios, presa entre as paredes de pedra. Ao se deitar, afundou o rosto no travesseiro e ali gritou, com sua voz sendo abafada, e gritou muito forte para poder colocar para fora todo o peso que sentia.

Aquele momento era de longe o pior de sua vida. Eren estava totalmente diferente e sendo ruim e amargo para ela como nunca fora antes, ainda não aceitava a ideia do que ele tinha virado e, acima de tudo, não acreditava na própria coragem que teve ao jurar alguém da família que ela tanto prometeu e lutou para proteger de morte. Armin também sentia esse tumulto dentro de si e isso o fizera descontar todas as suas frustrações nela, que não tinha culpa de nada e apenas queria ter orientações do comandante. Ela não o culpava e nem sentia raiva do Arlert, mas ele a tinha magoado, todas as pessoas ao redor dela, as pessoas que eram mais importantes para ela, a tinham ferido de maneiras angustiantes.

Mudou sua posição, ficando de barriga para cima e pôs o pulso na frente do rosto, aquele que era marcado. Seus dedos deslizaram pelo contorno da tatuagem que ela não mais cobria com gazes, mas sim exibia com orgulho. Aquele era o símbolo de sua família, de sua coragem e de sua força.

Mas quem era realmente Mikasa Ackerman? Ter dito muitas coisas para Eren para não deixa-lo passar por cima dela era uma coisa, porém, do que adiantava palavras firmes quando a dureza delas talvez fosse uma farsa? Apertou os olhos, não acreditando que agora estava questionando sua identidade.

Lembrou-se de quando o pai uma vez disse que contaria a história da família para ela ao atingir certa idade. Mikasa tinha agora 19 anos e nenhuma sabedoria sobre quem eram de fato os Ackermans, e talvez nunca fosse tê-la. Então, quem poderia negar com fatos de que a história de Eren era mentira? E se existisse realmente algum vínculo de lealdade que ela não fazia ideia?

Balançou a cabeça, se negando e resistindo para não ceder às palavras frias e cruéis do Yeager. Não iria leva-las como verdade, não, isso jamais. Iria se agarrar as que ela falou, ao que ela acreditava ser. Não podia se deixar ficar ainda mais afetada, mesmo quando todo o seu corpo implorava apenas para chorar e dormir, e chorar e dormir.

Pegou a barra do lençol fino e o usou para cobrir o seu corpo até os ombros. Mesmo com todos aqueles que amava ainda vivos, Mikasa nunca se sentira tão sozinha. As lágrimas vieram em silêncio e molharam o seu rosto e travesseiro. Tinha que ter fé em si própria, não importasse as dúvidas, pois tinha certeza que iria se perder se não acreditasse nela mesma.

Chorou baixinho por um tempo, até que seus olhos pesaram e seu corpo se rendeu para um profundo adormecer.

                                  ✺

Muitos dos titãs despertados já se encontravam distantes daqueles que viajavam. Connie cavalgava com pressa, mantendo Falco Grice sentado à sua frente na cela. Já podia avistar a vila Ragako ao longe e não demorou muito até que os galopes do cavalo os levasse para o coração daquele que outrora fora um vilarejo cheio de casas bem construídas e pessoas que viviam suas parcas vidas em paz, querendo se manter longe dos horrores da guerra.

— Não estávamos indo para um hospital? — questionou o garoto conforme avançavam. No dia anterior, aquele homem havia lhe dito que o levaria até um hospital para tratar do seu esquecimento e optou por confiar nele e na bondade que aparentava. — Por que estamos em uma vila abandonada?

O olhar do mais jovem corria pelas casas com grandes rachaduras e pedaços faltando em suas construções. Não se ouvia um único barulho sequer naquela região, nem mesmo o de pássaros ou os passos de animais na floresta próxima.

— Ah, tem algo interessante que pensei em darmos uma olhada aqui. — Connie desceu da montaria e ajudou Falco a pousar os pés no chão.

— Essa é a vila Ragako? — perguntou o garoto.
Connie tinha as rédeas do cavalo em mãos e olhou um pouco curioso e espantado para o garoto enquanto começavam a caminhar.

— Como sabe disso?

— Ouvi você falando sozinho ontem a noite. — revelou Falco. Na noite anterior, ele e Connie tinham dormido com as costas escoradas em troncos de árvores e com o céu estrelado de telhado já que a viagem se revelara muito longa e eles precisavam descansar. — Sasha não é o nome de uma das suas companheiras? A garota que a Gabi atirou no dirigível? Você sabia quem eu era o tempo inteiro, mas fingiu que não enquanto me trazia até aqui, por quê? Tá pensando em se vingar de mim?

— Não. — Connie fitava o chão quando negou. Entregou as rédeas do cavalo a Falco e seguiu até uma casa ao lado coberta por uma lona cumprida. — Eu entendo que aquilo foi um ato de guerra. — ele desamarrou as cordas que sustentavam o tecido na construção e puxou uma aba para o lado, revelando um gigante feminino de barriga para cima sobre quatro paredes quebradas que deixou Falco assustado. — Não se preocupe, ela não pode se mover, esteve assim por anos.

O garoto ainda permaneceu meio boquiaberto por causa do espanto com a imagem da criatura.

— Mas por que me mostraria isso? — quis saber ele.

Connie se dirigiu até o lado um pouco distante da cabeça da titã, indo até próximo de uma escada de madeira onde aos pés dela havia ali um grande balde de madeira com dois escovões.

— Quero que me ajude a escovar os dentes desse titã, não é todo dia que se tem uma chance dessas. — Connie tinha ficado sorridente, demonstrando uma certa alegria ao entregar um dos escovões de cerdas naturais a Falco, que prontamente o pegou em mãos. — Tá vendo aquela viga? — ele apontou até uma parte bem acima da cabeça da titã que era usada para sustentar o que outrora talvez tenha sido o telhado da casa. — Só precisamos subir pela escada.

Falco assentiu. O garoto nunca tinha se negado a ajudar ninguém, essa era uma das suas virtudes, que para alguns também pode ser lida como uma grande tolice dependendo de casos e casos.

Connie subiu primeiro os degraus de madeira da escada simplória e foi seguido por Falco. Entretanto, antes que o garoto pudesse sequer alcançar as vigas, escutaram os passos galopantes de cavalos.

— FALCO SAI DE PERTO DELE! — a voz estridente de Gabi ressoou quando a menina se aproximou e o garoto se virou para vê-la, mirando o rosto desesperado da amiga montada em um cavalo e ao seu lado, estava um rapaz loiro que devia ter aproximadamente a idade de Connie.

— Gabi? — ele não sabia qual a razão da Gabi estar ali, tinha as sobrancelhas franzidas graças ao estranhamento e a surpresa.

Então, de repente, ouviu o barulho da madeira se chocando contra o chão e um braço envolveu os seus ombros pela frente, prendendo-o. Falco tentou virar um pouco o pescoço, olhando incrédulo para aquele na qual ele confiara.

— ELE ESTÁ TENTANDO FAZER COM QUE UM TITÃ TE DEVORE PORQUE VOCÊ HERDOU O MANDÍBULA. — a tempestade de palavras de Gabi e a revelação que veio com elas fizeram as sobrancelhas do garoto quase alcançarem o cabelo e o medo nascer em seu olhar.

Falco começou a se debater como podia para se livrar do aperto do braço de Connie que o prendia, parando só por causa da paralisia do medo que o preencheu ainda mais quando ouviu o raspar da lâmina saindo do compartimento do dmt alheio. Uma espada muito afiada foi colocada em seu pescoço, com o gume apertando inicialmente de leve a pele daquela região em uma clara ameaça ao mesmo tempo em que o braço dele o apertava ainda mais.

— Afastem-se, saiam de perto os dois. — Connie determinou.

— CONNIE, PARA! — gritou Armin, soltando as rédeas de seu cavalo.

— CALA A BOCA! Não quero ouvir, não diga nada, você não entenderia? — Connie gritou, com uma aflição eminente no tom de voz. O fio afiado da espada apertou mais a garganta do menino, se houvesse mais pressão, sangue iria acabar escorrendo. — Você vai me dizer que é melhor manter ele vivo, não é? E que eu devia desistir da minha mãe, como alguém tão justo quanto você entenderia o que um idiota como eu pensa?

— GABI O QUE ACONTECEU COM O SENHOR GALLIARD? — perguntou Falco aos gritos, inclinando a cabeça para trás ao falar para não acabar se movimentando tanto contra a lâmina.

— USE O PODER DO TITÃ MANDÍBULA. — clamou Gabi. — DEPOIS EU EXPLICO TUDO, MAS SE SALVE PRIMEIRO.

— Ah não. — Connie usou pela primeira vez o dispositivo de manobra tridimensional que vinha atrelado ao seu corpo para tomar impulso para cima e assim pousar os pés na viga com o garoto nos braços, se debatendo para soltar-se.

— POR FAVOR, PARE! — a menina clamou, ainda mais angustiada ao ver o amigo preste a ser devorado.

Armin ativou o seu dmt e logo foi até a mesma viga de madeira onde Connie estava, mas ficando do lado oposto e ainda mais próximo da boca aberta da titã.

— EI, SE AFASTE! — ordenou Connie. — No que está pensando?

— Você acabou de me dizer para calar a boca. — disse Armin, fitando a titã. — Então, vou responder com minhas ações.

Connie arregalou os olhos de pavor quando viu o colega se jogar da sustentação de madeira direto para a boca da titã deitada. Imediatamente, largou o garoto e pulou até Armin, o livrando de ser comido em uma questão de segundos. Os dois caíram no chão juntos, ali perto, Gabi amparava Falco.

— O que você faria se eu não tivesse te salvado? — perguntou Connie à Armin, parecendo irritadiço com a atitude do Arlert.

— Sua mãe seria humana de novo. — Armin se sentou no chão de solo firme, com algumas gramas o cobrindo. — Mas teria o titã colossal.

Connie ficou ao lado dele, sua expressão indo de irritado para alguém abatido por algo que acabara de perceber. As pálpebras se abaixaram um pouco quando virou o pescoço e viu Gabi abraçar Falco com afinco e lágrimas de alívio nos olhos.

— O que a faria apenas sofrer. — ele tinha a cabeça baixa enquanto falava. — Até eu consigo perceber isso. Ela me disse pra me tornar um grande soldado quando saí de casa e ainda assim quase matei uma criança e um amigo.

Ele estava melancólico, se culpando pelo ato que tivera para com alguém inocente de todo o seu sofrimento. Armin apertou o ombro dele em um sinal de apoio.

                                 ✺

Annie tinha sido a primeira a acordar de manhã e agora tinha voltado a ficar atrás de Hitch sobre o cavalo. A cavalgada até Shiganshina agora era ainda mais silenciosa e o chão não mais tremia com os passos das centenas de colossais, cujo boa parte já tinha ido para bem longe de onde elas se encontravam.

A Leonhardt sentiu um desconforto em seu estômago e ouviu um barulho vindo de dentro, que não passou despercebido por Hitch.

— Quatro anos dentro de um cristal te deixaram com fome. — disse a Dreyse, sem se virar para olha-la.

— Isso não é importante agora.

— Ah, não vai me dizer que vai querer beijar a sua queridinha ao som das suas tripas roendo, isso não é nada romântico. — a ironia era presente em seu tom.

Annie bufou.

— Hitch, a última coisa que deve acontecer quando eu encontrar ela é algo romântico. — falou, completamente desgostosa. — E também, não tem nenhum lugar onde eu possa comer alguma coisa.

— Aí que você se engana, estamos no período da colheita e creio que nem essa tragédia impediu certas vilas de comemorar. — contou Hitch, soltando uma lufada de ar em seguida com uma infelicidade. — Se bem que muitos estão contentes com o que está acontecendo, devem até celebrar em dobro.

— Hum. — Annie queria parecer forte, porém, a fome a abateu muito mesmo que ela não quisesse demonstrar.

Achou que Hitch tinha delirado sobre o que tinha comentado, entretanto, ouviu o barulho de vozes gritando e instrumentos de corda tocando. O vilarejo que adentraram parecia alegre, alheio a destruição que estava acontecendo neste momento fora da ilha e até mesmo dentro dela, com vários eldianos de Paradis ainda feridos e outros sendo enterrados por causa da queda das muralhas.

As vilas da parte mais adentro do território obviamente não sofreram como os distritos, só podia ser essa a razão daquela espécie de festival que estava acontecendo. Ainda a cavalo, Annie e Hitch passaram por alguns grupos de homens e mulheres que levantavam copos cheios de cerveja ou hidromel e brindavam em nome de Eren. Annie teve vontade de se transformar naquele momento e esmagar todos que sorriam por causa daquele Yeager maldito, porém, algo a conteve.

Suas narinas foram invadidas por um cheiro adocicado de massa e caramelo e sua barriga roncou ainda mais. Como desejava comer o que quer que fosse.

— Nesses festivais a comida e bebida costumam ser de graça, então aproveita. — disse Hitch. — Desce do cavalo, eu vou deixar ele em algum estábulo e venho te fazer companhia depois.

Annie fez o que foi orientada em silêncio. Assim que seus pés beijaram a firmeza do chão, colocou o capuz e se dirigiu na direção contrária a de Hitch, seguindo pelo olfato o aroma que tinha sentido. Em uma das barracas próximas, um casal vendia diversos tipos de guloseimas açucaradas. Ela se aproximou mais, salivando ao ver diversos tipos de tortas, bolinhos, biscoitos e até dangos.

— Vai querer alguma coisa minha jovem? — perguntou a dona, uma mulher de estatura baixa e corpulenta, com o cabelo preso em um coque baixo.

— Apenas um pedaço dessa torta. — ela apontou para a iguaria mais próxima e que a melhor agradava o seu nariz e fazia sua língua desejar para provar.

A mulher tirou um generoso pedaço, revelando um recheio de caramelo e pedaços de maçã sobre a massa doce dourada, e o colocou em um prato.

— Vai querer alguma bebida?

Annie negou com a cabeça.

— Obrigada. — agradeceu com um rápido e pequeno sorriso e foi até a mesa mais próxima.

Colocou o prato sobre o longo tampo de madeira meio desgastada e se sentou no banco largo, com espaço suficiente para dez pessoas ocuparem. Não esperou muito para atacar a comida com as próprias mãos. Suspirou de satisfação quando colocou o primeiro pedacinho na boca, a massa desmanchando em sua língua e o doce natural da maçã se unindo com o açucarado do caramelo.

Comeu com avidez e o apetite de um animal faminto há dias, que no caso dela, eram anos. Ia devorando uma lasca e já colocando rápido mais da guloseima em sua boca, nem se importou de estar sujando os próprios dedos, assim como não notou que o espaço ao seu lado e na frente foram ocupados por outras pessoas. Até mesmo se esqueceu de onde estaria Hitch.

— Mas é verdade, Armin? — a voz que questionou lhe era familiar e o nome da pessoa para qual se dirigia mais ainda, as sobrancelhas de Annie se levantaram enquanto ouvia pratos e copos sendo colocados sobre a mesa. — Que talvez a Annie tenha voltado?

Engoliu de uma vez o que tinha boca ao escutar o seu nome.

— Sim, se todo o endurecimento foi desfeito, tem essa possibilidade. — ao ouvir Armin, acabou erguendo o rosto e enfiando mais torta em sua boca.

Ao fazer isso, avistou Connie na frente dela e os dois tiveram uma troca de olhares surpresos e espantados.

Connie se levantou de uma vez de onde estava, apontando um dedo para ela.

— A ANNIE TÁ DEVORANDO UMA TORTA? — ele perguntou, parecendo até mesmo que tinha avistado um fantasma de alguém.

Já que sua presença já tinha sido informada de maneira abrupta, Annie virou o rosto para olhar a todos naquela mesa. Havia duas crianças com pratos cheios de doces e salgados e ao lado dela, se situava Armin Arlert. 

— A-annie? — ele gaguejou, a face transbordando de incredulidade ao vê-la.

Quando engoliu a comida, pode finalmente falar com eles. A Leonhardt explicou como tinha ido parar ali e onde pretendia ir. Acabou descobrindo que eles também estavam indo para Shiganshina e Armin acabou se oferecendo para leva-la. Annie ficou em silêncio por alguns segundos com aquela proposta, sendo interrompida de dar a sua resposta quando outra voz tornou a falar ao seu lado.

— Annie, eu te procurei por to...Armin? — Hitch cortou sua própria frase quando quem se encontrava fazendo companhia para Annie.

— Hitch, precisamos conversar. — falou Annie após lamber o caramelo dos dedos.

Ela se levantou e virou o pescoço para olhar para Armin e assentir em sua direção. Ele confirmou, sabendo muito bem sobre o que se tratava o resto. Annie e Hitch foram até um pouco mais distantes da mesa, indo até a parte de trás de uma das barracas de comida.

— Olha, eu agradeço por ter me trazido até aqui. — Annie expressou, com uma profunda sinceridade. — Mas a partir daqui, eu vou com Armin, ele se ofereceu para me levar.

Hitch cruzou os braços e sorriu ladino.

— Bom, só vejo vantagem em não ter que cavalgar mais um bom pedaço. — ela gargalhou um pouco, até fitar Annie um pouco mais séria e com seus olhos esmeraldinos praticamente cintilando. — Boa sorte, foi ótimo ter você como companheira de quarto e principalmente implicar com você.

— Desejo boa sorte pra você também. — elas odiavam despedidas e Annie naquele momento não achou que seriam necessários nem abraços ou apertos de mãos, as palavras já conseguiram transmitir toda a gratidão pelo que Hitch tinha feito.

Quando virou as costas para ela e voltou para Armin, Connie e as crianças, Annie soube que nunca mais voltaria a ver a antiga colega de quarto e policial militar.

                                 ✺

Não havia cavalos o suficiente para ir um em cada, por isso, Annie acabou tendo que ir atrás de Armin sobre um único equino. Não tinham conversado mais nada desde que começaram a seguir na direção de Shingashina. Armin respeitava o seu espaço, ela sabia que Connie a temia assim como muitos da 104 turma e as crianças sequer a conheciam.

Contudo, quando os olhos de Annie vislumbraram o distrito agora sem muralhas, apenas destroços a rodeando, ouviu Armin se direcionar a ela.

— Ela tá te esperando.

— O que? — questionou, a boca abrindo e fechando sem saber o que dizer. — Co-como?

— Ela não conseguiu manter isso escondido de mim, eu já desconfiava que havia algo entre vocês há quatro anos. — contou o Arlert. — A Mikasa tá te esperando, Annie, mas você tá preparada para olhar nos olhos dela? Para ver ela?

Annie abaixou a cabeça, desde o dia anterior ficava repassando várias palavras em mente tentando formular o que dizer. Porém, sabia que quando a visse, muito provavelmente iria travar e as palavras lhe faltar.

— Não sei. — foi a sua resposta. — Mas que quero muito ver ela, saber como ela tá agora.

— Aparenta estar bem diferente, mas no fundo ainda é a Mikasa.

— Ela...por acaso tá me esperando pra me bater porque me odeia ou... — antes mesmo que pudesse completar o que dizia, Armin alimentou sua dúvida ao invés de apaziguá-la.

— Isso você verá. — disse ele, e a conversa morreu quando atravessaram um espaço entre a pilha de grandes pedaços de concreto que outrora foram a suntuosa muralha Maria.

O coração de Annie bateu duas vezes mais forte e seu espírito ficou tão inquieto quanto sua mente. Mordeu o lábio inferior, enquanto Armin batia mais as rédeas para acelerar o galopar do cavalo.

Agora, pouca distância a separava de Mikasa Ackerman, estava perto de rever o seu grande amor.







Nota da autora: não esqueçam de deixar seu favorito se gostou do capítulo e se puder também um comentáriozinho porque isso ajuda muito no feedback da fanfic e também incentiva a autora aqui <3 até o próximo docinhos ❤️

Memories [MIKANNIE]Onde histórias criam vida. Descubra agora