2. Rooftop

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Quando a vida fecha uma porta, você pode sempre entrar pela janela.

— Gizelly


—   VOCÊ PRECISA queimar sua camisa da sorte.

De pé no terraço do prédio de arenito em que as três moravam no Brooklyn, por sobre a grama que balançava suavemente sob o vento, Bianca olhava fixamente para o topo dos prédios brilhantes do centro de Manhattan. A sombra do jardim oferecia um exuberante e perfumado oásis em uma cidade cercada de aço e vidro.

Sua irmã, que era paisagista, viu potencial no que outros ignoraram e comprou um imóvel num prédio tradicional por uma fração de seu preço de mercado. Depois, dividiu o apartamento em três, cada um com seu próprio charme. Mas a cereja do bolo era a cobertura. Num passe de mágica, Marcela transformou o espaço desgastado e sem uso em um paraíso de tranquilidade. Altas coníferas cercavam o terraço de mármore azul, protegendo o canteiro personalizado repleto de zimbros, murtas e rosas. Da rua não dava para ver a cobertura, e ela era inimaginável para os milhares de turistas que se acotovelavam na Times Square. Foi só quando se mudou para lá que Bianca descobriu o mundo secreto das coberturas de Nova York, uma infinidade de jardins elevados no topo dos arranha-céus, como a decoração no topo de um bolo de casamento.

No verão, todos se encontravam lá depois do trabalho e se esparramavam nas espreguiçadeiras e nos pufes para beber e conversar. Sábado à noite tinha filme. Elas convidavam os amigos e assistiam em um telão improvisado enquanto o mundo seguia em frente metros e mais metros abaixo deles.

Aquele era o lugar predileto de Bianca.

A chama de velas tremulava dentro de potinhos de vidro e o ar era tomado pelo aroma de lavanda e jasmim. Era uma cena tranquila de verão que fazia a  loucura urbana de Manhattan parecer estar a  milhões de quilômetros de distância. Subir ali quase sempre a acalmava.

Mas não naquele dia. Desempregada.

Aquela palavra tomava conta da sua mente, não deixando espaço para qualquer outro pensamento.

Na frente delas, a mesa estava repleta de pratos que pareciam deliciosos. Grão-de-bico assado com especiarias, vegetais temperados com um bom azeite de oliva e ervas. Gizelly sempre cozinhava quando estava estressada, e foi o que fez a tarde inteira. A geladeira estava cheia de comida.

Mas nenhuma delas estava comendo.

—  Eu joguei a camisa fora. — A voz de Gizelly saiu grossa. — Talvez não devesse ter feito isso, pois só Deus sabe quando vou poder comprar uma nova. Não consigo entender por que estou tão triste. Eu nem gostava de verdade daquele emprego, ao menos não como vocês. Só continuei por causa do dinheiro e porque vocês trabalhavam lá. Eu adoro trabalhar com vocês. Mas nem era meu sonho, que é fazer o meu blog de gastronomia crescer e ter um público fiel de seguidores. Mas esse emprego era o sonho de vocês... Vocês devem estar tão tristes.

Bianca olhou por cima da cobertura dos prédios, tentando organizar e dar nome a seus sentimentos. Parecia que tudo estava fora de controle.

—  Estou bem. — Ela conseguiu esboçar um sorriso com a facilidade de alguém que o fingira milhares de vezes antes. — Não precisa se preocupar comigo.

Manu estava de joelhos, cuidando do canteiro de plantas. Ela regava, podava e arrancava as folhas mortas sem dizer uma palavra.

Bianca sabia o que isso significava.

Sempre que Manu ficava triste ou com raiva, a reação era furiosa. Sempre que sentia medo, ficava quieta. Nessa noite ela estava quieta.

Por causa da sua educação, a capacidade de aguentar firme sozinha era tudo para Manu.

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