Capítulo Quatorze [Prova do crime]

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— Nunca gostei dela. — declara Talita sobre Hilary, passando o baseado para mim. Eu o pego e me demoro ao encará-lo. Contei para eles tudo, principalmente o motivo do meu sumiço.

Matheus emerge da piscina, fazendo algumas gotas d’água respingarem em nós, sentadas na borda. Lembro-me da época em que vivíamos sob as águas das cachoeiras, rios, praias e piscina de toda essa cidade, tempos em que Talita e eu nos preocupávamos apenas em não sermos pegas com drogas. Matheus, por outro lado, se preocupava apenas em não deixar que descobrissem sobre seus inúmeros rolos e assim os ter, dando sempre exclusividade.  

— Não seja tão hipócrita — resmunga Matheus para Talita. —, mesmo não gostando dela, você fingia que sim.

— Por educação! — rebate, aceitando o baseado que lhe entrego. — O que você pretende fazer agora?

Dou de ombros.

— Honestamente? Não faço ideia. — suspiro — No momento, só quero pegar minhas coisas e procurar um novo lugar para morar.

— A megera da sua irmã não vai mais deixar que você more no apartamento?

— Ela não é uma megera, porra... ela só age como uma às vezes.

Matheus assovia.

— Taí uma coisa que eu nunca achei que veria na vida: você defendendo ela.

— É, eu também não. Tô percebendo coisas que antes eu não via, tanto nela como em mim. Eu acho que talvez, e isso é apenas um talvez bem grande, eu e ela podemos deixar tudo isso de lado e sermos... irmãs, quem sabe?

Sinto a mão de Talita em meus ombros.

— Olha ela, toda sentimental e otimista. — zomba, antes de receber uma cotovelada na costela. Talita geme de dor, se afastando de mim.

— E quanto ao seu sobrinho? — Matheus questiona, se sentando ao meu lado na borda da piscina. — Vai contar pra ele? Pelo ao menos alguma coisa, não precisa ser necessariamente sobre a namorada golpista dele.

Mesmo sendo verdade, não estou acostumada a ver às pessoas falarem assim sobre ela, mas vou ter que me acostumar, porque, para o bem ou para o mal, foi isso que ela escolheu ser no fim das contas.

— Ei — Talita passa o braço pelo meu ombro. —, você não precisa pensar sobre isso agora.

Não estou acostumada com esse tipo de conselho e muito menos com esse tipo de afeto vindo dela, mas o aceito de bom grado, deixando que a minha cabeça se apoie no seu ombro. Inalo seu cheiro floral, lembrando-me como era bom quando a minha única preocupação era como eu ia atravessar a cidade para encontrá-la, sem que os guarda-costas do meu pai notasse minha falta por muito tempo. Talita foi o meu primeiro beijo, a primeira pessoa que transei. Nós nos descobrimos uma com a outra. Foi ela que me deu forças para me assumir com dezesseis anos, e fui eu que a consolei quando ela teve sua primeira decepção amorosa no segundo ano, quando a filha mais nova do pastor não aceitou assumi-la, e o pior: não a defendo quando ela mais precisou.

Passei tempo demais longe deles e mesmo assim eles estão aqui. Eles aceitaram invadir a própria faculdade às 22h00 da noite por mim. Me sinto péssima de repente.

— Me desculpem por não ter atendido as ligações de vocês e ter ficado tão distante.

Eles se entreolham, mas é Matheus que diz:

— É, não foi legal da sua parte e ficamos bem putos com isso. Não é porque viramos adultos que temos que nos afastar ou até mesmo deixar que essas merdas tomem todo o nosso espaço. — bagunça uma parte do meu cabelo seco com sua mão molhada. Eu reclamo, mas ele não se importa. — E outra, não é porque você é uma artista de um metro e oitenta que eu vou me intimidar fácil, ouviu?

— Um metro e oitenta e três seu babaca. — em uma tentativa de empurrá-lo com meu ombro, acabo sendo jogada na piscina por ele. Quando emerjo, noto Talita rindo e logo acabo com a sua diversão ao puxá-la para dentro d’água comigo.

Ela avança contra mim e eu desvio, rindo. Logo noto o flash do celular de Matheus em nossas caras, gravando a nossa pequena guerra. Seu riso não dura muito porque, ao longe notamos uma luz em nossa direção e uma voz perguntando quem erámos e nos informando que ia chamar a polícia. Segundos depois, tudo se misturou com passos rápidos de Matheus ao pegar nossas roupas espalhadas no chão, Talita murmurando “merda, merda, merda!”, e eu me apressando para abrir caminho para eles, pulando o murro e ligando o carro o mais rápido possível para nos tirar dali e não deixar que fossem expulsos por minha causa.

Não deixaria que mais ninguém se fodesse.

— Eu acho que não deu para eles nos reconhecer..., mas é só um palpite. — Talita diz, sentada no banco do passageiro. Matheus, ao contrário dela, grita em pura adrenalina.

— Essa foi a melhor coisa que eu fiz desde o ensino médio, cacete! Precisamos fazer isso mais vezes.

Talita e eu dizemos ao mesmo tempo:

— Não, não podemos.

Viro à direita, na direção do condomínio de Talita. Não, não é “o condomínio onde Talita mora”, porque de fato o condomínio inteiro pertence a mãe dela, esta que, inclusive, paga parte da mensalidade de Matheus pois, segundo ela, ele tem um talento muito raro para que o dinheiro atrapalhe o seu objetivo. E ele, como forma de agradecimento, sempre sai em primeiro lugar em tudo que faz. Isso a deixa bastante orgulhosa porque, para ela, Matheus é como o filho que ela nunca teve. Poucas pessoas têm a chance de ter um amor materno pela sua própria mãe, mas ele tem o amor até de quem não o colocou no mundo.

Isso me faz lembra de Tatiane, a esposa de meu pai, mãe biológica de Nathan e Cristina. Ela não é a minha mãe, mas me criou da melhor forma possível, mesmo eu sendo o fruto de uma traição que acontecia em sua própria cama, mesmo eu tendo a cara da minha mãe, e mesmo que eu tenha aparecido em sua vida, em uma manhã qualquer de domingo, apenas enrolada em um cobertor e uma carta a qual ela descobriu a traição, ela mesmo assim nunca me culpou por nada... “eu nunca deixaria uma criança sofrer no mundo por causa das ações erras de um traidor... e eu ainda acredito, Júlia, que será você que acabará com tudo isso.”, foi isso que ela me disse da última vez que eu a vi, e então completou: “você ainda será a ruína de seu pai... e eu estou louca para que isso aconteça”. Foi ali que eu soube: Tatiane odiava meu pai tanto quanto Cristina, Nathan e eu... senão mais.

Então eu a respondi: “isso se você não o fizer primeiro”, por último, ela disse “se isso acontecer, te mandarei um e-mail contando cada detalhe”. Claro, isso obviamente não aconteceu porque arruinar a vida daquele desgraçado não era tão simples quanto falar. Mas eu ainda chegaria lá. Se tem uma coisa que eu herdei daquele infeliz foi a persistência.

“Se você apunhalou seu rival e mesmo assim ele persistiu e conseguiu te derrubar, mesmo na queda, continue apunhalando. Se você cair, se certifique que ele caia com você... A derrota só se dá quando você chega ao chão.”, foi isso que ele me disse quando eu tinha doze anos e fui parar na diretoria por brigar. Eu fiquei completamente assustada. Esse era meu pai... em uma briga, ele não te pergunta se você está bem ou com graves ferimentos, ele só quer saber se você ganhou ou não.

— Essa é a primeira vez que te vejo sóbrio desde que cheguei. — observo, parando no sinal vermelho. — Inclusive, devo um pedido de desculpas para a sua amiga.

— Pela forma como ela me ligou te xingando, deve mesmo e é melhor soar realmente arrependida.

Solto uma risada nasal.

— Não vou pedir desculpas na real.

— Eu sei, mas gostei da forma como que, por alguns segundos, você soou como uma pessoa decente.

— Isso não vai se repetir. — declaro.

— Você agir de forma cafajeste ou tentar agir de uma forma decente?

Dou um sorriso de lado.

— Tentar agir de uma forma decente. — quando o sinal abre, eu avanço.

Deixo Talita na frente de seu condomínio e quase tomo um susto quando sinto Matheus ocupando o lugar dela ao meu lado.

— Quando isso tudo acabar, porque obviamente uma hora vai acabar, que tal você chamá-la pra sair? E sim, estou falando de um encontro, não se faça de desentendida.

Isso nem tinha se passado pela minha cabeça.

— Talita e eu? — ele assente. — Cara, eu nem saí de um caso e você já quer me colocar em outro?

Ele ignora minha indignação.

— O que você e Hilary tiveram foi um caso muito delicado e intenso, mas não é como se você amasse ela, não é? — meu silêncio diz tudo. Matheus se remexe no banco. — Porra, Júlia, é sério? — fico em silêncio de novo. — Ai, que merda! Como você pretende acabar com isso? Porque ela já se mostrou ser mal caráter apenas pelo fato de trair seu sobrinho, imagine se formos considerar tudo.

— Eu não sei, tá bom? Vou dar um jeito. — digo, parando em frente à sua casa que fica apenas há sete minutos de Talita, mas o contraste é gigantesco. Ao contrário de Talita, Matheus divide um apartamento minúsculo com mais três pessoas da sua própria faculdade.

— Hilary é uma pessoa muito bem articulada, eu não ficaria surpreso se, depois disso tudo, ela tentasse se desculpar com você apenas para não correr o risco de você abrir o bico.

Indico a porta.

— Tchau, Matheus. Eu agradeço pela ajuda de hoje, mas eu assumo daqui.

Ele suspira.

— Só me promete que vai tomar cuidado?

Jesus, eu faço qualquer coisa pra me livrar dessa conversa.

— Prometo. — minto, descaradamente.

Não acho que isso o convenceu, mas, considerando tudo, está de bom tamanho por hoje. Ligo o carro e dirijo para o apartamento de minha irmã, onde só desejo tomar um banho, arrumar minhas coisas e dormir para que amanhã, de preferência antes de Kailan acordar, para que eu possa ir embora sem grandes conflitos, no entanto, como o destino me ama, quando abro a porta do meu quarto, lá está ele sentado à minha cama com algo em mãos.

— Eu estava esperando você. — diz ele, deixando o que for de lado. Procuro algo em sua voz que indique qualquer tipo de sentimento: raiva, tristeza, decepção..., mas não encontro nada.

Uau. Meu pai realmente fez desse garoto à sua imagem e semelhança. Eu mal o reconheço agora.

— Eu gostaria de explicar para você o que você viu ontem — começo devagar. —, mas eu gostaria de fazer isso em outro momento, tudo bem?

Kailan ignora a última parte e pega o objeto novamente. Se levanta e vem até mim.

— Eu gostaria de uma explicação sobre isso tudo que aconteceu ontem, sim — levanta o objeto para que eu o veja. Engulo em seco quando reconheço aqueles traços. —, mas antes, me explica por que você estava desenhando o rosto da minha namorada?!

A namorada do meu sobrinho [Enemies to lovers lésbico✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora