Capítulo vinte e quatro [Ruína]

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[N/A]: Penúltimo capítulo.

Os pingos de chuva batiam na grande janela que existia na parede onde estávamos sentados de frente. Uma bandeja com café, pão e requeijão foi servida a todos nós enquanto Kailan andava de um lado para o outro na sala, inquieto demais até mesmo para comer.

— Sente-se, pelo amor de Deus! — ordenou meu pai, mesmo fraco demais.

— Não. — rebateu firmemente, mesmo parando de andar. Encarou Michel. — Quero saber sobre o que isso se trata agora mesmo! Por que meu avô está sendo preso?

Michel tranquilamente o respondeu:

— Não tenho certeza se isso é de sua conta. — levou a xícara aos lábios enquanto eu prendia um sorriso. Hilary me lançou um olhar e eu logo perdi a vontade de sorrir.

— É claro que é!

— Kailan — chamou-o minha irmã. —, deixe ele terminar de falar.

Os nervos de minha mãe e os de Kailan estavam tensos, igualmente. Meu pai encarava meu rosto mas eu fingia prestar atenção em tudo, menos nele.

— Sua abordagem foi uma surpresa, delegado. — meu pai começa, ponto a xícara na mesinha de centro. — Mas, terei que ser insistente como o meu neto, do que isso se trata?

Michel o olhou, impassível. Sei o que estava pensando, sei o quanto o irritava profundamente ver criminosos se fazerem de desentendidos quanto a seus crimes.

Em sua pasta, pegou um papel branco e o entregou. Kailan tentou correr para perto de meu pai para ver do que se tratava, mas foi barrado por Michel.

— Fique fora disso. — disse e um estalo aconteceu em minha cabeça.

Aquilo era uma voz de prisão por todos os crimes que ele tinha cometido, o que significava que o assassinato do pai de Kailan estava entre eles, por isso a insistência de Michel em afastá-lo. Ele conseguiu. Ele tinha feito algo para que o juiz aprovasse e fez isso tudo em um piscar de olhos.

Odeio ter que admitir, mas o filha da mãe era um ótimo profissional.

Quando meu pai abaixou a folha, seu olhar caiu sobre mim. Nathan fez o mesmo e só então a ficha caiu para ele também.

— Tenho certeza que agora está ciente do porquê estamos aqui. — disse, indicando aos seus policiais para aprendê-lo. Meu pai não se opôs, e foi nesse momento que Kailan avançou sobre ele e pegou a folha que estava em suas mãos.

Nathan, sabendo sobre o que era, tentou agarrá-lo pelos ombros mas Kailan se desviou.

— Kailan, chega! — ele esbravejou.

Cristina se levantou e ergueu sua mão em frente ao filho.

— Me dê esse papel agora mesmo. — não tendo sucesso, ela tentou tomá-lo. Kailan ergueu os olhos para nós e fitou as costas de meu pai que se negava a olhá-lo.

Hilary soltou a faca que usou para cortar o pão sobre a bandeja e colocou-a sobre o seu próprio útero. Ao meu lado, ela se inclinou para a frente. Minhas mãos foram para as suas costas, instintivamente.

— Vovô? Por que o nome do meu pai está aqui? — ouvi quando Kailan questionou. Não o olhei no momento em que Hilary franzia o cenho com dor, mas vi de soslaio o momento em que aconteceu. — Responde, porra!

— Eu não interferiria nisso se fosse você. — Michel alertou-o.

— Mãe! — chamei-a em paralelo a tudo que acontecia. Ela estava imóvel, olhando tudo em descrença. Não, agora não. Hilary gemeu de dor e eu estremeci. — Mãe! — dessa vez, ela virou a cabeça em nossa direção. Indiquei Hilary e ela demorou um pouco para reagir, mas, com a ajuda de Cristina, elas a levaram para cima.

Kailan e Michel ainda se encaravam, os olhos do primeiro transbordando em fúria. Meu pai era um covarde, nem ao menos tentou dizer nada para ele. O peito do mais novo subia e descia quando Cristina reapareceu na sala, notando sua retomada, Kailan disparou:

— Você disse para mim que ele tinha morrido tentando chegar ao hospital. — disse para Cristina.

Minha irmã engoliu em seco, mesmo mantendo a postura.

— Você sabia disso, mãe? Sabia que foi este homem — apontou para meu pai — que o matou?

Cristina apenas negou, ainda imóvel.

— Então como você soube que ele tinha morrido? — a pergunta veio entredentes, sua raiva o fazia dar passos pesados em direção a mãe.

Vi quando o rosto de minha irmã ficou pálido.

— Michel — chamei-o, porque aquilo não fazia mais parte da operação. —, você pode levá-lo agora.

— Não! — Kailan virou a cabeça em direção ao meu pai, esquecendo-se da resposta de minha irmã, que nem mesmo viria. — Não ouse tirá-lo daqui. Eu ainda não terminei.

Michel revirou os olhos.

— Você poderá terminar nisso quando for visitá-lo na prisão. — com um sinal, ele mandou que os policiais continuassem o que vieram fazer, no entanto, Kailan entrou no caminho, ficando alguns metros da porta, a frente dos policiais e meu pai e tendo a mesinha de centro ao seu lado, onde estavam as bandejas. Levantei-me em alerta quando os policiais colocaram as mãos nos coldres.

Nesse momento, meu pai ergueu seu olhar para o neto mas já era tarde demais, a raiva já não queria mais uma explicação. O fato do que tinha acontecido já era o bastante para ele.

— Meu avô matou meu pai e forçou a minha mãe a abortar minha irmã. — por dois segundos ele me encarou. — É, eu descobri. Minha mãe mentiu para mim por anos. Minha tia roubou a minha namorada e eu perdi minha filha. — Kailan ri amargamente. — Que família de merda vocês são.

Um dia, Tati me disse que eu seria a maior ruína da vida de meu pai. Hoje, sei que ela estava completamente errada. Eu nunca, nem por um segundo, fui a principal ameaça da vida de meu pai. Porque eu sempre tive meu papel definido e a maior ruína da vida de alguém é sempre a pessoa que está em sua frente.

Eu nunca destruiria meu pai. Mas Kailan sim.

A faca que estava na bandeja, em menos de um segundo, estava na barriga de meu pai. Kailan a girou antes que fosse afastado pelos policiais. Ouvi um grito e não sei de quem foi, acho que foi meu. Os braços que ampararam meu pai eram os de Cristina enquanto os meus mantinham-se rente ao corpo. Eu não o ajudaria. Em alguns minutos de afobação e agonia, vi o momento que meu pai morreu... olhando pra mim. Aquela cena me paralisou. Kailan se ajoelhou do lado ao corpo enquanto os policiais torciam seus braços nas costas.

Meu pai havia passado a mão na cabeça de seu próprio assassino. Matou por ele e acabou sendo morto pelo mesmo.

E no final das contas, eu não o culpava. Kailan fez o que eu não tinha coragem. Kailan, assim como todos nós nessa família, tivemos a vida arruinada por ele. Kailan estava perturbado, chorando e tremendo ao lado do corpo e mesmo assim, não parecia sentir um pingo de remorso. Ele não estava arrependido, não estava chorando pelo avô, ele estava chorando pelo pai... que nem ao menos merecia suas lágrimas. Nenhum de nós merecia. Transformamos a vida dele num inferno de culpa e dor, aos 16 anos, Kailan já tinha motivos o suficiente para matar alguém.

E, no fim das contas, ele matou.

A namorada do meu sobrinho [Enemies to lovers lésbico✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora