Ela tentou tirar o colar, tentou o arrancar, tentou cortar o metal que envolvia o pescoço, usou alicates e ate mesmo quebrou uma tesoura no processo, nada aconteceu, ele não saia, tentava o tirar de todas as formas, era como se estivesse grudado ao corpo, era um mal sinal, ficou desesperada durante os primeiros dias, quando tentava arrancar por cima da cabeça, a pedra queimava sua mão, ela só parou de tentar quando já não conseguia mexer os dedos, doíam demais, as queimaduras eram severas, mas curavam rápido, como se aquilo fosse apenas um castigo para a por no seu lugar, o amuleto não iria a lugar algum, e o pior, ele a deixa enjoava, com náuseas e ânsia de vomito, os primeiros dias foram os piores, sentia-se fraca, desmaiava, dormia por horas, não comia, não bebia, não se lembrava de coisas que deveria lembrar, o tempo todo era como se uma presença estivesse a jogando para baixo, lhe socando a face, já fazia um mês, ela ainda tinha as cicatrizes das queimaduras nas mãos, cicatrizavam em dias, isso era ruim, foi a mirante todas as noites em que conseguia se mexer sem vomitar, ele não voltou, procurava seu cheiro nas ruas, na feira onde trabalhavam, em todos os lugares, ele não havia voltado, ela precisou de dois meses parar conseguir conviver com o amuleto, era maligno, ela sabia, podia sentir a coisa sussurrando para ela, todas as noites sonhava o mesmo sonho, um pântano coberto de musgo e neblina, era escorregadio e a temperatura fria, tentava correr mas não conseguia, o musgo a fazia escorregar, tentava correr da escuridão, de uma nevoa negra que a perseguia, e ela sabia que se não corre-se morreria, e quando a nevoa finalmente a alcançava, o rosto dele aparecia, os lábios vermelhos, cobertos de sangue, sorriam antes de a matar, e então ela acordava, suada, e com o amuleto em fogo, porem ele não a machucava, só a queimava quando queria, ela começou a ficar paranoica, se escondia nas ruas, achava que estava sendo observada, deixa o amuleto por dentro da blusa, parecia valioso demais, se perguntava porque aquilo estava com ela, porque estava acontecendo com ela, o que havia feito parar merecer tal coisa, talvez precisa-se sofrer mais, ela não entendia, voltava da feira exausta, havia conseguido um tênis novo com as doações da igreja, e algumas peças de roupas surradas, de novo o tênis não tinha nada, mas pelo menos o solado ainda estava grosso o suficiente para ela usar por uns dois anos, foi a única coisa boa que havia acontecido nos meses que se passaram desde aquela noite, era assim que ela chamava "AQUELA NOITE", os olhos dele a perseguiam em todos os lugares, ate mesmo acordada ela se sentia atormentada por aquela presença estranha, a maldade que brincava com cada palavra que saia de seus lábios vermelhos. Mais uma vez ela levantou, e foi para a feira, mais um dia, ele disse que voltaria, ela pensou olhando os pássaros que voavam para o sul, como se estivessem fugindo, muitos pássaros, era o que ela reparava, os animais estavam migrando, pássaros, coelhos selvagens, peixes, todos estavam indo para o sul, os pescadores precisavam ir cada vez mais longe, para conseguirem o que comer, isso era estranho, talvez os animais soubessem que ela carregava algo ruim no pescoço, talvez o sonho fosse um pressagio, estava cansada de tomar conclusões precipitadas, cansada de tudo que estava acontecendo, ela sentou sobre um caixote, ainda tinha que trabalhar por mais 3 horas, os dias pareciam não ter fim, ela observou as pessoas correndo de um lado para o outro na feira, sem celulares e com roupas simples, era assim na cidade, muito afastada para ter um sinal bom de rede, ate mesmo internet era escassa, ela ficava feliz por isso, e era justamente esse o motivo que havia feito com que ela escolhesse aquela cidade, precisava se esconder, perdeu a conta de quantas vezes viajaram e se mudaram, ele sempre as achavam, era assim desde que o pai havia expulsado a mãe de casa, tinham um casamento feliz, uma boa vida, seu pai era filho do prefeito da cidade em que moravam e ela havia crescido como uma princesa, ate que sua mãe ficou doente, os sintomas foram ficando mais forte, ela percebeu que a situação estava mudando quando o pai parou de sorrir, e de olhar para sua mãe, ela ainda podia lembrar da cara de nojo que ele fez quando a esposa precisou de uma bengala, era jovem, não tinha nem 25 anos, ele era mais velho, e dizia que a amava, mas o amor dele foi fraco, mesmo assim ela viu a mãe engravidar da irmã, a doença não progredia, e o pai parecia aceitar as limitações da esposa, ficou feliz, quando a filha nasceu, mas após o parto a doença voltou a avançar, e ela viu que a mãe já não tinha todos os movimentos do corpo, era por isso que chamavam de degenerativa, um dia ela viu os pais brigarem, uma outra mulher entrou pela porta, era loira e alta, não parecia ter mais de 20 anos, agora que era mais velha, finalmente entendia o que tinha acontecido, o pai não havia aguento conviver com uma mulher doente fadada a morte, e havia arranjado outra esposa, mais jovem e saudável, era assim que as coisas aconteciam, ele perguntou a ela, se queria ficar, se queria viver com eles, ela não quis, foram para a casa dos avós, pais de sua mãe, já eram muito velhos, ficaram meses lá, a irmã não tinha 1 ano, quando eles morreram, a mãe não teve para onde ir, e não podia trabalhar, nem pagar a hipoteca da casa, foi ai que o pai apareceu, disse que queria cuidar delas e que pagaria uma boa instituição para cuidar de sua mãe enquanto elas vivam no luxo com ele, ela viu a mãe negar e então os advogados começaram a aparecer, ele era rico, começando uma carreira politica, elas não tinham chances, ainda mais uma mulher doente, começaram a fugir, cada vez mais longe, ele sempre as achava, dizia querer as filhas de volta, que iriam prende-la, quando sua mãe perdeu todo o movimento das pernas, ela já tinha 15 anos, conseguiram uma cadeira de rodas e continuaram fugindo ate que chegaram em Santa Edwiges, o lugar mais remoto que se podia achar, ninguém iria ate ali, acharam uma casa abandonada e os habitantes da cidade eram bons demais para as despejarem de um lugar que ninguém usava, sabiam que estavam invadindo mas nunca falaram nada, quando finalmente fez 18 anos, ficou feliz, ele não podia mais reclamar a guarda dela, agora sua única preocupação era a irmã, e sabia que ele não iria desistir, ela suspirou, as coisas estavam piorando e não sabia mais por quanto tempo ainda teria a mãe, ela já estava perdendo a fala, e quase não mexia os braços, sentiu que os olhos enchiam de lagrimas, e tentou se conter, estava ao ar livre, em pleno dia, no trabalho, não devia pensar nessas coisas, mas era em tudo que pensava desde que ele havia lhe dado o amuleto, porque a vida não podia ser boa de novo, voltou a trabalhar, era melhor fingir que nada estava acontecendo, ele havia a chamado de "covarde" o homem no mirante, se é que ela poderia o chamar assim, as vezes chamava de "aquela coisa macabra" ou "o próprio diabo" mas outras vezes pensava que havia sido um sonho e que estava cada dia mais louca.