"Mais um dia, só mais um dia", ela repetia todas as manhas, olhava o reflexo no espelho, não podia dizer que já tivera dias melhores, mas estava pior do que o de costume. Tentava não pensar naquela noite, e quando pensava, dizia a si mesma que ele estava tentando a assustar, tinha conseguido por alguns dias, mas agora não mais, ele não voltou a aparecer e Candence não iria chamar, mas isso não a impedia de temer, de ficar acordada na cama todas as noites, e de ir ate o mirante em algumas dela, se não fosse o colar em seu pescoço, teria certeza que estava louca, mas era real, quase tudo era real, ela vestiu uma camiseta azul e short que terminavam nas coxas, era curto, mas fazia muito sol, prendeu o cabelo em seu famoso rabo de cavalo e escovou os dentes, e depois repetiu o processo com a mãe, a tirou da cama, deu banho, escovou os cabelos loiros que cada dia ficavam mais ralos, escovou seus dentes, a colocou em um vestido, o calor estava insuportável, Candence se achava forte, ou pelo menos tentava ser, mesmo que a mãe estivesse cada dia mais magra, ela conseguia a pegar no colo, e cuidar dela como devia, nunca deixou nenhuma ferida se formar, e Rebeca, embora fosse apenas uma criança, repetia todos os cuidados ao longo do dia, ela deixou a mãe na sala, perto da janela onde gostava de ficar, assim poderia ver a rua e as pessoas que passavam, ate mesmo o mirante se podia ver da janela, candence tomou apenas um café preto antes de sair, por alguma razão Rebeca estava acordada desde cedo, sentada no muro usando um vestido azul, ela parou ao lado da irmã, mas a garota parecia não querer falar, então candence se sentou ao lado dela e esperou, ainda tinha tempo
" as outras garotas nunca querem brincar comigo" Rebeca finalmente disse " Acho que é porque não vou a escola"
" nós já conversamos sobre isso" ela respondeu um pouco chateada " se for a escola, algo pode dar errado para nós"
" eu sei"
" eu não queria que fosse assim Rebeca"
" pois eu sim" a garota respondeu e a pegou de surpresa, os cabelos arruivados brilhavam com os raios de sol " eu nunca vou querer ficar longe da mamãe" a garota olhando para a janela onde podia ver que a mãe estava sentada na cadeira de rodas, olhando para elas " acho que ela não consegue mais falar, ela apenas balança a cabeça e me diz que livro pegar, mas não consegue mais me ensinar, as vezes não consegue mastigar a comida eu amasso tudo com uma colher, ou ponho água"
Ela viu os ombros da criança baixarem, era menor que uma criança de dez anos comum, se sentiu culpada, se pelo menos tivesse um emprego decente, poderia dar uma vida melhor, e se não fosse egoísta, talvez aquele homem pudesse lhe dar uma vida melhor, aonde ela iria para escola, não precisaria de caridade para ter roupas, não moraria em uma casa abandonada, não teria que cuidar da mãe doente, Candence podia ver o sofrimento nos olhos da irmã, ela era inteligente demais, então pegou sua mão, e passou o braço por seus ombros a puxando para um abraço, lhe deu um beijo no topo da cabeça
" sabe que temos muita sorte, nãos sabe?" perguntou e viu a garota balançar a cabeça em resposta afirmativa " geralmente as pessoas que tem a doença da mamãe, não vivem tanto, sofrem muito, é apenas por isso que eu ainda acredito em DEUS, de alguma forma ainda temos ela, sem ela eu não saberia o que teria acontecido"
" eu sei o porque guarda aquele dinheiro no porquinho" ela viu as lagrimas escorrendo pela face branca repleta de sardas " é pro enterro dela não é?" Rebeca perguntou com os lábios tremendo, e candence assentiu, então viu que a irmã desmoronava, por mais que fosse difícil não podia mentir, estava juntando dinheiro, durante anos, um pouco a cada mês, para que quando o momento chegasse, pudesse lhe dar uma lapide, para que tivesse algo no qual estaria escrito o quanto ela foi importante e o quanto as filhas a amavam
" a mamãe é muito forte" candence enxugou uma lagrima
"eu "sei" Rebeca respondeu com os olhos cheios de lagrimas " mas eu acho que ela não aguenta mais, eu acho que ela esta morrendo Candence" a garota começou a chorar, e ela teve que segurar as lagrimas, não podia mentir para a irmã, estava chegando a hora e teriam que estar prontas, apenas a abraçou, o mais forte que pode, e deixou que chorasse, e foi isso que fez, durante horas, estava sofrendo tanto para a idade, candence prometeu que não iria a feira aquele dia, depois de um longo tempo de conversas no muro, elas voltaram para casa e cuidaram da mãe juntas, cozinharam uma sopa, com os poucos legumes que iriam para o lixo depois feira, mas candence era espertar demais para deixar que aquilo acontecesse, por isso sempre ficava para separar o que dava para comer, na maioria das vezes era mais proveitoso que o dinheiro que recebia, então por isso ainda sobreviviam, elas conversaram o dia todo, terminaram a caixa de biscoitos, e a mãe parecia atenta a tudo que falavam, leram livros, e candence ajudou nas lições que a irmã aprendia em casa, na maioria das vezes sozinha, o dia passou rápido, e por mais que o dinheiro de um dia de trabalho fosse fazer falta, ela também precisava daquilo, da paz que ainda tinha, quando anoitece e colocou tanto a mãe quanto a irmã na cama, deitou, e lembrou o porque devia lutar, naquela noite ela dormiu como um bebe.