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Aos olhos de Evan
Anime-se, cara. Dizia a mim mesmo, enquanto observava minha imagem no espelho da sala. Finalmente chegara o dia, tente não estragar tudo.
Respirei fundo e continuei a arrumar minha gravata. O terno preto que usava pertencera a meu pai, de seu casamento com a mamãe. Agora o passara para mim, mas eu não tinha certeza se era digno usá-lo numa união que não possuía sentido, tampouco, amor.
Forcei-me a permitir que um sorriso tomasse conta de meu rosto, não colocaria tudo a perder. Havia chegado longe demais para desistir agora. Terminei de arrumar a gravata e pentear os cabelos, deixando-os pela primeira vez arrumados, – desde que me entendi por gente – formais, para um casamento.
Fixei meu olhar no homem do espelho, o homem que sempre ansiaram que eu me tornasse. O sucessor, herdeiro do nome Evangelista, substituto nato de meu pai na sua empresa conjunta com a família Gonzáles. O plano orquestrado por eles finalmente estava dando certo, e o homem do espelho era o ideal para isso. No entanto, ainda que aquele cara tivesse meus traços e usasse minhas roupas, não era eu.
Poderia se parecer comigo, mas não era. Sorri, e o cara no espelho sorriu de volta. Não passava de um intérprete que teria que atuar num papel pelo resto de sua vida. Esse pensamento me assombrou.
Quanto mais eu observava aquela imagem refletida no espelho, mais a angústia tomava conta mim. Eu absorvia o impacto que isso teria ao longo de minha vida. Um comprometimento eterno; anéis que me apertariam e sufocariam até que eu não aguentasse mais. No entanto, era preciso aguentar. Era necessário, ou será que não?
Meu sorriso se desmanchava, e uma crise de insuficiência e ansiedade se iniciavam em meu coração. Quem era eu? Talvez já nem mais soubesse. Havia mudado tanto desde que conheci o novato, e sabia bem que nunca mais seria o mesmo sem ele. Vittinho tornara-se parte de mim, era uma conexão que nunca mais sentiria por ninguém. Lágrimas começaram a cair e molhar o piso de minha sala, e eu tentava não fazer barulho para que meu sofrimento e dor não incomodassem minha mãe. Não saberia o que dizer se ela visse seu "homem" chorar. Porque para ela, "homens" não choram. Ou meu pai tinha razão e ela não era um monstro? Também fora vítima e atuava num papel imposto por seu pai? Já nem sei mais. Não sei de nada.
O homem do espelho continuava a chorar freneticamente, minha garganta engolia palavras que não pude dizer, e que talvez nunca mais pudesse de fato dizê-las ao amor de minha vida. A sensação de meu peito era angustiante, como facadas penetrando nele continuadamente, insensivelmente. A dor de um coração partido é a pior de todas, sem dúvidas. Era tão cruciante e aflitiva que retirava pouco a pouco minhas forças, fazendo-me ficar com tontura e tendo que me apoiar na parede para não cair. Nesse instante, derrapei num vaso, que consequentemente caiu e quebrou-se, mas eu não ligava. Via o sentido de minha vida sendo perdido, e minha respiração arfava irregularmente e feroz. Pensei fazer besteira comigo mesmo, mas isso só pioraria as coisas. Só faria com que aquele cara sofresse mais ainda, mais do que já o fizera sofrer.
Ouvi passos rápidos descendo as escadas, e ao erguer o rosto, meus olhos encararam fixos os de minha mãe.
Fechei os olhos, sentindo o medo tomar conta de mim, prevendo o sermão que levaria de Yolanda. "Homens não choram", diria, com certeza. Só me faria me sentir pior.
Subitamente, senti meu corpo envolvido num abraço quente e protetor. Eu tremia e soluçava, mas as mãos de minha mãe afagavam minhas costas, tentando acalmar minha crise. Uma voz feminina soava "vai ficar tudo bem", repetidas vezes, e seu abraço só se intensificava, ficando mais forte. Fui melhorando aos poucos, e os soluços e a tremedeira começaram a parar. Olhei profundamente em seus olhos, e por incrível que pareça, percebi que pela primeira vez na vida, Yolanda Evangelista chorava.
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Querido Evan - Com Amor, Vittor | ROMANCE GAY
RomanceSe quiser o amor, primeiro terá de passar pela dor. Até que ponto estaria disposto a ir por quem ama? Em uma escola de ensino médio na Espanha de 1997, Evan, que é filho de uma professora homofóbica, questiona sua própria sexualidade ao se deparar c...