CAPITULO 29

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O coração de Cassie ainda estava disparado. E olha que ela não viu tudo o que aconteceu, ela ouviu mais do que viu. Honest, Candid, Noah, Adam e Peter recolheram os seguranças, alguns foram para administração, outros foram colocados no jipe, os mortos. Ela tremia, chorava e não conseguia entender como tudo aquilo aconteceu. Seu pai sabia que poderia acontecer aquilo, ainda assim veio, cheio de seguranças.
Homens que eram pais, filhos, maridos. E agora estavam mortos. Será que não dava para terem evitado isso?
Seu pai ainda tinha a mesma expressão segura no rosto, ele tremeu e com certeza sentiu medo, mas não dava seu braço a torcer. Ele sabia que não o matariam, ele era pai dela.
"Papai, por favor, vá embora." Ela suplicou mais uma vez. Ele sorriu, um pouco triste e segurou a mão dela.
"Não sem você, querida. Eu gostaria de contar uma história, posso?" Ela abriu a boca. Seu pai estava louco.
Adam se ajeitou no banco, Noah se sentou também, Hush fez um sinal para Jonathan. Ele veio e se postou como intérprete. Peter se encostou numa das colunas do telhado da varanda, seu rosto bem irônico.
Simple saiu da administração, todo arrumado parou às costas dela, Cassie se virou ele lhe tocou o rosto.
"Fique firme." Ele disse, bateu no ombro de Hush e saiu pela lateral.
"Você falou sobre dinheiro, o dinheiro de seu avô. Bom, eu nunca tocaria em porra nenhuma que venha dele, pelo menos, agora não mais. Eu conheci sua mãe na faculdade, ela era linda, inteligente e muito voluntariosa. Me quis, só por que eu não fui na dela, eu levei meus estudos a sério, eu era pobre, a faculdade era minha única chance. Eu não sabia que ela era uma herdeira, é claro. Mas qual não foi a minha surpresa quando estava trabalhando num projeto de energia e o nome do pai dela surgiu! Na hora, eu inventei um pretexto para ir na mansão deles, ela estava lá. Eu não fui idiota de tentar conquista-la, eu procurei retomar nossa amizade, ela ainda me queria. Daí, não demorou estávamos namorando. Não vou dizer que estava apaixonado, mas foi o período de minha vida em que fui mais feliz. Eu tinha planos de investir em energia, ela conseguiu o dinheiro com o pai dela, abrimos minha primeira empresa. Ela tomou gosto por ser executiva, eu gostava e ainda gosto de estar por trás da cortina. Milly era o rosto, eu o cérebro. Progredimos tanto que eu devolvi cada centavo que o pai dela me emprestou. Pensei que ele ficaria orgulhoso de nós, ele só bufou que eu não fiz mais que minha obrigação. Ela era ambiciosa, trabalhava quase tanto quanto eu. E um dia, do nada, disse que queria um filho. Pra ser sincero, eu nunca tive muitos instintos paternais, mas ela estava decidida, eu não pude nem dizer nada. E ela engravidou. Compramos a casa em que vivemos hoje, aquela monstruosidade que só me dá custos. Ela passou os primeiros cinco meses entretida com a decoração, o bebê tinha tantas roupas, que ele cresceria sem usar a metade. Quando entrou no sexto mês, sua pressão foi às alturas, ela teve de ficar de repouso, ela ficou, mas não teve jeito, poucos dias antes de completar sete meses, ela entrou em trabalho de parto, o bebê nasceu e morreu. Um grande bebê, fizemos funeral e tudo. Foi muito sofrido, eu estava começando a gostar da idéia. Milly assim que melhorou quis voltar a tentar. O médico tinha sido contra, ela não o escutou. Outra gravidez, dessa vez, ela abortou. Três meses, não soubemos o sexo. Eu comecei a ficar com medo, procurei o pai dela, eles nunca conseguiram fazê-la ouvi-los, não foi diferente. Mas ela adoeceu, então, por um tempo ficamos bem, ela não voltou para a empresa, ficou em casa, começou a fazer coisas que mulheres ricas fazem, essas coisas beneficentes, e tal." Ele parou, tomou um gole de água que Noah o serviu, Adam não tirava os olhos dele. Hush estava concentrado em Jonathan, que sinalizava.
Rosalie saiu e se sentou a mesa, do lado de Adam, ela parecia cansada. Ele lhe tirou uma mecha de cabelo da testa, ela sorriu. Candid, porém a chamou de volta. Ela olhou para Cassie, Cassie acenou que ela podia ir.
"Infelizmente, a maioria dessas mulheres ricas, esposas de empresários tinham filhos, e Milly não conseguia aceitar um mundo onde ela não pudesse ter algo que ela queria. Eu implorei para adotarmos, ela não quis. Eu cheguei a fazer greve de sexo, mas como não conseguia traí-la, não durei muito tempo." Ele sorriu, Hush bufou. Cassie sabia que era verdade, mesmo agora seu pai não namorava, ele estava quase sempre sozinho, sexo casual não era para ele.
"Consultamos um médico, ele tentou demovê-la da idéia, ela mudou de médico até encontrar um que aceitasse acompanhar a gestação. E ela engravidou de você. Desde o início, sabíamos que seria difícil, ela teve diabetes gestacional, aliada a hipertensão descompensada que ela já tinha, anemia e ainda sofreu com enjôos terríveis. Ficou de repouso, foi internada, mas você continuava viva e segura no ventre dela, então, Milly ainda sorria quando você se mexia. Descobrimos que era uma menina, ela ficou em êxtase, eu queria um menino, um herdeiro, mas na verdade, eu torcia para você morrer antes que ela corresse mais risco." Cassie engoliu em seco, ele disse aquilo sem nem piscar.
"Não me leve a mal, querida, mas o primeiro médico, o que Milly dispensou, disse que no caso dela engravidar, seria muito difícil que Milly e o bebê sobrevivessem, seria ou um ou outro. Ela completou seis meses de gestação e foi internada. O médico me chamou e disse que a pressão dela não estabilizava, que um risco de Eclampsia era real e que se eu quisesse, tiraria o bebê sem consultá-la. Eu fui fraco, ela estava firme não importava o que se dissesse, ela continuava esperançosa de que tudo daria certo, falava por horas com você, alisando a barriga, dizia que o seu nome seria Cassandra por causa de uma tia que ela amava muito. Eu não tive coragem, eu devia ter autorizado interromper a gravidez, mas sabia que nada a impediria de tentar de novo, então segui o barco. Você nasceu, ela morreu, você ficou na encubadora por mais de um mês, quando lhe deram alta, seus avós exigiram ficar com você, eu não liguei. Eles me culparam pela morte de Milly, eu concordava."
Cassie não sabia o que dizer. Ele nunca a amou, ela sempre soube disso, mas doía.
"Seus avós te criaram bem, você cresceu muito miúda, doentinha, frágil. Quando seu avô sofreu o acidente e depois sua avó morreu do coração, eu cogitei me casar de novo, só pra ter alguém para cuidar de você, mas só de pensar em outra mulher morando na casa que Milly e eu compramos, me dava ânsias. Contratei babás, enfermeiras, comecei a passar mais tempo em casa, não o tanto que você precisava mas ainda assim era uma mudança. Eu me habituei a chegar e você vir correndo, e me abraçar com seus bracinhos finos, você lembra disso?" Cassie sorriu. É claro que ela lembrava. Seu pai ficava imóvel, mas sempre se deixava abraçar. Mais tarde, ela entendeu que ele só a suportava, mas quando era pequena, ela vivia para esses momentos.
"Ela lhe lembrava sua mãe. Você odiou sua mãe toda a sua vida." Adam disse, os olhos fixos em seu pai.
Albert suspirou, triste.
"Sim, eu não ia entrar nesse assunto, mas sim, Cassandra é a imagem da puta da minha mãe. Olhos, cabelos, formato do rosto. É como se eu a visse, me dizendo que eu acabei com a vida dela, me batendo no rosto, me deixando dias sem comer, e pior: me oferecendo para os doentes que fodiam ela." Cassie sentiu uma lágrima cair. Ela não tinha culpa. Ela sempre o amou, não merecia ser rejeitada por algo que ela não fez.
"Você cresceu e quando eu pensei que estava em paz, acostumado com a vida que tínhamos, você sendo uma menina quieta, satisfeita em receber amor das babás, não exigindo muito de mim, e faltando pouco para você trilhar seu próprio caminho, você adoeceu. Eu sinceramente desejei que você morresse sem sofrer, por que seu sofrimento me fazia sofrer demais. A cada internação, eu morria por dentro, ver você sentir dor, os enjôos, os vômitos, a sua aparência... Eu queria morrer! Você não sabe quantas vezes eu quis explodir a minha cabeça. Você nem imagina o que era ter você em casa estabilizada e daí ver seu estado decair! Era como se a história se repetisse, e se você se fosse, não restaria nada. Eu fiz tudo o que pude, eu paguei aquela asquerosa da Samantha, eu suportei a vadia da Darlene, e então, a vadia sumiu. E você também sumiu, ficou dias longe e depois voltou curada. Demorou muito para acreditar que você estava bem. Muitas vezes eu acordo de manhã e leio o resultado de seu último exame, é difícil de acreditar." Cassie não entendeu. Sua doença causou muito sofrimento em ambos, mas agora ela estava curada, era para ele estar feliz.
"Tudo ficou para trás, papai. Tudo. Eu estou bem, eu estou feliz. Não entendo o que está fazendo aqui." Ela disse, ele endureceu o olhar.
"Já disse, vim te buscar. Você não pode continuar aqui. Você vai acabar grávida e vai morrer." Cassie se afastou dele, se recostou no banco para trás o máximo que deu.
"Nós não pensamos em gravidez agora, papai. Eu estou tomando anticoncepcional, estamos decididos a esperar nossa casa ficar pronta, eu tenho que resolver minha vida acadêmica. Não será agora."
"Não importa quando será, você vai morrer se engravidar. Você não vai sobreviver ao parto, e eu vou impedir isso. Iremos embora." Ele disse.
Retirou um papel do bolso e estendeu para Peter.
"Veja isso, advogado." Ele disse. Peter leu o papel, franziu as sobrancelhas.
"Temos nossa própria legislação, Cassie é cidadã Nova Espécie." Ele disse, mas não tão convicto.
Cassie o fitou, ela sabia que ele estava mentindo, o casamento dela não tinha valor ali.
"Ele alega que o casamento não foi válido. Terei de falar com Simple, mas ele tem o testemunho do oficial civil."
"Mas eu assinei os papéis!" Ela disse.
"E não importa, eu posso assinar os papéis de companheiros, você não vai poder fazer nada."
"Você não vai assinar nada e vai embora comigo. Eu tenho algo que eles querem, que eu tenho certeza de que você também quer." Seu pai apontou para Adam e Noah.
"A doutora Samantha Nash. Ela pode reverter a condição deles. Eu paguei uma fortuna para ela, ela acha que consegue. Tem de fazer exames, essas coisas, mas ela fez Jewel. Ela está otimista."
"Não. Não vá, Cassie. Não queremos viver se isso significar o sofrimento de Hush." Adam disse. Noah acenou, ainda que hesitante.
Cassie se lembrou de Adam dizendo que assumiriam as mortes, pois eram clones e iam morrer. Ela ainda estava digerindo essa informação. Então era isso que os trigêmeos estavam procurando? Uma forma de impedir que morressem?
"Eu não terminei." O pai de Cassie disse. Ela respirou fundo, estava se remoendo por dentro.
"Se vir embora comigo, pra outro país, é claro, eles terão a única chance de sobreviverem. Está nas suas mãos, Cassandra. Samantha Nash é um fantasma, não a encontrarão se eu não quiser, e ela não fará nada se eu não autorizar, eu tenho uma coisa que ela precisa." Jonathan tinha parado de sinalizar, estava com os olhos arregalados, Hush olhava confuso para o rosto dela, mais preocupado com o que ela sentia do que com o que o pai dela falava.
Cassie olhou para Noah. Ele era menos emotivo que Adam, ele a olhava e no fundo de seus olhos de diamante, Cassie viu esperança. E ela não podia virar as costas para a última, a única chance que eles tinham.
Cassie olhou para Hush, as lágrimas rolando por seu rosto, ele parecia confuso. Ele olhou para Noah, Noah não retribuiu o olhar. Adam estava parado, sem ação. Peter estava com o olhar distante, com certeza pesando as alternativas.
Jonathan se sentou num banco, a encarando, os olhos pedindo que ela não deixasse seus irmãos morrerem.
"Então, Cassandra. A sua morte ou a deles? Por que você vai morrer se continuar com ele, vai morrer no parto, eu sei! Você não é capaz de suportar, você é fraca!" Ele acreditava mesmo nisso. Ele achava que a estava protegendo, mas era ele quem a estava matando.
Hush se ajoelhou e pousou a cabeça no meio dos seios dela, ele era muito grande mesmo. Cassie lhe tocou os cabelos, os fartos cabelos lisos, delineou as sobrancelhas grossas e os lábios cheios, bem feitos. Ela olhou para Noah.
"Me ajuda..." Ela sussurrou. Noah suspirou, seus olhos estavam vermelhos. Ele olhou para Adam, Adam negou e saiu da varanda. Peter acenou, olhou para Jonathan, ele também acenou. Cassie sorriu deu um passo para trás, ele a soltou e se levantou, ele parecia alheio a proposta de seu pai.
Noah e Peter o atacaram, cada um de um lado, Jonathan se lançou nele. Hush não caiu, mas eles também não o soltaram.
Cassie e seu pai correram, entraram num dos SUVs, seu pai colocou o carro em movimento, ela indicou o caminho. Enquanto seu pai manobrava, ela ouviu Noah gritar, Candid e Honest saírem correndo e também se juntarem a tarefa de segurar Hush.
Seu pai virou o carro e pegou a estrada.
Cassie ouviu um rugido e a palavra 'não' sendo vocalizada por Hush.

HUSHOnde histórias criam vida. Descubra agora