CAPÍTULO 35

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Cassie olhou pelas grades da janela e suspirou, a imagem era realmente linda. Um imenso vinhedo na França, quem diria? Seu pai sempre a surpreendia.
"Tudo bem, querida? Está melhor?" Seu pai entrou no quarto e parou ante a cama. Ela não se virou ou respondeu.
"Eu sei. Sou um pai horrível, insensível, tirano..."
"Escroto. Filho da puta, desgraçado... E muitas outras coisas mais. Será divertido cada dia te chamar de uma coisa diferente."
"Você nunca foi desrespeitosa. Só está viva por que..."
"Só estou viva por que Simple me salvou, não você. E não posso ter respeito por alguém que me mantém em cárcere privado.
"Você não está presa, Cassandra! Pode andar a vontade por aí, o clima vai ajudar com sua saúde frágil."
Ela teve que se virar.
"Vá pro inferno!" Seu pai fechou o semblante, como sempre fazia quando ela o enfrentava. Contudo, dessa vez, a carranca dele não a assustou, era muita revolta para ele achar que algum dia ela voltaria a trata-lo como seu pai.
"Filha, você tem o coração bom. Não herdou de mim, nem da sua mãe, é claro, acho que devo agradecer a sua avó, mas você vai me perdoar."
"Nunca!" Ela cuspiu as palavras.
"Quantos anos têm, querida? Acha mesmo que esse sentimento vai perdurar? Acha que daqui a um ano você não estará apaixonada por outro?" Cassie não ia responder.
Ela saiu para a varanda, o ar fresco realmente a fez se sentir melhor, o vôo foi muito cansativo. Havia um banco acoplado a mureta, era uma casa adorável. Hush adoraria. Ou não, ela não sabia. Seu pai estava a impedindo de conhecê-lo.
"Você não o conhece, querida. Eu daria tudo o que tenho para que você tivesse um pouquinho só da minha experiência, só um pouquinho. Mas se os pais conseguissem enfiar isso na cabeça dos filhos, o mundo seria bem melhor, então..." Cassie refletiu sobre as palavras dele.
"Quer dizer que o senhor, o grande Albert Turner nunca fez merda? Nunca fez nada de errado?"
"Você então entende que o que fez foi errado?" Cassandra ponderou. É claro que ela errou ao casar com Hush sem conhecê-lo. Ela até tinha quase certeza de que Simple confundiu a mente dela, mas daí para a frente tudo tinha dado certo.
"Não me respondeu." Ele disse se sentando junto dela. Cassie logo se levantou, ela estava com ódio dele.
"Quem diria que chegaríamos ao ponto de eu me aproximar e você se afastar. Eu tive a minha chance, não é? Eu tinha a melhor filha do mundo e não dei valor a isso, agora estamos nessa situação." Ele baixou os olhos.
Cassie olhou para as mãos. Seu pai era um tirano, insensível e tal, mas a amava. Sua noção de amor era totalmente distorcida, mas era amor.
"Pai... Eu quero ficar sozinha. Me deixe sozinha, sabe que não vou fugir, então saia do meu quarto." Ela não faria as coisas mais fáceis, no entanto.
Ele saiu, ela olhou para o andar de baixo. Havia uma árvore alta o suficiente para que ela descesse. Não ia ficar ali, ela fugiria. Mas precisava fazer as coisas direito, não seria idiota de descer pela árvore a toa. Ela sabia que haviam câmeras e um monte de seguranças, tinha de pensar bem em cada detalhe da sua fuga. E ainda teria que convencer Hush a fugir da Reserva também, sem ninguém saber.
Era muita coisa para fazer, ela até se cansou só de imaginar.
Cassie voltou ao quarto e se deitou na cama grande e fria. Isso era o que mais doía, não ter o corpo grande e quente de Hush ali, a envolvendo, a amando.
Cassie relembrou a noite de núpcias, o carinho dele, o prazer que ele despertou no corpo dela. Como ele estaria? A última visão que teve dele foi de Noah e Peter cada um segurando um braço dele, até que Jonathan se jogou sobre ele.
Será que ele estaria com raiva deles? Cassie esperava que não, ele sofreria, ela rezava para que ele não ficasse sozinho. Rezava para que Jewel e Faith, as preferidas dele, o ajudassem nesse período.
Quanto tempo seria necessário até que Adam e Noah fossem salvos? Talvez ela devesse saber direito sobre isso.
Seria um tratamento? Eles teriam que ficar a mercê da cientista, a tal Samantha? Ela olhou em volta, seu celular foi confiscado, e o sinal de internet deveria ter sido desligado. Seu pai taparia todas as brechas, isso era certo.
Seu estômago roncou, ela estava começando a comer mais que estava acostumada na Reserva, a comida tanto de Candid, quanto de Noah era uma delícia. Ela tinha reparado que Hush gostava de legumes, vários deles misturados e muita carne, quase cozida, um pouco firme. Mas os outros comiam sua carne quase crua, só passavam cada lado dos bifes na frigideira e estava pronto. Cassie sentiu sua boca encher d'água.
Um grande bife, só selado dos lados, como ela viu Adam dizer uma vez.
Ela desceu, não ia ficar no quarto com fome.
Na cozinha uma senhora alta e corpulenta comandava duas outras com uma voz enérgica. Ela falava um francês rápido que Cassie não conseguiu acompanhar. Seu francês estava muito enferrujado.
"Com licença? O jantar demora muito?" Já era bem tarde, mas ela não sabia o horário que as pessoas jantavam na França.
"Oi, querida. Você deve estar perguntando pela ceia, não é? A hora do jantar já passou a muito tempo. Sou a madame Gagnon, a propósito." Ela disse com um forte sotaque francês.
"É, o fuso horário, a situação em que vim pra cá, tudo me deixou confusa."
"Sim, seu pai teve uma reunião com todos nós. Disse que não nos encantássemos por seus lindos olhos azuis. Eu não acreditei, agora entendo a que ele se referia. Ele pediu carne, disse que você devia estar só comendo carne onde estava morando, então, fizemos esse assado, é claro que cozinhamos alguns acompanhamentos, espero que você goste. Sabe onde fica a sala de jantar?" Ela perguntou, Cassie sentiu um pequeno chamado a rebeldia e se sentou a mesa.
"Vou comer aqui mesmo. E não precisa me servir." Ela disse se levantando e abrindo a porta do forno. Um ar quente e um cheiro delicioso de carne lhe atingiu.
"Nossa, parece muito bom." Ela olhou em volta, a mulher percebeu e tomou-lhe a frente.
"Me deixe fazer seu prato, então, mademoiselle Turner." Cassie voltou para a mesa, madame Gagnon começou a serví-la. Cassie sorriu para as ajudantes, elas sorriram de volta.
Seu pai, porém, estragou tudo entrando na cozinha.
"O que está fazendo aqui?" Ele perguntou. Madame Gagnon continuou colocando uma generosa fatia de carne no prato de Cassie e isso lhe deu coragem.
"Quero comer aqui, na companhia de Madame Gagnon e de..." Ela olhou para as ajudantes.
"Lizette." Uma disse.
"Louise" a outra a informou. Cassie sorriu para elas.
"E de Lizette e de Louise." Madame colocou o prato a sua frente, Cassie fez uma prece rápida e começou a comer o ignorando. Mas é claro que ele não se daria por vencido e se sentou a mesa também.
"Por mim, tudo bem. Sabe que não sou dessas frescuras. Madame, por favor poderia me servir?" Ela lhe sorriu e pegou outro prato.
Ele se levantou e arrastou uma cadeira para Lizette, outra para Louise, elas se sentaram dando risadinhas e madame Gagnon serviu a todos. Ele comeu enquanto fazia perguntas para as ajudantes, e ainda traduziu para Cassie. A ceia acabou por ser divertida. Seu pai era assim, Cassie odiava admitir, muito simpático quando queria.
Ela se levantou, estava cheia, mas algo a incomodava.
"Algum problema, querida?" Madame Gagnon perguntou.
"Poderia me fazer um favor? Eu estou com muita vontade de comer um bife bem mal passado. Só selado dos lados. A senhora faria pra mim?" Madame Gagnon ligou o fogão, retirou um grande bife da geladeira, o temperou apenas com sal e fez como ela pediu.
Cassie comeu e pediu outro. Só depois dos dois bifes, ela realmente se sentiu satisfeita.
"Nada de sobremesa, não é?" Seu pai disse em francês, Madame Gagnon e as moças riram, Cassie riu também.
Depois, em seu quarto, Cassie sentiu vontade de ir ao escritório, onde com certeza seu pai estaria e pedir desculpas pelos insultos. Ela não era o tipo de pessoa que ofendia os outros e ficava bem com isso, e ele era pai dela.
Estava a sequestrando, mas Cassie não conseguia sentir que se Hush estivesse ali, ela iria querer que seu pai também estivesse. Ela se sentia sozinha em seu apartamento, Cassie se lembrou de Valiant oferecendo para assustar seu pai e com isso o fazer ser mais presente. Ela quase aceitou, sentia falta dele.
Ela e Hush andando por entre as vinhas. Ou melhor, fazendo amor por entre as vinhas. Poderia haver coisa melhor?
Mas não adiantaria nada estar com ele e a morte de Adam e Noah pairando sobre as cabeças deles. Hush entenderia, Hush era inteligente.
Cassie só esperava que ele fosse paciente.

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