Capítulo 18

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Um mês mais tarde, já Saleman vivia no castelo, porém ainda não era sua noiva. O divórcio ainda não tinha sido iniciado. Ele ainda não arranjara a coragem para fazê-lo. E o seu pai já tinha voltado de Portugal e, quando descobrira que Ian se tinha divorciado de Isabel, zangou-se com ele por achar que tal era uma desonra para a família e para o clã, como ele já calculara, porém, no final, disse que até era melhor assim, pois Isabel era inglesa. Mais tarde, o seu pai voltara a viajar, desta vez, para Inglaterra para poder fazer um acordo que protegesse o seu clã e deixara-o novamente sozinho. O seu pai há já muito que não parava mais de um mês em casa, desde que a mãe de Ian morrera.

Ian, exausto, entrou no salão do castelo. Tinha sangue nas mãos, o corpo suado e as botas sujas da lama. Atrás dele entrou um grupo de soldados e pastores desanimados. Todos se olhavam com desconforto das poucas vezes que desviavam a vista do seu quase-chefe furioso.

- Voltaremos amanhã, até termos morto todos os lobos que encontrarmos. - Resmungou Ian.

Parou com as mãos nas ancas e contemplou o salão caótico.

As mesas estavam como as tinham deixado naquela manhã. O salão estava limpo e arrumado. E, apesar da sujidade do seu corpo, ainda podia sentir o cheiro a limpo do salão. Mas faltava alegria no trabalho e na cara das pessoas. Faltava Isabel.

- Perdão, Ian? - Perguntou um dos soldados, com cautela, atrás dele.

Ian deu meia volta e olhou para eles.

- Disse que voltaremos amanhã, bem cedo, até que tenhamos matado todos os lobos que encontrarmos.

- Mas as ovelhas...

- Essa é a razão pela qual o fazemos! - Respondeu Ian, ainda com a imagem das duas ovelhas sem cabeça.

Um lobo era o culpado. Depois, tinha abandonado os corpos mutilados como se fossem o prémio de um conquistador.

- Não deixarei que os lobos destruam o meu rebanho.

- Como queiras, Ian.

Ian viu a desconformidade do soldado e ouviu os murmúrios dos outros homens, mas não lhe importava.

- Saleman! - Gritou. - Onde está a minha comida?

A sua futura noiva apareceu, a torcer nervosamente a saia do seu vestido.

Ian aproximou-se dela e olhou-a com desprezo.

- Porque não está a comida na mesa? É pedir demasiado que me deem de comer depois de um dia inteiro nas colinas? -Inquiriu, zangado e irritado.

- O jantar é sempre às oito. - Disse Saleman, nervosamente, com medo. Ultimamente, ele era muito mau. Cada vez mais estava mais parecido com o seu pai. - São sete horas.

- E não podiam adiantar o jantar? - Inquiriu, mais zangado ainda.

- Tem calma. - Disse ela, levantando as mãos no ar para acalmá-lo.

- Não me digas para ter calma! - Bramiu. Virou-se e empurrou a mesa mais próxima com um tremendo estrondo, o que fez com que Saleman e os outros dessem um salto. - Vou lavar-me. Quando voltar, é melhor que a comida esteja servida ou lamentarás o dia em que nasceste! E amanhã quero a comida servida à hora que eu chegar. Ouviste-me, rameira?!

O termo duro fez com que Saleman ficasse vermelha, mas isso também não lhe importava.

- Muito bem, mexe-te! - Ordenou, ao ver que Saleman continuava a olhá-lo.

Dirigiu-se para as escadas para ir para o seu quarto. Tirou a túnica, atirou-a para cima da cama e ajeitou o seu Kilt, antes de ir lavar-se. A bacia continuava com a mesma água fria e suja.

Pegou no jarro e verteu-o sobre a bacia. Nada! Estava completamente vazio.

Dirigiu-se para a porta e abriu-a.

- Saleman!

Ouviu passos acelerados pelas escadas, enquanto ele regressava à bacia para lavar o sangue das mãos. Ouviu os ofegos dela à porta.

Virou-se e olhou para ela.

- Deveria haver água limpa aqui! E quente!

- Lamento imenso, Ian. - Disse ela, desviando olhar. - Não me ordenaste isso antes de te ires embora esta manhã.

Ian caminhou para ela.

- Tenho de dar-te ordens para tudo? Não é que esperasse uma banheira cheia de água aromatizada, pois não?

Vindo de ti não, mas vindo de Isabel, sim., pensou.

Sem deixar de olhar para o chão e com a cara ruborizada, Saleman abanou a cabeça. Os seus seios subiam e desciam com cada fôlego assustado.

Fora um mês longo, um mês em que Ian tinha vivido como um monge. Não beijara nem uma única vez a sua futura noiva. Tivera muitas saudades de Isabel!

Aproximou-se e agarrou Saleman.

Ela colocou as mãos no seu peito e tentou resistir.

- Ian! - Gritou, enquanto ele a agarrava.

- Deseja-lo. - Resmungou ele e disse a si mesmo que, na verdade, o que via nos seus olhos era só surpresa. - Desejas-me.

- Não, Ian. Já não te desejo! - Gritou ela, tentando libertar-se. - Tu és um idiota cruel!

Quando se inclinou para a beijar, ela virou a cabeça e contorceu-se entre os seus braços. Não havia dúvida que, se a possuísse então, seria contra a vontade dela.

Com um gemido selvagem empurrou-a para longe dele.

- Vai-te embora! - Gritou, num resmungo.

Saleman afastou-se a chorar.

O que acabava de acontecer? O que se passava com ele desde que Isabel se fora embora?

Convertera-se num ogre, num futuro chefe para o qual o seu clã o olhava não com afeto, nem sequer respeito, mas com medo e angústia.

Estava a converter-se num monstro, numa criatura amargurada e furiosa que pensava em si mesma.

Apoiou as mãos no lavatório e baixou a cabeça. Estava a converter-se num monstro porque tinha perdido Isabel.

E tinha-se perdido a si mesmo. Estava desesperadamente só e perdido, como nunca.

Como estaria sempre, a não ser que conseguisse recuperá-la. Amava-a!

Amava Isabel. E só se dera conta do quanto a amava, naquele momento.

Talvez já fosse demasiado tarde. E, se ela já o tivesse rejeitado por completo?

O que ia fazer? O que podia fazer?

Aproximou-se da janela e olhou para o céu escuro.

As nuvens de tempestade acumulavam-se sobre as colinas e podia ver os relâmpagos ao longe.

Só um tonto se aventuraria com aquele tempo e de noite. Só um homem sem orgulho se humilharia diante de uma mulher e lhe rogaria perdão.

Ou talvez só um homem desesperado por recuperar o amor que egoistamente tinha desprezado o faria.

Casados temporariamenteOnde histórias criam vida. Descubra agora