28 - É difícil. Sempre vai ser.

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[08 de Junho de 1985]

Dandara colocou a ração de Beatles em um potinho, o acariciou e pegou as chaves de cima da mesa.

Ainda era cedo, Celine dormia e ela não iria a acordar. Eram raras às vezes que Celine conseguia dormir bem. Dandara apanhou sua bicicleta e começou a pedalar.

Durante o percurso, não conseguia parar de pensar em seu futuro, aquele que ela nunca teve, aquele que a cientista havia impedido. Não pensava muito naquilo, mas naquela manhã, o pensamento pareceu grudar em sua cabeça. Se lembrava das raras vezes que sua mãe estava sóbria e as duas tinham algum tipo de momento mãe e filha, aquele pensamento doía. Dandara havia perdoado a mãe tantas vezes, por todas as palavras que ela havia dito, ou coisas que ela havia roubado ou feito. Mas nunca perdoaria por aquilo que ela cometeu naquela linha do tempo desconhecida por Dandara. Imaginava o que ela deveria estar fazendo no futuro, ou melhor, o que ainda faria. Se preocuparia? Notaria o sumiço da filha? Dandara mal se importava, estava criando uma vida naquela época, uma vida que nunca havia tido antes.

Parou a bicicleta no muro vizinho a casa de praia.

Pegou um envelope e o colocou na caixa de correspondência daquela casa. Dandara havia colocado notas naquele envelope, devolvendo assim o dinheiro que conseguira enganando aquela senhora com alguns centavos. Colocou um dinheiro extra também, era o justo. Agora que estava trabalhando na discoteca e remendando algumas roupas das mulheres do bairro, estava conseguindo algum dinheiro.

Pegou a bicicleta novamente e voltou a pedalar. Ficou encantada ao ver as decorações de festa junina em uma das ruas que passou e fez um sorriso, voltando a ter alguma animação. Quando voltou ao apartamento, Celine já estava levantada.

— Onde estava?

— Precisei resolver umas coisas. A rua está toda decorada, você viu?

— Vi ontem, quando voltava da lanchonete.

— Hoje tem festa. Deveríamos ir.

— Não sou chegada nessas festas. Não quero ir.

Dandara se aproximou de Celine. Envolveu seus braços na cintura da loira, e a puxou para perto. Celine foi pega de surpresa pelo gesto, mas fez um sorriso.

— Podemos dançar juntinhas, comer pipoca, se divertir. – Dandara dizia, seu rosto tão perto do de Celine.

Celine roubou um selinho de Dandara.

— Sei que vou me arrepender, mas tudo bem, vou com você.

— Isso! – Dandara comemorou. Saiu correndo para o quarto e quando voltou, estava segurando dois vestidos de festa junina. – Havia feito esses dois para a gente.

— Você já estava planejando isso há um tempo, não é? – Dandara assentiu com um sorriso travesso e Celine soltou uma risada.

***

Dandara não pensou que um algum dia veria Celine em um vestido de quadrilha, mas lá estava ela, com os cabelos amarrados em chiquinha e o vestido colorido e bonito feito pela futurista.

Dandara já estava vestida no seu. Eram tão bonitos. Ela havia feito tranças em seus cabelos cacheados, que haviam crescido durante os últimos tempos.

— Venha. – Ela puxou Celine pelo braço. – Vou te maquiar, vai ficar uma gracinha.

Celine sorriu e se sentou na cama. Dandara pegou as paletas de maquiagem de Celine. Começou fazendo a sombra, depois as bochechas, seu rosto tão perto do da loira, ela estava tão bonita, era tão bonita. Dandara não resistiu e a beijou, Celine retribuiu o beijo com intensidade, mas se afastou levemente, depois de um tempo.

— Irá borrar minha maquiagem.

— Por isso ainda não passei seu batom. – Celine sorriu e as duas voltaram a se beijar.

***

Era noite quando desceram para a rua. As pessoas andavam para lá e para cá. Barracas com comidas típicas estavam em todo o canto. Dandara quis brincar na pescaria e arriscar a sorte de ganhar um brinde legal. Celine comprou algo para comer.

Aquele não era bem o ambiente que a loira costumava frequentar, mas Dandara estava se divertindo. Se lembrou de uma conversa que havia tido com ela em 2021, na outra linha do tempo. Dandara havia dito que sentia muita falta das festas, principalmente as juninas. Ela não gostava de não ter lugar para onde ir, sentia falta de ver pessoas, conhecer lugares, se misturar entre tanta bagunça. Se sentia triste toda vez que via a praia vazia.

Celine a olhou. Estava feliz naquela bagunça dos anos oitenta.

Uma dona anunciou que a quadrilha iria começar.

— Formem seus pares!

Dandara correu ao encontro de Celine e a agarrou pelo braço, entrando na fila da quadrilha. Dandara estava toda sorridente, então Celine sorriu também.

A dona apareceu logo depois, com um sorriso não genuíno. As olhou e disse:

— Oh, garotas, vocês não entenderam, é para fazerem pares. Que tal com aqueles gentis rapazes? – Ela apontou para dois moços que pareciam as olharem fixamente. – Eles não têm par ainda, poderiam se juntar a eles.

O sorriso de Celine se murchou completamente. Teve a vontade de xingar a mulher com palavrões, mas apenas saiu para longe dali.

Dandara correu atrás da namorada.

— Celine! Me espera!

Dandara a alcançou. Celine estava com a maquiagem borrada, chorava.

— Eu odeio tanto aqui. Eu odeio essa época de merda. Eu odeio aquela mulher. – Fungou o nariz. – Eu queria tanto... Queria que nada daquilo tivesse acontecido, queria nunca ter te visto morrer, queria ter uma vida com você lá, queria que não fosse preciso te trazer para cá...

Dandara a olhou com seus olhos de jabuticaba lacrimejando. Nunca tinha visto Celine chorar tanto por aquilo.

— Não fale assim. Olhe para mim. – Dandara pediu para Celine que estava com a cabeça baixa. – Olhe para mim. – Ela olhou. – Se tem algo que você pode tirar disso tudo é que você é a pessoa mais incrível que existe. Porque além de ter este cérebro inteligente, você me fez apaixonar por você duas vezes. Caramba, Celine eu te amo tanto, você fez isso comigo, me encheu de chocolate, passeios, afeto. E você é tão forte, tão forte mas tão boba por não ter chorado sobre isso antes. – Dandara começou a chorar junto de Celine. – Sempre vai ser difícil para gente, não só pelos preconceitos diários, mas também porque eu gosto mais daqui e você gosta mais de lá, vai ser difícil porque somos duas garotas cheias de traumas, porque já vimos coisas demais, já sentimos coisas demais. Vai ser difícil – Soluçou. – Porque estamos numa constante luta contra nossos fantasmas.

As duas choravam. Dandara suspirou então limpou suas lágrimas.

— Mas se tudo der certo, vamos ter a chance de viver em ambas as épocas. Mas enquanto a gente não chega lá, eu sei exatamente o que vai te fazer bem. Você está com seus relógios aí? – Celine assentiu. Dandara então os pegou, colocou um no pulso de Celine e um no seu próprio. — Eu ainda lembro a data porque fiz um trabalho sobre e aquilo grudou na minha cabeça. – Ela dizia enquanto digitava a data e o local nos relógios.

— Para quando a gente vai? – Celine perguntou, agora não mais chorando. Dandara fez um meio sorriso, era ela quem costumava fazer aquela pergunta.

Celine olhou o relógio e leu a data e o local.

São Paulo. 28 de Junho de 1997. 

🌼🌼🌼

Estamos na reta final aa 🤧

Espero que tenham gostado do capítulo. Não se esqueçam de me dizerem o que acharam e suas expectativas para os próximos caps :3

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