[10 de Junho de 1985]
Agora os retratos estavam espalhados em todos os cantos, na casa ou no apartamento Celine havia decorado com as fotos de família que por muito tempo estavam guardadas à sete chaves. Pegou um pirulito de morango do pote e saiu de casa, rumo a lanchonete.
Chegou mais cedo do que de costume, queria organizar umas coisas e, tudo dando certo, sairia mais cedo para chegar a tempo de ver o show de Dan.
Colocou a chave na fechadura e abriu a porta. Mudou a placa de fechado para aberto do estabelecimento e, adentrando o local, acabou flagrando Beatrice e João aos beijos. Ela danou-se a rir.
Beatrice ruborizou, estava vermelha como um tomate. Teve vontade de esconder sua cara no chão, mas ao invés disso, saiu rumo a cozinha, enquanto a cientista continuava a rir.
Celine deixou sua bolsa sobre o balcão e caminhou até João que ajeitava seu cabelo para trás com as mãos.
— Então...vocês estão sérios já?
Ele fez um sorriso jocoso.
— Se dependesse só de mim... mas Beatrice ainda não quer dizer com todas as palavras que estamos namorando.
— Ela só está com medo. Teve muitos caras idiotas na vida dela. Não seja um deles, está bem? Se não, eu vou atrás de você para destruir esta carinha bonita.
Ele riu.
— Desde quando você e a Beatrice se tornaram amigas deste jeito?
— Eu? Amiga da Beatrice? Nem morta. – Celine negou, em provocação. Porém, no fundo, considerava Beatrice como uma amiga, das poucas que tinha. – Só não destrua o coraçãozinho dela, ok?
— E ela pode destruir o meu?
— Ela tem esta cara de vilã, mas nunca destruiria seu coraçãozinho frágil. Não se preocupe, João. – Celine afirmou, dando dois tapinhas em seu ombro, e caminhando para a cozinha. Tinha muito o que fazer.
***
Daniel estava elegante como sempre. Era a estrela daquele show, cantando músicas pop com sua voz afinada e bonita. Aquele era o último show dele, faria uma pausa e voltaria a cantar apenas no final do ano.
Dandara não pôde ir, estava atolada de trabalho nas últimas semanas, e no momento que o show finalizava, ela estava na discoteca, trabalhando exaustivamente.
Celine se levantou e bateu palmas. O show havia se encerrado. Pegou a bolsa que havia deixado sobre a mesa e foi para o camarim.
— Qual a sensação? – Ela perguntou para ele.
— Felicidade e nervosismo. O show foi bom, acredito que encerrei bem esta etapa.
— Foi mesmo. – Celine concordou.
— Agora tenho muitas outras coisas para me preocupar. – Celine pegou uma das cadeiras do camarim e se sentou ao lado dele. – Meu padrasto convenceu minha mãe a parar de trabalhar. Agora nem o pouco que ela ganhava como faxineira ela vai ter. Ele está tirando cada vez mais a independência dela. Minha vontade é de voar no pescoço dele e tirar ele daquela casa. – Ele suspirou. – Preciso passar um tempo com minha mãe.
— Ela vai largar ele um dia, pode até demorar, mas ela vai perceber quem ele é e ela vai o largar. – Celine afirmou, tinha tanta convicção em sua voz, como se realmente soubesse daquilo que ele acreditou, e de fato sabia, Dan mesmo havia a contado, no futuro.
— Espero que esteja certa.
— Estou certa.
Eles ficaram em silêncio.
— Hoje eu não fui no cemitério. – Dan começou. – Você sabe que eu vou lá nesse dia, mas hoje não fui.
— Eu abri as fotos dos meus pais e coloquei elas espalhadas pela casa. Não estão mais guardadas.
— É... Acho que muito tempo se passou. Talvez estejamos de fato, começando a andar para frente.
— Eu penso que tinha medo de olhar aquelas fotos, medo de lembrar de tudo, lembrar de todos os momentos bons e de todos os arrependimentos, mas a questão era que eu nem precisava daquelas fotos para me lembrar, eu já fazia isso sem elas. Ainda sinto saudades, ainda sinto falta, mas está doendo um pouco menos aqui dentro.
— E eu tentava me aproximar dele, meu pai, mas ele já se foi. Ele não vai voltar para me abraçar, ou para ver meus shows. Ele não vai voltar, mas... desde que ele esteja em paz em algum lugar, eu farei o meu melhor aqui nesta terra para que ele se orgulhe e continue nessa paz.
Celine segurou a mão de seu amigo.
— Sabe, Celine, eu gostaria de ter te conhecido bem antes, quando éramos crianças ainda. Eu não teria deixado você ficar sozinha na escola, teria sido sua companhia e você a minha, teria te confortado em todos os maus momentos, e você teria me ensinado coisas sobre álgebra ou física... – Celine soltou um riso. – Não teríamos nos conhecidos no luto, mas tudo bem, porque agora não estamos sozinhos, e sinceramente, o que importa, no fim, é o agora.
As palavras do amigo ficaram na sua cabeça enquanto ela caminhava devagar pelas ruas escuras. O barulho das ondas já dava para ser ouvido de lá, e quando olhou em volta, Celine reparou que estava no que um dia viria a ser o bairro de Dandara, aquele em que ela a conheceu, aquele onde a futurista cresceu. Não ousou pensar nas lembranças que aquele lugar a trazia, e talvez, andando na calçada, observando os barulhos, com apenas luzes precárias vindo dos postes a iluminar, talvez aquilo fosse a sensação mais próxima de paz que ela sentiu, desde que havia voltado.
Acabou parando na praia, se lembrou do que Dandara costumava fazer, aquilo de imaginar seus problemas indo embora com o mar, Celine imaginou todos eles indo embora, e acreditou naquilo. E quando viu ela, sentada sozinha na areia, num canto da praia, sentiu que o mar realmente havia levado seus problemas, e trazido para ela, uma sereia de nome Dandara.
Ela caminhou até a garota de cabelos cacheados. Sentou-se ao lado dela. Dandara olhou para Celine.
— Como sabia que eu estava aqui?
— Eu não sabia, o mar me contou. – Celine respondeu, escorando a cabeça no ombro da garota que sorriu.
— Vim aqui, porque queria pensar. Você se lembra daquilo que um dia eu já te disse, de imaginar os problemas indo embora com a correnteza e as ondas?
— Irá acreditar se eu disser que estava pensando nisso agora?
— Acredito. É que hoje eu não imaginei meus problemas indo embora quando eu olhava as ondas. Eu não imaginei nada. Eu só olhei as ondas, e sabe, eu amo as ondas.
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80 Chances Para Te Reconquistar
Science-Fiction"Dandara havia se cansado de estar acostumada com a monotonia de seus dias, os mesmos acontecimentos, problemas, dramas se repetindo toda vez que o sol começava a surgir. Então quando uma jovem loira e misteriosa a levou de volta ao passado, dizendo...