Capítulo 2

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Dias atuais:

Descobrir a morte do meu pai despertou algo em mim, um gatilho. Quem diria que eu poderia sofrer tanto com palavras que foram ditas há dois anos? Por que a dor nos acompanha por mais tempo que a alegria? Eu realmente não queria estar revivendo isso agora. Porém, os ricos não podem controlar tudo.

Após tanta insistência, Thayla conseguiu me trazer de volta para o Rio de Janeiro, só para o funeral do meu pai. É estranho estar aqui novamente. Tantas alegrias; tantas dores... Um combo de emoções que me fazem bem e mal ao mesmo tempo.

Quanto mais eu me aproximo do hotel em que eu vou me hospedar, mais a minha vontade de fugir daqui aumenta. Por que eu fui sair de casa para esse teatro de horrores mesmo?

Me estabeleci no meu quarto de hotel e fiquei sentado na cama, sem saber o que fazer. Acho que estou prestes a ter um ataque de pânico. O que eu estou fazendo aqui?

Ok! Levanta, Pietro. Você é mais forte que isso. Tento me encorajar. Nunca dá certo. Mas agora eu estou de pé e pronto para esse funeral.

Ainda bem que está frio aqui no Rio de Janeiro, pois ai eu posso usar o meu casaco moletom branco e a calça da mesma cor. Peço um carro de aplicativo e estou pronto. Quanto mais rápido eu encarar isso, mais cedo eu posso voltar para casa.

No percurso até Nova Iguaçu, onde será o enterro, me dava vontade de vomitar; de pular do carro; de chorar e de mudar de ideia. Nada supera a pedra que está entalada em minha garganta. Bebo bastante água e nada funciona. Isso só vai passar quando tudo acabar.

Chego em frente a Funerária e logo vejo uma de minhas tias. Continuo olhando para frente, para fingir que não a vi. Meu coração começa a errar as batidas e minha respiração está anormal. Sigo em frente, independente de tudo.

A cada passo eu vou ficando mais fraco e parece que eu posso cair no chão a qualquer segundo.
Chego na sala em que está o caixão do meu pai. Ao lado dele está a minha irmã, Pandora. Ela está chorando, encarando-o e faz carinho em sua testa. Começo a me aproximar, cada vez mais devagar e sou interrompido.

– Pensei que você não viesse! – diz meu irmão, Pierre. – Quanto tempo! – me deu um abraço e eu não retribuo.
– Não precisava ser assim. Mas você tem esse cabeção todo e mesmo assim consegue ter essa mente fechada! – digo seco e finalmente libero o que eu tinha para liberar.
–Você não mudou nada! – negou com a cabeça – Que Deus lhe abençoe!
– Creio que ele não esteja afim. – quebro o contato visual – Agora, saí da frente!

Meu Deus, o que eu estou fazendo?
Após a merda que deu, Pierre foi um dos que ficou contra mim e disse que eu estava errado. Que eu não estava fazendo as vontades de Deus e que eu era um pecador. Doí lembrar dos momentos em que ele falava "Te amo" ou "Nós somos irmãos, somos nós acima de todos" ou "Vou te proteger pra sempre. Tamo junto!"
O que aconteceu com o meu irmão que jurou sempre estar ao meu lado? Só por que eu não sigo o Deus dele eu sou descartável? O que o Deus dele pensa em relação a isso?
Não importa.

 Segui até a sala e tem mais gente aqui do que minha irmã. Todos os tios por parte de pai estão aqui e alguns primos também. Alguns amigos do meu pai e eu. Continuo seguindo em frente, ignorando todos ao redor. Me aproximo de meu pai deitado em seu caixão com a minha irmã ao lado, ainda chorando.

– Olha aonde nós chegamos! – digo olhando para ele.
– Isso não é o momento apropriado! – Pandora diz com voz de choro.
– Quando que você vai parar com o teatro? – ela me encara – O que estamos fingindo? Que você se importa com alguém além de você mesma? – ri e balancei a cabeça – Patético, Pan, sério?
– Por que você voltou? – seu tom mudou. Agora ela está com nojo de mim.
– Eu me pergunto o mesmo – dou de ombros – Apodreça no inferno! – digo encarando–o e viro para sair daqui.

Passo por todos que estavam chorando e não dou à mínima. Não paro para falar com ninguém e nem mesmo faço contato visual. Ando um pouco mais rápido para chegar à calçada e assim que chego, finalmente consigo respirar. Não consigo acreditar no que acabei de fazer e não entendo o motivo de ter feito. Foi libertador e não foi ao mesmo tempo. É o meu pai. Estamos no velório dele e a ultima coisa que eu falei para ele foi "Apodreça no inferno!". Eu pensei que seria eu que quebraria a roda de ódio, mas acho que só sobrou isso dentro de mim.

Me apoio no poste e começo a chorar, do nada me deu essa vontade. Deixo tudo sair na esperança de que tudo vá melhorar. Mesmo sabendo que não vai melhorar.

– Oi! – abriu a porta com um largo sorriso no rosto – não esperava te ver por aqui. – me abraçou
– Eae, como que foi?
– Péssimo!
– Vamos conversar enquanto eu tomo meu café? – assenti e eu entrei.

Thayla foi à pessoa que eu mais confiei no passado e continuo confiando. Ela é um baú, eu sei que posso contar meus segredos para ela que eles vão ficar bem guardados. Além disso, ela é fria. Se tem algum sentimento por algo ou por alguém, não demostra muito. Por mais que viva abraçando os outros e dizendo que ama. Eu sei que ela faz isso por costume.
Caminhamos até a cozinha e eu fui observando sua casa. A última vez que a visitei, ela morava com a mãe, seus dois irmãos e o marido.

A escritora famosa Monique Tajuma se mudou com os dois filhos e a Thayla comprou essa casa, que eles vivam de aluguel. Thayla também é uma ótima escritora e tem fãs por isso; mas não tão famosa como a mãe que foi um estouro com a sua saga de livros (que eu não li), culpado!

– O infeliz está em casa? – pergunto.
– Se você está perguntando sobre o João, não, está trabalhando! – respiro, aliviado.
– É a monstrinho?
– Sua afilhada? – olhou para trás e me encarou, eu assenti – Está na escola.
– Melhor assim!

Eu e João, marido de Thayla nunca demos certo. Bom, tínhamos lá os nossos dias de paz, mas desde o dia em que nos conhecemos o santo não bateu. O que foi péssimo, pois eu vivia na casa da Thayla e tínhamos que aturar um ao outro. Ele era doido para me expulsar, porém, nunca pode por a casa não ser dele. E se tivesse expulsado, ele estaria se condenando ao fracasso. Pois adivinha quem conseguiu um emprego para o infeliz na empresa de minha mãe? Isso mesmo, eu. Por mais que eu fosse uma pessoa ruim, eu sempre tive humanidade.
Chegamos na cozinha e eu sento em uma cadeira enquanto ela preparava o seu famoso café que eu odeio.

– Eae, está gostando de São Francisco? – perguntou sorridente – É tudo o que você imaginou?
– Melhor! – menti – Nunca me senti tão em casa como em São Francisco.
– Ah, fico feliz por você. – sorriu de lado – Depois de tudo pelo que você passou, merece felicidade.
– Concordo! – sorri fraco.
– Já foi visitar a Stefanie? Ou outro alguém? – se aproximou de mim com sua xícara de café e sentou–se a minha frente.
– Não! – neguei – Fui apenas na Casa Funerária e após direto para cá. – silêncio – Eu não devia ter vindo.
– Devia sim! – colocou sua mão em meus braços – Sentimos sua falta.
– Você e quantas personalidades suas? – ela riu.
– Provavelmente você não sabe – silencio – quer dizer, obviamente você não sabe. Mas sabe aquela situação que te fez ir embora? – assenti – se consolidou. Aqueles dois...
– Eles ainda estão juntos? – ela assentiu – Bom pra eles!

Ela deixou a tensão no ar e ficou quieta.
Em se consolidar é quis dizer que eles vão se casar. Será?
Eu deveria roubar um pouco do egoísmo da Pandora ou eu os deixo serem felizes para sempre? Digo, isso nem é uma pergunta. Obvio que eu não vou deixar eles serem felizes para sempre.
Que puta ódio que eu estou sentindo agora. 

PIETROOnde histórias criam vida. Descubra agora