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Acordo e ficou imóvel por horas, encarando a parede. Como se não bastasse a ressaca aparecer hoje, eu estou me sentindo um lixo. Quantas pessoas vão me machucar em um curto período de tempo? Quantas vezes o Henry vai ser capaz de me magoar? Quantas vezes eu vou ter que passar pano para ele e fingir que está tudo bem, apenas pelo fato de eu gostar dele e da companhia dele? Eu seria capaz de me machucar até não sobrar nada de mim? Porra, esses pensamentos estão tirando o pior de mim. E o pior é que eu não posso fechar os olhos para voltar a dormir, pois eu volto a cena com o meu "pai"; a discussão com a minha mãe; as mensagens do Gustavo e a cena do beijo de ontem.

Alguém se mexe na cama e encosta em meu braço, tremo por inteiro até perceber que é a mão do Henry. Pera ai, onde estamos? Eu sei que definitivamente não estamos em casa e nem na casa do Henry, pois eu não conheço o quarto e nem a decoração.
Henry começa a acariciar meu braço e essa foi a motivação que eu precisava para levantar, o ódio.

Levanto um pouco tonto e abaixo para pegar o meu tênis. Começo a andar pelo quarto apenas de meia. Abro a porta que faz um barulho estrondoso e acaba acordando o Henry, nós nos encaramos e ele senta na cama.

– Onde você está indo? – pergunta pegando seu celular, provavelmente para checar o horário – Está muito cedo. Volta para cama e vamos dormir.
– Vai se foder! – as palavras sobem cortando minha garganta como canivetes – Você acha que eu sou idiota? Um prêmio de consolação ou algo do tipo?
– Do que você está falando? – ri de nervoso.
– Do que eu estou falando? – aumentei um pouco meu tom de voz – Você acha que eu não vi você beijando sua ex ontem no meio da festa?
– Eu estava muito bêbado...
– Não coloque culpa na bebida! – o cortei – Eu estava fora desse planeta e nem por causa disso fiz merda.
– Desculpa! – diz um pouco baixo.
– Desculpa? – neguei – O que eu te fiz? – silêncio – Desde o começo eu queria ser tudo pra você e fazer tudo por você. Aonde foi que eu errei? Confiança demais? Você achou que me tinha na palma de suas mãos? – silêncio – Em? Eu destruí minha vida para poder ficar com você. Meu pai não fala mais comigo; minha mãe acha que eu estou possuído por um demônio e você volta para a puta que te traiu? – grito.

– Não é culpa sua! – ainda diz com um tom baixo e suave – O problema tá em mim. No meu passado, quando...
– Foda-se a porra do seu passado! – o corto – O problema não está no seu eu do passado, está aqui e agora. Está nessa personalidade de merda que você tem e nessa sua oscilação. – respiro fundo – Já perdi muito tempo aqui.

Abro mais a porta para que eu possa passar e ele levanta rapidamente, fechando–a. Eu o encaro e ele me pressiona pela porta. Logo nossos narizes estão encostados e ele começa a chorar. Me seguro para não demonstrar nenhum sentimento, pois a partir de agora eu não volto mais atrás. Ele me beija e eu apenas sigo o ritmo – acho que por costume – mas dessa vez eu não sinto nada. Assim que se afastou, deitou sua cabeça em meu ombro e continua chorando.

– Tem algo de errado comigo! – diz fungando – Por favor, não vá embora!
– Todos nós temos problemas, aprenda a lidar com os seus! – digo segurando a minha voz de choro, pois o que eu mais quero fazer agora é chorar – Eu tenho que ir, antes que seja tarde demais para mim! – o afastei – Se cuida! – digo abrindo a porta e a fecho encarando–o com a cara vermelha de tanto chorar.

Vou para o carro e assim que bati a porta pensei que as lágrimas rolariam, mas não. Eu apenas fico parado por alguns minutos até dar partida.

– Eae, Pietro! – assim que entro em casa dou de cara com o meu irmão, Pierre – Você está namorando com um garoto?
– Agora não, Pierre! – digo passando direto.
– Eu só quero conversar com você, não posso? – pergunta de um jeito calmo.
– O que você vai dizer? – pergunto virando-me para ele – Que eu não sou mais seu irmão? Que isso é errado? Abominação aos olhos de Deus e que eu estou possuído pelo demônio? – pergunto rapidamente – Você chegou um pouquinho atrasado. Agora, me deixe em paz!
– É claro que você é meu irmão! – arqueei a sobrancelha – E sim, é errado. Mas está tudo bem. Deus manda amar o próximo e não o seu pecado.
– Me deixa em paz! – digo.

Vou direto para o meu quarto e tranco a porta assim que entro.
Me jogo na cama e tudo o que eu mais quero fazer é gritar até perder a voz. Porém, tenho que trabalhar nessa porra de alto controle... Quem eu quero enganar?
Pego um travesseiro, coloco em meu rosto e começo a gritar.
Estou tão cansado de discutir e de me magoar, que não estou mais aguentando.
Após terminar de gritar eu viro de barriga para cima e fico observando o teto. Eu vou passar mais uma semana deprimido dentro do quarto ou eu posso fazer algo diferente? Será que eu ainda tenho força para fazer algo? Devo continuar aqui e ouvir baboseiras o tempo todo ou está na hora de me tornar independente? Mas com que dinheiro? Grito mais uma vez.
Ok! Foda–se!
Levanto da cama e começo a arrumar minhas malas enquanto compro uma passagem aérea pelo notebook para o próximo horário disponível.
Alguém bate na porta. Pandora não demora muito para se identificar e eu a abro.

– Alguém aqui chamou um exorcista? – entrou rindo.
– Ha ha ha, engraçadinha! – reviro os olhos.
– O que você está fazendo? – olha para as três malas espalhadas pelo quarto.
– Estou indo embora.
– O quê? – arregalou os olhos e abriu a boca – Como? Com que dinheiro?
– Então, pensei em pegar emprestado com você até que eu arrume algo fixo em algum lugar. – ela ri.
– Você nunca quis trabalhar, Pietro, e oportunidade foi o que não faltou... – senta na minha cama – Agora você quer um empréstimo do meu dinheiro que eu suei para ganhar? – riu novamente.

– Vai emprestar ou não? – pergunto sério.
– Não! – negou – Você não tem condições de devolver dinheiro algum.
– Ok! – assenti – Tentei ser legal. Não consegui? – pego meu celular e entrego para ela – Então esse sou eu sendo um filho da puta – observo ela ficar paralisada no conteúdo.
– Como que você...
– Agora eu não quero empréstimo. – a interrompo – Você vai me mandar todo mês dinheiro suficiente para eu sobreviver. Ou então, diga adeus para a sua reputação e...
– Ok! – diz em um tom grave – Boa sorte na sua aventura. Espero que você morra! – diz levantando da cama e saindo do quarto.
– Eu também! – digo.

7 meses depois:

Chego em frente ao meu novo prédio em Curitiba e não se parece nada com um lugar que eu possa chamar de "casa". Mas, ok! É bem melhor do que São Francisco e isso já é ótimo para mim. Falando em São Francisco, ainda não decidi se sou grato ou não aquela cidade. Acho que lá foi o lugar em que eu aprendi que eu não mereço um recomeço e talvez seja por isso que eu queira esquecer toda a experiência que tive lá. Pensando nisso, nada de criar expectativas aqui.
Vou caminhando até a entrada do prédio tentando ministrar três malas grandes sozinho, o que é impossível.

– Você quer ajuda? – escuto uma voz masculina e logo me viro em busca dessa ajuda.
– Aceito. – digo seco.
Ele pega duas de minhas malas e vai carregando na minha frente. Quando chego dentro do prédio, o elevador já estava no andar térreo e nós dois entramos.
– Qual o andar? – perguntou.
– Sete!
– O mesmo que o meu. – deu um sorriso de lado e apertou o botão de número sete. – Você é novo na cidade? – assenti – Legal! – agora quem assentiu foi ele – Se quiser sair para curtir ou algo assim, só colar comigo.
– Pode deixar! – digo sem vontade nenhuma.

Chegamos ao andar de número sete e ele permite que eu saia primeiro que ele. Vou andando até o apartamento de número 38 e assim que paramos, eu abro a porta e ele me ajuda a entrar.

– Bom, entregues! – coçou a cabeça – Se precisar de alguma coisa o meu nome é Heitor e eu moro aqui no apartamento da frente! – sorriu.
– Agradeço! – aperto sua mão.
– E seu nome é? – pergunta sem soltar minha mão.
– Pietro! – respondo puxando minha mão.
– Prazer em te conhecer, Pietro! – sorriu – Até mais! – saiu fechando a porta.

Ando pelo apartamento vazio que agora terei que chamar de casa e não sinto boas vibrações vindo daqui, na verdade, não sinto nada. Volto para onde havia deixado minha mochila e abro. Pego um objeto que agora – querendo ou não – faz parte de mim. Vou até o banheiro e deito na banheira, sem pensar se ela está limpa ou não. Tiro o gilete da caixinha, levanto a manga do meu moletom e... 

PIETROOnde histórias criam vida. Descubra agora