Capítulo 5

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Dias atuais:

Após eu declarar alta, nós saímos do hospital. Do tempo em que eu fiquei preso lá dentro para agora, começou a chover. Paramos em frente à entrada que é coberta e as meninas se encaram.

– O que estamos esperando? – pergunto impaciente.
– Você veio com o seu carro? – Thayla perguntou para Ste.
– Não! – negou – Uber.
– Porra! Você veio até Nova Iguaçu de uber? – arregalou os olhos.
– Eu sabia que você estava com o seu. Ia vir com o meu pra quê?
– Tá! – ela assentiu – Não quer ir lá buscar não? – Ste olhou para cima, observou a chuva caindo.
– O carro é seu, vai você! – coloco a mão na cintura, esperando o desenrolar da história.
– Eu fiz o cabelo hoje! – Ste balançou a cabeça no sentido de que não liga para essa besteira.
– Boa sorte!
– Tu é muito...
– Puta que me pariu em! – me intrometo – Me da essa chave aqui! – pego de sua mão.
– É um Creta branco! – ela grita quando estou distante das duas.

Não demorou muito para eu estar encharcado e sem sinal do carro dela. Começo a apertar o botão até que um carro apita; Creta branco. Entro rapidamente e vou buscá-las.

– Você vai dirigindo? – Thayla perguntou antes de entrar no carro.
– Sim! – assenti.
Thayla entrou na frente e Ste atrás. As duas colocaram o cinto de segurança e eu dei partida.
– Para onde? – pergunto.
– Sua casa! – Ste diz.

Eu freio bruscamente e nós três voamos para frente. Não demorou muito para as duas estarem reclamando e questionando se de fato eu deveria assumir o volante. Mas eu não estou dando atenção a nenhuma das duas, minha mente frisou no "Sua casa!". Eu já deixei de considerar aquele lugar a minha casa por muito tempo. Como que eu posso voltar pra lá como se nada tivesse acontecido? Encarar a minha mãe, que com certeza não mudou sua "opinião sobre mim", encarar a Pandora e o Pierre, que tem o mesmo pensamento que minha mãe. Eu não vou voltar pra lá e nem quero.

– Não quero! – digo negando e com o carro ainda parado no acostamento.
– Quer saber? – Ste se pronuncia – Eu dirijo daqui em diante.

Nós trocamos de lugar no carro e eu vou para trás. Coloco o cinto e a Ste se arruma antes de dar a partida. Ficou um silêncio durante uns vinte minutos e eu comecei a gostar disso. Olho pela janela, a paisagem da Via Light – que eu já cansei de ver – me da um gatilho enorme; queria voltar a ser criança, era tudo tão mais fácil.

– Sua mãe não está em casa! – Thayla diz acabando com o silêncio – Nós não faríamos isso com você. E para completar, nós nem gostamos da sua mãe.
– Fale por você, minha filha!
– Cara, depois de tudo que aconteceu você ainda gosta dela? – Thayla pergunta olhando para o lado, encarando Ste.
– Ela é uma segunda mãe para mim.
– Mas aí de nós se continuássemos gostando do Junior, não é? – digo ainda encarando a vista.

Junior foi o ex da Stefanie, cujo ela teve uma filha; Lua. O relacionamento deles era tão ruim quanto o da Thayla e João. Todo dia uma luta diferente e raramente víamos picos de felicidade e amor. E tudo ia de mal a pior, até o dia em que o Junior deu em cima da Pandora no aniversário da filha dele. O caos se instalou, mas pelo menos a Ste mandou o Junior para fora de casa. Ela merece um troféu por isso? Não. Pois várias vezes que o Junior ia pegar a filha para passar um tempo na casa dele ou quando entregava a criança, Ste e Junior se pegavam. Sinceramente, eu não sei o que se passa na cabeça desse povo. Mas enfim, eles que sigam com a vida deles.

– A Thayla voltou para o João. Disso você não fala! – disse me encarando pelo retrovisor interno.
– Todo mundo sabe que eu não gosto daquele merda! – Ste ri.
– Você não mudou nada! – negou.
– Nadinha! – Thayla concorda.
– Tem uma surpresa pra você lá na sua casa – não estou no clima para surpresas, então fico quieto – e nós temos tanto o que fofocar.
– Temos mesmo! – diz Thayla entusiasmada.
– Nossa, estou morrendo de ansiedade! – digo sério.
– Sem graça! – Ste diz e eu reviro os olhos.

Chegamos na portaria do condomínio e eu não reconheço o porteiro. Ele permitiu a nossa entrada e antes de chegar a minha casa eu fico reparando no condomínio e como nada havia mudado. Na verdade, o que eu esperava? Só se passaram dois anos.

Stefanie estaciona o carro em frente a minha casa e enquanto as duas saem, eu fico encarando a casa ainda dentro do carro. Por que em momentos assim nós só nos lembramos das piores coisas que acontecerem? Talvez seja porque as boas memorias pareçam ser boas mentiras?! Não sei.

Ste faz sinal para eu sair do carro e eu finalmente saio. As duas vão na minha frente em direção a entrada. Elas entraram direto, sem bater na porta e eu as acompanho. Escuto a voz da Pandora e apenas a dela. Quando chego na sala, ela para de caminhar de um lado para o outro e encara nós três. As meninas abrem espaço e me dão visão para ver Clarisse sentada no sofá. Ela abre um sorriso enorme e eu sorrio de lado. Se aproxima de mim e nós nos abraçamos.

– Senti sua falta! – ela diz ainda me abraçando e eu não digo nada.

Clarisse sempre foi a mascote do grupo e sempre a mais inteligente e matura. Mesmo com quatorze anos ela dava conselhos para todos nós que erámos seis, sete e até dez anos mais velhos que ela. E todos nós parávamos para ouvir.

Mesmo sendo mais madura e inteligente que todos nós, Clarisse tinha seu ponto fraco; o álcool. Se desse uma vodka na mão dessa criança, logo ela mostrava o seu eu interior; uma criança de quatorze anos. E em minha defesa, por mais que todos achem que eu que a induzi a essa vida, ela já estava nessa antes de eu chegar.
Clarisse me larga e me leva para sentar ao sofá.

– Como que você está? Onde você ficou esse tempo todo? – perguntou me encarando – Eu tenho tanta fofoca para te contar.
– Aparentemente todo mundo tem.
– Devemos preparar alguma coisa ou sair para comemorar? – Ste pergunta animada.
– Comemorar o quê? – Pandora a encara – A volta dele ou a morte do meu pai?
– Havia esquecido desse pequeno detalhe! – ela ri nervosa.
– Você só pensa em você, Stefanie! – diz Thayla – Enfim, pense comigo, Pandora. Seu pai gostaria que você comemorasse a volta do seu irmão, não é? – nego com a cabeça – E outra, ele não gostaria que você parasse a sua vida por causa da morte dele.
– Uau! – agora e Clarisse que fala – Parabéns, Thayla! Você é uma motivação ambulante. – Thayla revira os olhos.
– Falando em meu pai, ele deixou isso para você! – ela pega uma carta do aparador e me entrega – Eu sei que...
– Meu Deus, quantos anos seu pai tinha? – Clarisse ri.

Eu pego a carta e tento não demonstrar nenhum nervosismo. A encaro e logo começo a sentir a tensão no ar. Claro que todas elas querem saber o que está escrito aqui, mas já é óbvio e eu não quero passar por isso. Então, começo a rasgá-la.

– Ué? – todas começam a me encarar.
– Prefiro deixar algumas coisas no passado. – jogo a carta picotada no chão – Vou tomar banho!

Levanto do sofá, pego a minha mala que já está aqui e começo a me afastar delas, indo em direção ao banheiro. O silêncio se instalou na sala até eu virar o corredor, logo começo a ouvir sussurros. Eu entro no banheiro, fecho a porta e me encaro no espelho.

– Você não vai chorar, vai? – pergunto enquanto me encaro. 

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