Capítulo 4

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Dias atuais:

Como o medo pode se tornar o seu refúgio?
Durante muito tempo o meu pai foi isso para mim. Ele já foi grosseiro; machista; violento... Ele falhou diversas vezes, como qualquer ser humano. Mas nunca deixou de ser o meu pai. Durante um tempo, ele melhorou noventa e nove por cento de sua personalidade e eu sempre o admirei por isso. Por vários momentos em que eu estava na rua e sentia medo por algum motivo, eu imaginava que ele estava ali do meu lado e iria me defender de qualquer coisa. O nervoso não passava, mas só de me imaginar seguro já era algo.

Como já disse, ele melhorou muito durante os anos. As coisas só começaram a desandar quando eu assumi um relacionamento. Se fosse com alguém do sexo oposto, tudo bem. Porém, era do mesmo sexo e ele não engoliu isso muito bem. O que foi um choque para mim. Mas enfim, águas passadas.

O clima do Rio de Janeiro estava igual ao do meu sonho e eu estou usando a mesma roupa; parece que o sol não quer brilhar sobre cidade maravilhosa hoje.
Dessa vez eu não quero fugir, digo, não rapidamente. Prefiro encarar tudo de uma vez e voltar para a minha casa, onde eu me sinto mais confortável. Contudo, parece que o dia vai ser longo.
Dessa vez, ao invés de pegar algum carro de aplicativo ou um taxi, decidi alugar um carro. Quero fazer as coisas diferentes daquele sonho e ver se é possível chegar em um resultado diferente. Talvez eu esteja noiado com a situação atual, porém é assim que eu prefiro agir. Como eu estou sozinho dentro do carro, aproveito da situação e deixo o rádio desligado, pois não terei essa paz por um bom tempo daqui em diante.

Assim como o meu sonho, estou indo em direção à Nova Iguaçu. Meu pai viveu anos de sua vida lá e eu também, junto com os meus irmãos. Para mim, foi um lugar de aprendizado e decepções, nada mais. Depois de tudo, o que eu descobri então... Quer saber, esquece.

Chego em frente a casa funerária e estaciono onde dá. Olho para os lados, para ver se reconheço alguém e nada. Sigo em frente. Vou em direção à sala que a Thayla havia me informado mais cedo. Chegando, respiro fundo antes de por o pé na porta. Aqui está cheio de parentes meus e todos começam a me encarar, como se eu fosse um fantasma, o que de fato eu sou. Porém, ninguém se aproxima para falar comigo.

O caixão do meu pai está no meio dessa grande sala e a Pandora não está aqui em cima fazendo suas encenações, pelo contrário, ela está em um canto sendo consolada pelo seu... ex? Não há ninguém aqui parado ou de passagem, todos estão no canto chorando ou então consolando alguém que está chorando. Aproximo–me e o encaro. Já se passaram dois anos e ele não mudou nada. Continuo encarando–o e nenhuma reação vinha. Eu não consigo chorar, passar a mão nele e nem mesmo me mexer. Droga! Por que eu não consigo me mexer?

– Então você resolveu aparecer? – é a voz da Pandora ao meu lado – Ele sentiu sua falta, sabia? Acho que todos nós sentimos. Pena que é tarde demais... – silêncio.
Eu queria encará-la e depois virar, sem dizer nenhuma palavra para ela. Contudo, é impossível eu virar os meus olhos, quanto mais o meu pescoço.
– Então é assim que você vai me tratar, depois de todo esse tempo? – ela pergunta com voz de choro – Depois do que você fez comigo, eu que deveria agir assim com você. Mas tudo bem, já se passaram dois anos e eu não sou de guardar ressentimentos... – silêncio – Pietro! – eu sinto ela encostar em meu ombro.

– Oi! – respondo a Pandora, baixinho.

Começo a abrir meus olhos devagar e a perceber onde estou. O que eu estou fazendo em um quarto de hospital?
Agora que é possível, giro meu pescoço para o lado esquerdo e a Thayla está aqui, sentada na poltrona do acompanhante mexendo em seu celular.

– O que aconteceu? – pergunto.
– Graças a Deus você acordou! – ela levanta entusiasmada e me da um abraço, na medida do possível – Como você está se sentindo?
– Não interessa. – neguei – Aconteceu de novo? – ela contraiu os lábios e assentiu.
– Após tantos anos...

Quando eu tinha entre sete a oito anos, o meu pai viajou para Nova Jersey e foi morar lá, sozinho. Deixando eu, minha mãe e meus dois irmãos na casa da minha vó. Não me lembro exatamente por quanto tempo ele ficou lá. Só sei que às vezes eu tive esse treco de paralisia. No banco; na Igreja e Deus sabe mais aonde. Eu ficava completamente paralisado e quem estava comigo corria direto para o hospital. Se não me engano, um dos médicos chegou a dizer que isso acontecia porque eu estava com saudades do meu pai; já minha vó dizia que Deus queria me levar para viver ao lado dele – obviamente ela me disse isso anos após – e que Ele só não me levou, porque amava – ainda ama – muito a minha mãe. Eu, claro, acreditei nas duas historias. Afinal de contas, tudo é possível. Agora, anos depois eu tive a mesma reação e foi por ver o meu pai. Acho que o médico estava certo o tempo todo.

– O enterro? – pergunto.
– Já aconteceu.
– Ótimo! Já posso voltar para casa. – digo retirando os fios que estavam grudados em mim e já pondo o pé para fora da cama.
– Que casa? – perguntou vindo em minha direção e parando em minha frente – Não sei onde você tem vivido ultimamente, mas você não pode chamar aquilo de casa. A sua casa é aqui, com a gente. – diz olhando nos meus olhos.
– É, você tem razão! – a encaro – Meu lugar é junto com um monte de gente que me humilhou, me traiu, não me ajudou no momento em que eu mais precisava e ainda falou mal de mim pelas costas. Eu sei que a sua visão de "casa" é completamente diferente da minha – digo fazendo aspas – mas diferente de você, eu não aceitei o meu chifre e continuei vivendo como se nada tivesse acontecendo. – a tensão se instalou no ar – Você não viveu o que eu vivi. Você não pode dizer como que devo agir. – termino.
– E você pode? – cruzou os braços – Você também não sabe pelo o que eu passei. Eu tive que tomar decisões que fossem boas para mim e para a bebê.
– Thayla?! – neguei – Pelo amor de Deus. Eu que te avisei que o João havia te traído – apontei para mim – Eu pensei "vou contar para ela sair dessa merda desse casamento, sendo que ele não a merece" – respirei fundo – E o que você fez? Voltou para ele semanas depois.
– Acontece.
– Acontece? – respirei fundo – Ele te traiu com uma amiga sua e depois foi dar em cima da Pandora. E você vem me dizer que isso acontece? – ri negando – O que ele tem? Qual o interesse? Porque amor não é.
– Bem vindos aos velhos tempos! – Stefanie entra no quatro interrompendo a nossa conversa – Dá pra ouvir vocês lá de longe do corredor – a encarei – mentira, eu estava escutando por detrás da porta! – ela e Thayla riem.
– Cínica! – digo encarando a Thayla – Anda, vamos sair dessa porcaria de hospital.
Desço da cama. 

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