Capítulo 6

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Amélia

Ontem meu escritório acabou se tornando meu refúgio, tirando os funcionários noturnos, só restou minha comida chinesa.
O prédio estava em total silencio. Momentos assim são bem raros na minha rotina, eu adoro isso, poder se sentar de frente a janela e ver a enorme Los Angeles iluminada.
Do sétimo andar, o barulho do trânsito não parece tão assustador, o que me fez não ver as horas passarem.
Quando cheguei em casa, Júlia já estava desmaiada no sofá, babando no pijama de gatinhos, o balde de pipoca havia caído de sua mão e na tv estava passando um episódio de Natal de Friends.

Sorri com a cena mas não a acordei. Tomei um banho rápido pois já passava das onze horas e fui direto para o meu quarto, e enquanto vestia meu pijama, o porta retrato em cima da minha mesa me encarava.

Estávamos nós seis.

Laura, Júlia, Henrique, Ceci, Lucas e eu. A foto foi tirada a 10 anos atrás, no cantinho estava a data a caneta.
30/12/2012.

Na fazenda em que nasci e passei toda a minha infância, tem várias cachoeiras e lagos, na foto estávamos todos dentro da água. Essa cachoeira era a minha preferida, Laura estava nos ombros da Júlia, Ceci estava no colo do Henrique, e no canto esquerdo da foto, Lucas me abraçava. Os cabelos dourados brilhavam sob os respingos de água, a pele bronzeada, os olhos azuis como o céu.

Desde que me mudei, evitei pensar nele. Eu sei que ele me amava mais do que eu o amava, e isso também me magoa. Ele me pedia todos os dias para ficar, não o abandonar, mas eu não podia. Ali não era o meu lugar, o que me fez parecer a vilã, mas eu não me importo com esse título, nunca passou pela minha cabeça renunciar à minha liberdade. Ele sofreu, eu também, mas relacionamento nenhum dura para sempre.

E pensar que eu estou prestes a enfiar o Nate no meio disso tudo.
Eu não sei onde estava com a cabeça quando resolvi ouvir a Júlia. Minha família é complicada, a relação com meu pai é frágil e delicada, e com o tempo e a distância me afastei demais da minha outra irmã.
Laura decidiu ficar por perto, ela assumiu a administração das fazendas do nosso pai.
Ele trabalha como agropecuarista. Se orgulha de tudo que conquistou desde muito novo. Eles moram em uma das maiores fazendas no Estado, a qual Laura irá se casar. A casa possui mais de 9 quartos, e aquela vista maravilhosa que um casamento ao ar livre precisa.

Eu realmente fico muito feliz por ela, acredito que todos esses anos vivendo com nosso pai a transformaram em uma mulher forte... talvez isso é o que eu quero acreditar, e não que a tenha atingido de uma forma tão forte como me atingiu, e graças a isso ela tenha se tornado uma pessoa solitária.
O que mais me dói é saber que quando nosso pai estava sóbrio, ele era outra pessoa. Simplesmente incrível.
Me lembro de como eu era sua sombra, ele me ensinou a andar de cavalo, dirigir máquinas enormes e me ensinou algumas coisas que sei sobre o campo.

Mas sempre no final do dia ele se afastava, entrava em seu escritório e quando saia, já tinha se transformado em outra pessoa.
Aquela pessoa que andava a procura de qualquer coisa que pudesse para iniciar uma briga, seja comigo, com a minha mãe ou minhas irmãs.
Aquilo aos poucos ia destruindo a imagem que eu criava dele, eu me questionava por que ele tinha que ser assim, eu não conseguia entender, eu só queria que ele fosse meu amigo, companheiro.

Mas com o tempo eu acabei percebendo que o vício era mais forte do que ele, quanto mais eu tentava convencê-lo pior era, ele se tornava cada vez mais agressivo comigo.
O pior de tudo é que eu sabia que ele me amava, e era isso que mais me machucava. Todas as coisas horríveis que ele fazia, no fim era o vício que o controlava. Depois de muitos anos de terapia,  acho que no fundo eu nunca me perdoei por não ter sido suficiente para que ele parasse, decidisse mudar de vida, querer ser alguém melhor... por nós.
Eu sou a filha "caçula" e a que mais afetava ele, de forma que quanto mais velha eu ficava, mais o confrontava. Não conseguia aceitar o modo como gritava com minha mãe e as coisas que falava para mim e minhas irmãs. Me lembro que uma vez ele disse que desejava que eu encontrasse alguém como ele no futuro para "aprender" a não ser tão mal educada como era.

AméliaOnde histórias criam vida. Descubra agora