71| A Besta de Oorus

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SORA

- Eu juro papai, minha vida está de cabeça para baixo. Nunca vi tantos acontecimentos esquisitos ocorrendo de uma vez só, nem quando Kalinne acordava dentro das caixas de mudança no sótão – murmurei. – Queria que o senhor estivesse comigo, me sinto perdida.

- Engano seu. Você está seguindo exatamente até onde deve ir – ele me serviu de mais chá oolong. – Todas essas pessoas que estão na sua casa agora, e as que ainda virão, todas estão com você. Não se esqueça de que Lieff te deu a maior das provas de que te ama.

Abri a boca para protestar, mas ele me mandou tomar o chá.

- Ele morreu por você, sem se importar com mais ninguém. Ele, de todos que estão ao seu lado, é o que mais se importa. Não se esqueça disso.

Acabei ficando constrangida com aquele assunto. Era sabido que papai sempre foi a favor de Li, e que uma vez até tinha mencionado que queria ver casamento entre nós! Recordar do meu motivo para visitá-lo me fez afastar aquele pensamento. A raiva de Grendel fervilhou em mim. Coloquei a xícara na mesinha e olhei sério para ele. Eu sabia que seria uma coisa difícil, pois papai raramente levava a sério meus dramas. Como se percebesse que mais um deles viria, ele transportou nossa conversa para outro assunto... que não era tão diferente assim.

- Ainda está sendo sequestrada para Tenebris por Grendel? – fui pega de surpresa, mas não desatenta o suficiente para perceber que ele mencionou o nome da Morte.

- Papai... – ele me olhou derrotado, percebendo seu erro de imediato. – Como sabe o nome dele? Eu não lembro de ter mencionado, aliás, eu não mencionei.

- Ah, está bem. Digamos que Grendel seja um velho amigo meu...

- O que? Como assim? – pigarreei exaltada.

- Calma, não precisa de tanto alarde. Vou contar uma pequena história, mas não quero que me interrompa – assenti. – Não foi uma grande surpresa quando você me falou que tinha um bicho-papão. Eu mesmo o via, ás vezes. Era um rapaz bem alto e esquisito. Não deixei de temer por você, mas sabia que aquele não era um amigo imaginário comum. Quando tentei pegá-lo, certa vez, seu olhar foi o bastante para me fazer parar. O Sr. Morte não me disse muita coisa, somente que gostava de vê-la dormindo. Fiquei convencido que de que ele não a faria nenhum mau. Quando você corria para meus braços aos berros relatando sua noite de terror, tenho que admitir que ria por dentro – ele riu da careta que fiz. – Agora vou direto ao ponto. Quando morri, ele apareceu diante de mim e não me deixou completar a travessia da ponte. Implorou que eu ficasse, pois sabia da conexão que eu e você tínhamos. Ele me cedeu esse espaço no mundo espiritual, e garantiu que minha substância seria mantida. Não vou negar que sito falta de sua mãe e irmã, mas tive que ceder ao pedido suplicante da Morte. Ele queria que eu ficasse para ajudá-la, para que você tivesse um porto seguro – ele bebericou o chá e me fitou, satisfeito por ter contado tudo. – O que queria me dizer querida?

- Não é nada – murmurei, não querendo acreditar naquela história. – Tenho que voltar papai...

- Querida, o que está acontecendo? – ele segurou minhas mãos. – Sinto sua aflição.

- Eu acho que fui alguma amante de Nero no passado. Não acho, tenho certeza. Eu lembrei alguma coisa, faz um tempo, mas sei que não foi um sonho...

- E não foi. Talvez você ainda conserve lembranças de alguém que já foi um dia, e que deve ser esquecida...

Minha visão começou a enuviar, estava acordando.

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