76| Neil Graham

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NERO

As circunstâncias de como todos os acontecimentos estavam se seguindo adiante, não agravou uma série de preocupações somente para mim, mas também para todos que estavam em nosso círculo de convivência. O medo de que Sora viesse a explodir com outro surto de personalidade me fez ficar o mais distante possível. A curiosidade de adquirir mais recordações fora esvaindo-se aos poucos, e com ela, o meu desejo por Sora também. Para mim, tudo aquilo não passou de uma forte recém-descoberta, que nos arrebatou de uma forma tão intensa que até impulsos que não sabíamos que existiam, vieram a surgir nas horas mais inconvenientes. Não muito obstante em evitar tudo isso, ela sempre conseguia um jeito de me pegar desprevenido, ou então sozinho. Nenhuma explicação ou desculpa era imune a sua aspiração por lembranças, e seus modos de consegui-las eram eloquentes.

Em suma, duas semanas passaram desde que nada além do habitual acontecesse. Billy foi levado para uma clínica psiquiatra, sem fazer objeções. Eu o visitava todos os dias, e ele parecia ser uma nova pessoa a cada etapa do tratamento. Porém, a mudança de comportamento de Lili perante a mim foi de algum modo perceptível a todos. Ela me evitava o máximo que podia e falava pouco, era mais do que óbvio que estava magoada com meu comportamento repulsivo. A sagacidade de Lili era impressionante, ela sabia que nosso relacionamento jamais seria como antes. Mas como ela poderia sentir-se traída se éramos apenas amigos? Eu amava, ela não. Aquilo não era nada recíproco. Não fizemos votos nem juramentos, mas ela agia como se tivéssemos feito. Bem, eu não podia culpá-la quando estava agindo como um canalha. Cansado de ser ignorado por quase um mês, decidi que já era hora de acabar com aquele comportamento tão fútil. Era uma madrugada crepuscular quando me encontrava deitado, lendo um artigo em um livro sobre vidas passadas.

Um barulho abafado ecoou pela casa silenciosa. Kaia e Sora haviam saído para ver Lieff tocar em sua antiga banda na taverna da cidade. Fiquei em alerta, por que os ataques agora viriam de cima. Desde que soubemos da constante tirania de Miguel e que uma rebelião estava instaurando-se contra ele, ficamos todos atentos a qualquer atitude suspeita vinda de estranhos. Larguei o livro e fui verificar. Caminhei sorrateiramente até a sala e parei de repente quando senti a presença de Lili. Além de sua presença, senti suas emoções. Ela estava feliz e eufórica. Eufórica até demais para meu gosto. Sabendo que ela não estava sozinha, ascendi às luzes e não fiquei surpreso com o que vi. Ela estava sentada no balcão e enroscava suas pernas na cintura de outro cara. O estranho pareceu notar minha presença, mas não parou de beija Lili, como se quisesse que eu visse toda aquela cena ridícula.

Eles se beijavam com voracidade. Cerrei os punhos quando ele retirou a camiseta dela e enterrou as mãos em seus cabelos, puxando-a mais para si. Ela arquejou como fazia quando estávamos juntos. Ela o beijou como fazia comigo, me senti substituído. Dei um passo hesitante para frente quando ele abriu os olhos e fitou os meus. Depois sorriu com malícia. Era óbvio que ele estava me provocando, de alguma forma parecia me conhecer. Quando ele mordeu levemente o pescoço dela, me senti incapaz de controlar minha fúria, por que somente eu podia fazer aquilo. Dei uma tosse forçada para ser notado. Lili deu um pulo e virou a cabeça em minha direção com um ar de espanto, mas suas feições tornaram-se severas ao me ver, depois partiu para o desdém, como se minha presença não significasse nada para ela.

-Ah é você - ela falou com um suspiro, ainda recuperando-se do beijo. - Apague essa luz, não vê que está nos incomodando?

Resolvi não falar nada. Ignorei totalmente aquela observação. Apenas olhei para o estranho e tentei intimidá-lo, mas ele parecia estar divertindo-se com o meu ciúme. Então, me lançando uma piscadela, ele mordeu o ombro onde havia a tatuagem de serpente e depois a lambeu, sem tirar os olhos de mim. Seus olhos negros pareciam decifrar o que aquilo provocava em mim. Lili voltou-se para ele e afundou o rosto em seu pescoço, me ignorando totalmente.

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