1o| Para Além da Floresta

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Ele moveu-se sorrateiramente entre as sombras que as árvores projetavam. O cheiro de sangue o atraíra até o local. A época do inverno mais rigoroso entrara em ascensão e junto com ele o cheiro de morte. A presença de algo ruim o incomodava, conseguia sentir a quilômetros que algo não estava certo. Observou cuidadosamente o local, não havia ninguém. Estava claro, ele nunca aparecia quando o sol ainda brilhava no céu. A clareira mais próxima da cidade projetava uma áurea ruim, o cheiro de putrefação pairava sobre o local.

Uma horda de abutres sobrevoara acima de sua cabeça, projetando-se para além das árvores. Ele apressou o passo para chegar mais rápido até onde seus instintos o levariam. Quando chegou até a clareira, parou subitamente. Aquele era um território perigoso, ele não podia ser visto porque estava morto para todos. Olhou atentamente e certificou-se de que não havia ninguém ali, somente os abutres que agora formavam um grande motim ao redor de dois corpos inertes no chão.

Eu sabia, pensou.

Ao se aproximar dos corpos, o enxame de abutres se dispersou com o seu comando. O bater de asas em contraste com a neve o fez ficar confuso, ninguém podia vê-lo. Uma grande poça de sangue congelado estava ao redor da cabeça do corpo mais próximo, era uma garota, presumiu. O rosto do cadáver estava coberto de picadas, e seus olhos perfurados. Era uma cena horrenda, ele se abaixou em encontro ao corpo, tentou examinar a causa de sua morte. O gelo havia congelado tudo, mas ele poderia descobrir apenas com o toque.

- O que você fez com ela – gritou a garota. – Me deixa em paz!

Ela correu com dificuldade, seus patins a faziam deslizar. Um homem alto e de roupas vermelhas chegou ao seu encontro, ela chorava muito e gritava. Ele puxou o cabelo da garota e jogou sua cabeça contra o gelo. Ela não sentiu nada, apenas o frio. Uma grande poça de sangue se formou a redor de sua cabeça. O homem sentou ao lado, passando o sangue em seus lábios.

-Por-p-por favor – disse a garota, dando seu último suspiro.

O ceifador levou seu pulso à boca, perfurando-o.

Aquilo o despertou do toque, foi como um grande choque. Cambaleando para trás, sentiu-se nauseado. Olhou com tristeza para aquela garota, que teve sua vida ceifada por alguém como ele. Ao pensar que não fora o único a tornar-se uma aberração, sentiu-se pequeno. Caminhou com desespero até o segundo corpo, que também estava com o rosto desfigurado por conta dos abutres. Ao toca-lo, viu que sua morte havia sido menos cruel, mesmo assim ele lastimou. Nunca, nem após ter acordado no cemitério da cidade, Daniel não havia matado ninguém, muito menos desejado. O sangue de coelhos da neve e alces era o suficiente.

Uma onda de raiva o invadiu. Ele agora sabia que não era o único. Quem quer que tivesse feito aquilo com ele, também fizera com outra pessoa. Ao observar melhor onde estava, percebeu que a casa de Sora ficava muito próxima dali. Ele temeu por ela, e principalmente por Lili, que frequentemente visitava a casa. Temeu por todos, teria de agir, ou aquele estranho mataria mais pessoas e causaria mais sofrimento. Se para impedir isso teria de se revelar para Lili, ele faria. Um leve calor tomou conta de seu corpo, pessoas estavam se aproximando. Latidos de cães já eram audíveis de longe, olhou mais uma vez para as garotas, e com tristeza, partiu para seu covil além da floresta.

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