prólogo

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Japão, 1983

Keisuke amarrou os cabelos, colocou uma guitarra nas costas e pegou uma mala de mão. A luz do luar deixava seu quarto em tons de azulado. Ele olhou para trás, pensando por alguns momentos se valia mesmo a pena guardar aquela imagem na cabeça. Suspirou ao chegar na conclusão negativa.

A última coisa que fez foi deixar uma carta no cama, chupar e mostrar seu dedo do meio para a própria porta e abrir a janela, sentindo a brisa fria no rosto. Pulou do quarto tentando fazer o mínimo barulho possível e fechando os olhos em desgosto quando sentiu uma das cordas de sua guitarra arrebentar.

Começou a andar agachado pelo quintal de sua casa, implorando mentalmente para que ninguém acordasse. Não agora.

— Que demora porra! — ouviu a voz apressada e tremedeira pelo frio da madrugada chegar até a calçada

— Foi mal — suspirou — vamos sair daqui logo — segurou a mala com firmeza enquanto começavam a andar pela rua — cadê ele? — perguntou preocupado, olhando para os lados algumas vezes antes de observar o amigo

— Cara... — suspirou enquanto retirava um cigarro do bolso — Quando eu cheguei na janela, ouvi a mãe dele brigar e chorar... Ele não vai vir não — negou, colocando na boca e ascendendo com o isqueiro

— Que merda — estalou a língua — ele sabe onde ir se mudar de ideia. Não temos tempo pra esperar mais — o amigo assentiu

Continuaram andando até que chegassem em uma área mais movimentada, virando a calçada e indo ao encontro das luzes. A noite era fria, mas a brisa era até gostosa depois de se acostumar.

— Ali! — o amigo apontou animado, começando a andar mais rápido para um grupo de caras que estavam encostados na parede, rindo entre si. Não tinham os rostos mais amigáveis no mundo.

— Cê tem certeza disso? — estranhou, mas continuou o seguindo

— Relaxa e confia em mim — sorriu maliciosamente — fala! — fez um toquinho de mão com cada um, enquanto o outro apenas assentiu a cabeça como cumprimento

— Kazutora, e ai? Última vez que nos vemos, hein — um dos garotos, com a voz fina demais, gargalhou — esse é o tal Baji, huh? — observou o de cabelos amarrados — Que marra toda é essa? fica de boa cara.

— Aqui, pega — entregou um maço de dinheiro para o mais alto do local.

— Pega e vaza — com a voz grossa, entregou documentos e papéis para ele, que chamou Baji para continuarem a andar

— Passaporte — entregou para Baji — e passagens — balançou os papéis — é bom não vacilar agora — deu um soquinho no braço de Baji, que sorriu sarcasticamente.

Se arrepender? Até parece.

— Essa porra vai ser foda de mais — disse animado e abriu um sorriso no rosto com o amigo enquanto corriam para não perder o próximo voo par a Inglaterra.


Inglaterra, 1984

— Entre no carro — ele não parecia dizer aquilo em um tom muito amigável, o que a deixou nervosa demais enquanto apertava a bolsa contra o corpo — ande, Charlotte!

— P-Pai, eu posso ir a pé para casa, obrigada! — tentou se virar para andar, mas tudo gelou ao ouvir a porta bater e os passos virem até ela — Pai!

— Venha — disse com autoridade enquanto a empurrava dentro do veículo e em poucos segundos começava a dirigir para fora da cidade.

— Onde estamos indo? — perguntou receosa demais — E a mãe? Vai buscar ela? Vamos viajar? — tentava procurar qualquer explicação, mas nada era respondido — Pai, eu precisava fazer minha mala, não acha? — engoliu o seco ao sentir a voz tremer

A viagem durou apenas uma hora, o carro branco e totalmente limpo parou em frente a uma catedral. Ela não estranhou, afinal, seu pai era extremamente religioso, sempre fazendo visitas em igrejas de diferentes cidades.

Ele fez um sinal para que ela saísse do carro e então andou até o porta malas, tirando uma bolsa e jogando para ela, sem dizer palavra alguma.

— Pai?

Ele subiu as escadas, e ela correu atrás. Seu pai se encontrou com uma mulher, uma freira de no máximo 30 anos. Ela estava sorrindo. Quando ele apontou para trás, a mulher observou a garota de forma animada. Não demorou para começar a sentir os olhos lacrimejarem.

Aquela mulher se aproximou e se abaixou um pouco para ficar a sua altura.

— Que ótimo Charlotte, muito bom finalmente te conhecer! 15 anos e já interessada em ser como nós? — sorriu para ela. A garota arregalou os olhos, procurando o pai com os olhos e se assustando ao perceber que ele descia as escadas tranquilamente

— Pai? — soltou a bolsa no chão, tentando correr até ele, mas sendo muito mais lenta — Pai, onde está indo? Pai? — chegou ao vidro do carro, colocando as duas mãos no local e batendo algumas vezes — Pai?

Ele não a respondeu e apenas deu partida, voltando para a mesma rua de onde havia chego. Olhava tudo aquilo pasma, confusa.

O que é isso? O que é isso? O que é isso?

Ao olhar para cima das escadas, viu a mesma freira gentil com as sobrancelhas em completo dó, olhando para a garota que começava a sentir a dor de um abandono.

17/05/2022

800 palavras

NIGHTRAIN, Baji KeisukeOnde histórias criam vida. Descubra agora