09. ofego

466 70 76
                                    

Se passou um dia, apenas um dia desde o ocorrido no parque, com as crianças orfãs e principalmente Albert, e durante esse dia todo Charlotte não conseguia parar de se martirizar por conta de duas palavras. Baji havia dito um 'até mais' e ela sabia o que isso significava, queria dizer que queria a ver de novo e não sabia o motivo disso a deixar tão ansiosa.

Na primeira missa ela não se concentrou. Não que isso tenha mudado, já fazia 2 anos desde que ela não escutava mais o que o padre dizia. No café da manhã ela ficou sem apetite, mas comeu um pão quando uma das irmãs a olhou como uma 'mal agradecida'. De novo a capela e novamente não escutou nada, mas dessa vez sentiu dois chutes fortes em suas pernas quando mal percebia estar batendo os pés no chão.

No almoço ela não aguentou e comeu mais do que deveria, sua barriga tão fria dava a falsa sensação de estar vazia. Novamente a capela, e dessa vez ela não aguentou, saiu no meio dela sorrateiramente, dizendo para Alene que começava a sentir cólicas e precisava ter certeza de que não mancharia nenhum tecido branco de vermelho sangue.

Durante a tarde toda, como de costume, ficou no pátio arejado do lugar e usou desse tempo em completo silêncio para repensar no que deveria fazer. E é claro que começaria a pedir para Alene a levar para fora daquele lugar quantas vezes necessário, era perfeito e uma hora ou outra iria... Ela resolveu pensar apenas em um plano inicial, de sair durante a semana para ajudar crianças, idosos ou algo mais.

— A Thompson disse que você não vai mais poder me acompanhar nos afazeres fora daqui. — e claro, tudo desabou

— O quê? Por quê? — ela olhou para Alene, indignada com a notícia — Quando eu fui com você ajudar as crianças, eu achei que...

— Quando ela me pediu o relatório tive que dizer que você correu atrás daquele garoto e ficou vários minutos fora do meu campo de visão.

— Por que você fez isso?

— Ela me disse que isso era inadmissível e não poderia confiar que você saisse dessa forma novamente, então...

— Isso não é justo, eu sai para que aquele garoto não se machucasse na floresta. Eu era a adulta e deveria guiá-lo até lá de novo!

— Bom, é que você demorou, então Thompson não gostou disso...

— Eu demorei porque ele corria super rápido e ficou dando voltas e voltas... Eu não acredito nisso, Alene! — se levantou do banco que estava e tentou, ao máximo, manter sua postura

— Ora, não é culpa minha. É sua. Você sabe como Thompson é e...

— Não minta para mim, Alene. Você contou isso para ela de propósito pra me ter fora, não é? É por causa do hospital? Das vezes que não te levei junto?

— Você tá me acusando, ou melhor dizendo, que eu deveria mentir para nossa superiora?

— Não! — ela observou assustada e abaixou o tom de voz — Estou apenas dizendo que se você quisesse mesmo que eu pudesse fazer alguma coisa com você fora daqui, você não teria dito com tantos detalhes o que aconteceu. Eu sei como são esses relatórios e coisas fúteis como essa nem ao menos são questionados. Você contou por que quis, Alene

Charlotte não esperou a resposta, apenas saiu do lugar tentando fazer com que seus passos não soassem tão duros quando entrou no prédio e começou a subir a escada forrada com madeira para adentrar ao corredor de dormitórios.

Já não tinha mais paciência para as acusações de Thompson, e nem poderia fingir que nada tinha acontecido quando viu Alene invadir seu quarto.


NIGHTRAIN, Baji KeisukeOnde histórias criam vida. Descubra agora