10. monotonia

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Ainda atordoada com aquele estranho sonho, Charlotte não conseguiu dormir. Ficou acordada até que o sino tocasse pelos corredores e tivesse que levantar para continuar a monotonia de sempre.

Colocou o hábito, esperou na frente da porta e logo mais andou até a capela junto com as outras, para fazer a primeira oração do dia. Se ajoelhou, fechou os olhos e ali rezou por mais ou menos uma hora. Se levantou antes das outras após pouco mais de meia hora e esperou em silêncio em um dos bancos do jardim central.

Quando viu que já eram sete horas, entrou na igreja para a santa missa. Estava com preguiça, mas o que poderia fazer? Sair dali? Não, isso só traria problemas. Quando acabou, pode finalmente ir ao refeitório para o café da manhã, onde se sentou longe o suficiente de Alene e, ali, decidiu que faria disso um novo costume.

Após o café todas podem fazer suas atividades individuais. Sendo apenas uma estudante, ela tem menos opções de afazeres do que o restante. Na maioria das vezes fica apenas responsável de limpar um corredor ou os quartos e sair para atender pessoas, como fez com Paul. Mas depois do que Alene havia dito para Thompson, recebeu novas ordens.

Charlotte revirou os olhos discretamente ao ser chamada para... Confeccionar velas? Isso era completamente ridiculo.

Não era novidade que Charlotte era péssima quando se tratava de trabalhos manuais. Confeccionou algumas velas no ano passado, e todas foram para o lixo, além de receber como bônus uma mão enfaixada por queimadura.

Foi dessa forma que apenas a deixaram com trabalhos de comunicação e reza. Mas agora? Não, eles não desistiriam de impedi-la de sair dali, não com Thompson no comando disso.

Andou até a sala designada para o trabalho um pouco irritada, mas já havia aprendido como esconder esse sentimento de seu rosto, então apenas andou com um sorrisinho meigo nos lábios e entrou antes de pedir licença para as duas senhoras.

Uma delas apontou para a cadeira no canto da sala, onde já havia algumas parafinas, uma faca e um molde de madeira. A sala estava cheirando a cera quente, vindo das duas panelas em frente a porta, onde uma das irmãs remexia com a colher de madeira.

Charlotte suspirou ao pegar uma pequena jarra de metal para encher de cera e levar até sua mesa. Começou a fazer rapidamente antes que secasse, não queria ser xingada naquela tarde, ainda mais por duas senhoras que nem ao menos olhavam para sua cara.

Segurou as caretas e gemidos de dor toda vez que queimava a mão, e mesmo assim recebia olhares ruins quando dava patinhas nas mãos para aliviar a queimadura. Só de pensar que ficaria ali por mais... Meses, ou anos, quis chorar, mas como de costume, segurou e engoliu o que sentia.

O sino tocou, e elas se levantaram juntas para sair da sala. Viu os rostos desapontados ao olhar para as velas na mesa de Charlotte e saíram na sua frente. O almoço começou após uma breve oração e uma leitura de Thompson. A comida era simples e a sala, como sempre, silenciosa. Era um dos poucos momentos que Charlotte sentia- se bem dentro daquele convento.

O resto da tarde não foi muito diferente, ela não saiu daquela sala até que desse seis horas da noite e fosse a última missa do dia, jantar e ás nove uma oração para que só então conseguisse se preparar para dormir.

Ao entrar, ela não se conteve em lembrar de seu sonho, e quase implorou para que a janela fosse aberta por Baji e pudessem se abraçar de verdade, mas nada aconteceu. Ela deitou e nada mais aconteceu. Acordou com o sino tocando e fez tudo de novo. Tudo, nada diferente.

Oração, missa, café da manhã, trabalho, almoço, trabalho, missa, jantar e oração.

Isso persistiu por uma semana. As olheiras, o cansaço e suas mãos completamente queimadas eram visíveis para todos, mas ninguém falava nada, até por que, o que tinham a ver com ela? Ela era apenas mais uma das 'servidoras de Deus', e estava apenas fazendo suas obrigações dentro da casa Dele.

Quando voltava para o quarto, ficava pelo menos meia hora coçando as mãos e não conseguia pregar os olhos para dormir, tanto pela dor quanto pela agonia de não ter nada novo para fazer. Além disso, Alene também havia parado de olhar para sua cara e sempre que chegava o fim dos almoços ela conseguia ver a garota sair do convento para a rua. Ela tem toda a liberdade que Charlotte gostaria de ter, e não a aproveita como Charlotte aproveitaria.

— Ridículo! — ela fechou os olhos e encolheu os ombros quando ouviu aquela voz atrás dela e os passos rápidos em sua direção — O que é isso aqui, Cohen? — uma mão agarrou uma das velas prontas ao seu lado e Charlotte olhou para o lado

— Uma... Vela... — sussurrou, sem encarar Thompson nos olhos

— Uma vela? Você chama isso de vela? — disse indignada — Nenhum dos seus trabalhos está sendo posto a venda, nem ao menos é útil para usar nas missas e capelas — ela jogou no chão com força quebrando em várias partes a cera vermelha

— Perdão, irmã — abaixou a cabeça

— Levante! — e assim ela fez — Olhe para mim, garota — ela o fez, mas diferente de tudo que esperava, ela recebeu um tapa. Um tapa tão forte e estalado que achou que havia sangrado — Você é inútil nessa casa. Inútil. — falou irritada

— Perdão, irmã.

— Você vai bordar, e se der errado — se aproximou — ... É melhor você se esforçar — sussurrou. Ela estava a ameaçando.

— Perdão, irmã. Vou me esforçar! — assentiu com lágrimas nos olhos enquanto saia da sala e andava até a sala de seu novo trabalho.

Quando chegou a sala, percebeu que era ainda pior do que onde estava anteriormente. Havia uma roda de cadeiras, todas estavam frente a frente uma para a outra e bordavam silenciosamente. Quando abriu a porta, todas, ao mesmo tempo, a olharam de cima para baixo.

— Senhorita Cohen — sorriu falsamente — pegue, espero que já saiba o que fazer. — entregou os materiais e a fez sentar ao seu lado.

E assim, uma nova semana começou, mas nada mudou. Tudo voltou a ser igual, mesmo que estivesse bordando e mesmo que não tivesse cometendo tantos erros quanto antes, talvez por que as queimaduras de sua mão estivessem se curando.

Era como se todos os dias fossem o mesmo e nada dali a deixava ciente de que o tempo estava passando. Na verdade, parecia que estava tudo parando aos poucos, e demorou para que ela percebesse o quão perto estava de ganhar a nomeação final para ser reconhecida como uma 'freira' de Birmingham. Isso a assustou em uma noite, acordou ofegante.

Ela não queria isso. Ela não quer isso.

E ela não vai deixar isso acontecer.


16/02/2023

1100 palavras

NIGHTRAIN, Baji KeisukeOnde histórias criam vida. Descubra agora