Colher de Sobremesa

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Me sinto péssima. Não sabia se era pior evitar um coração partido ou aparentemente correr o risco de perder meu melhor amigo, eu não conseguia pensar direito agora, só fiz o que precisava fazer antes que fosse tarde demais.

Saí um pouco mais cedo para a escola para não precisarmos ir juntos no dia seguinte. Ia com a arma de choque em mãos por precaução, era a primeira vez que andava sozinha no bosque desde o incidente. Mas depois de alguns minutos eu escutei um passo familiar entre as árvores.

Gilbert estava me acompanhando ao longe, escondido. Eu reconheceria o som daqueles passos de qualquer lugar, mas agradeci ele ter respeitado o meu desejo de ir sozinha, então simplesmente fingi que não o havia percebido e continuei com a arma mais frouxa em mãos

Foi esquisito. Quando nos encontramos na escola nos cumprimentamos com um bom dia educado, trocamos um sorriso e nos sentamos distantes. O tempo tornará tudo melhor, eu precisava crer nisso; Melhor cortar agora do que ser despedaçada depois, do que despedaça-lo depois.

Achei que seria péssimo lidar com isso, mas prestar atenção na matéria foi uma dádiva para o meu coração (e minha mente) e evitou que eu pensasse muito no rapaz de cabelos ondulados e castanhos a um corredor de distância. Quando terminou a aula eu senti que nem tudo parecia tão ruim se eu focasse 220% nos estudos.

Por dois dias repito esse mantra e vivemos num tipo de limbo entre a nossa amizade e o desconhecido. Vou e volto da escola sozinha, num silencio pacato dos bosques e ouvindo seus passos ao longe. Nos cumprimentamos casualmente e focamos nas aulas; a senhorita Stacy está amando o nosso nível de participação nas aulas.

-Ótima colocação, Gilbert. Veio muito de encontro com o último comentário de Rory! Muito bem! – ela sorria orgulhosa.

Diferente da professora, Anne, Diana e Cole perceberam que tinha algo estranho e eu sei que eles estavam ansiosos e até se sentindo um pouco culpados porque foi depois do dia nos Jardins. Tentei ignorar isso ao longo da semana, cada olhadela ou a cada "Está tudo bem mesmo?", "Porque você e o Gilbert não vieram juntos?" eu tentava dizer que estava tudo bem.

Infelizmente chegou num ponto que eu tinha que começar a pensar em algo, teria que aliviar a situação de alguma forma e já começar a trabalhar o meu lado mais sensível mais cedo do que eu previa.

O sino havia tocado na sexta feira e Gilbert fazia hora para vestir seu casaco e sua boina, provavelmente esperando eu sair primeiro, como tem feito a semana inteira. Respirei fundo e fui até ele.

-Oi. – sussurro.

-Oi. – ele me olha cauteloso, mas ele não foi rude, na verdade ele sorriu de forma gentil.

-Ainda somos vizinhos, não precisamos fingir que você não está me acompanhando de longe.

-Se preferir eu até gosto de ir atrás. Você pula os galhos bonitinho. – ele brinca e consigo abrir um sorriso.

-Me desculpa por tornar tudo...

-Rory, tá tudo bem. Eu... eu realmente entendo. – ele diz, e há uma carga tão grande em sua voz que tento afastar a vontade de chorar de alívio.

Era claro que ele entenderia, ele também havia perdido a pessoa que mais amava.

-Vamos? – ele pergunta ajeitando a bolsa, sorrindo gentilmente.

Saímos da escola e acenei para Anne e Diana que abriram um largo sorriso de alívio ao ver eu e Gil juntos. Ando ao lado do rapaz e é esquisito estarmos perto, mas... distantes. Eles mantem uma distância mais cordial que nunca havia sido necessário antes.

𝐒𝐇𝐄, 𝐠. 𝐛𝐥𝐲𝐭𝐡𝐞Onde histórias criam vida. Descubra agora