CAPÍTULO IV - ALUCINAÇÕES

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Quando cheguei à frente do meu prédio, a neve já havia consumido toda a minha rua e os tetos dos prédios. Embora não houvesse tanta gente na rua e meu campo de visão ter somente as árvores nas calçadas, adornadas com pisca-piscas, senti um calafrio me envolver dos pés à cabeça. Não me demorei muito para entrar no meu prédio. Insisti nos berros para que o porteiro me escutasse, já que o velho alemão não ouvia o interfonre direito. Meu corpo começou a ficar fraco e minha corrente sanguínea, naquele momento, estava para congelar. O oxigênio não chegava ao meu cérebro; eu estava tonta de tanto gritar. Perdia a esperança quando avistei meu salvador; um vizinho, que saía pelo portão com um imenso guarda-chuva, a fim de enfrentar a tempestade de neve.

Não dei tempo de ele dizer sequer uma palavra. Corri para dentro, encaminhando-me para a porta do elevador. Porém, o elevador continuava interditado; isso me obrigou novamente a recorrer os lances de escadas.


Quando cheguei ao meu destino, exausta, saquei o molho de chaves do bolsinho lateral da minha mochila. Meu pai estava acomodado em sua poltrona de encosto alto, imóvel feito uma estátua. Ainda vestia seu habitual terno preto e gravata vinho. Seu rosto emoldurava uma preocupação extrema, mas eu sabia que no fundo, no fundo, ele queria esticar os braços e me abraçar fortemente, mas não podia. Minha mãe estava com a coluna envergada diante da mesinha de centro; suas mãos desnorteadas quase deixaram a xícara cheia de chá cair no chão. Ela encarava papai nos olhos, ainda com a xícara na mão: percebi que os dois não estavam realmente sozinhos, embora houvesse apenas duas xícaras. Entretanto, havia algo de errado com eles.

- Olá, Angela. Enfim nos conhecemos - uma mulher com seus aproximadamente cinquenta anos, escondidos numa beleza inumana, se levantou da ponta do sofá de costas para mim. - Sou Loreta, muito prazer.

Loreta era alta, terrível de olhar e abençoada com uma voz poderosa. Uma cascata de cabelos vermelhos alcançava sua cintura; usava um colar dourado composto de ornamentos, uma veste multicolorida, e sobre esta um casaco grosso de pele preso por um broche com uma esmeralda incrustada no centro. Sua capa abey, cor de gelo com tons rosa brilhante, pendendo para o lado...

Ela estendeu a mão na minha direção.

- O que está acontecendo aqui? - perguntei para papai dando-lhe um beijo de boas-vindas, mas ele não retribui o meu beijo.

- Eles ficarão bem. Não se preocupe. - começou a dizer a mulher. Ela agarrou a xícara de chá das mãos de mamãe, já que eu não apertei sua mão pálida. - É muito indelicado não apertar a mãos das pessoas no ato de um cumprimento, Angela. Sei que está absorta, querendo saber o porquê de minha vinda até a sua casa.

Eu não estava absorta com a mulher, e sim com a aparência pétrea que papai e mamãe adquiriram.

- Diga a que veio, senhora? - por mais que eu não gostasse do jeito que mamãe me "comandava", eu não queria que aquela mulher desconhecida (pelo menos para mim) se sentisse em casa.

Olhei mamãe, bem longe da mulher, com os braços esticados e as mãos abertas, bem onde estava a xícara que Loreta agarrou.

- Não sou uma desconhecida, minha pequena - os lábios avermelhados e bem delineados da mulher tocaram na xícara. Ela bebericou um pouco do chá.

- É melhor você se sentar, querida - pediu-me.

Recusei-me.

- Pois bem - recomeçou a mulher. Ela largou a xícara de chá na mesinha de centro e cruzou as pernas sedutoramente ao se sentar novamente no sofá. Fixando o olhar em mim, ela prosseguiu:

Enviada - Série EternosOnde histórias criam vida. Descubra agora