Gustav se afastara de mim há mais de dois meses, desde o dia em que me viu beijando Dimitri. Estávamos em setembro, por sinal. O colégio inteiro estava para festejar o seu primeiro baile de primavera em outubro, diretamente importado da América, como dizia Richard repetidamente, todas as vezes que o via.
As frequentes companhias de Dimitri apagavam a falta que eu sentia de Gustav. Ele me fazia feliz de todas as maneiras que eu poderia imaginar. Era bondoso não só comigo, mas com os demais que mantínhamos contato na sala de aula. Tinha um senso de humor incrível, que eu não conhecia; prestativo, entre muitas qualidades que, se eu parasse para escrever, não haveria folhas suficientes. Do contrário, era muito ciumento. Seu pior defeito. Eu conseguia me controlar todas as vezes que via Gustav e, mais, quando o via agarrando Amanda na hora do recreio. Aquilo era insuportável, porém, tragável.
Certo dia mamãe quis dar uma incerta comigo. Perguntou-me se eu sabia sobre Dimitri o necessário para atar um namoro. Eu havia lhe respondido somente também o necessário, mentindo em algumas ocasiões. Ela não acreditava muito, pois sabia que eu era péssima para mentir. Mas Dimitri e eu não estávamos namorando, ou assim eu acreditava. Eram apenas beijos. O que todos tinham como namoro, eu tinha como um simples "ficar sem compromisso".
- Eu quero saber com quem você anda, afinal todos os pais têm o dever de saber por onde os seus filhos andam – disse ela por fim, quando lhe dei um beijo e saí porta afora com uma barrinha de cereal numa das mãos.
Nem eu mesma sabia sobre Dimitri. Como ela queria que eu lhe contasse alguma coisa?
Cheguei atrasada para minha aula de direção. Quando saí, isso por volta de meio-dia atravessei a rua para comer numa lanchonete qualquer coisa que pudesse enganar meu estômago. Sentei-me numa mesa, de costas para a calçada, quando alguém beijou minha nuca delicadamente. Virei o rosto; Dimitri. Estava com um boné de aba reta virado para trás, de bermuda xadrez e regata branca. Estava em cima de uma bicicleta Caloi TRS de esportistas de Mountain Bike.
- O que você faz aqui? – disse-lhe, fechando minha agenda. Ele não sabia se me olhava ou olhava para minha agenda, que ultimamente se transformara muito em um diário particular.
Na verdade, eu guardava minha agenda a sete chaves. Como toda adolescente que se preze, comecei a escrever o meu dia a dia nela ou, quando esquecia, fazia um resumo sobre o que aconteceu comigo durante a semana inteira. Mas havia algo muito mais interessante que o meu dia a dia. Ali, eu estava relatando todos os sonhos que eu até agora estava tendo com Gustav e Dimitri. Todos os pontos cruciais. Eu sabia que poderia ser bobagem para algumas pessoas acreditar em Anjos e Demônios, mas eu acreditava. E graças a tudo o que vi em Viena, minhas hipóteses com Dimitri e Gustav estavam mais do que fortalecidas a cada dia.
Se Dimitri fosse mesmo um Anjo, ele tinha de ser o meu Anjo da Guarda, ou não. E Gustav, meu Anjo da Morte, ou não. O Anjo que fora enviado para me seduzir e acabar comigo. Mas eu não conseguia distinguir quem era quem, uma vez que até o mais maléfico pode se esconder em pele de cordeiro. E mais, eu não conseguia ver, por mais que fosse uma Enviada do Todo Poderoso, os Anjos e Demônios que rondam as pessoas para protegê-las e para fazer-lhes mal, respectivamente.
Encarei as costas de Dimitri quando ele disparou com a bike em direção a alguns amigos. Ele nunca ficara sem camisa nem nos dias mais quentes, a não ser em meus sonhos, até mesmo Gustav que usava mais regatas e polos. Convidei Dimitri num domingo de sol para irmos às pedras do Arpoador, mas ele desviou o assunto, recusando o convite que lhe fiz, alegando sentir-se indisposto por causa de alguma coisa que havia comido no sábado à noite. Disse-lhe para me dar o endereço de sua casa, mas ele ficou irritado com minha intromissão.
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Enviada - Série Eternos
Teen FictionSinopse de Enviada - Série Eternos Tudo havia se tornado turvo em minha mente. Talvez fosse mais um dos meus sonhos esquisitos. Porém, não era. Frederik perdera suas asas. Meu Anjo se fora para talvez nunca mais voltar. Eu precisava me convencer que...