CAPÍTULO XVII - REAPROXIMAÇÃO

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Talvez eu estivesse irrevogavelmente apaixonada por meu Anjo da Guarda, incrivelmente belo e enviado para me proteger, porém, meu Anjo da Morte me tocou bem mais do que eu poderia imaginar. Isso mudava muito a lógica das coisas e fugia a regra: preferir o lado obscuro ao da luz.

Eu fugia de Gustav. Não andava no mesmo pátio que ele andava, nem me sentava perto dele para fazer nada. Era algum tipo de fobia que eu mesma havia criado contra ele. Algum tipo de repulsa ou coisa parecida. Ele queria, eu sabia, falar comigo e explicar mais sobre as suas verdadeiras intenções, mas como eu iria agir com um... ser... que na verdade queria me matar...?

Éramos inimigos mortais desde o início. Eu nem sei por que eu o deixei se aproximar de mim, desde o primeiro dia em que me deu carona quando saí da biblioteca. Mas, como sempre, era inevitável. Ele era um Anjo tão maravilhoso e sedutor que eu não tinha coragem de lhe recusar nada. Agora, eu não sabia como ele se comportava quanto a isso. Será que suas palavras eram verdadeiras. Eu tinha de acreditar em sua história e quebrar meu dever com aquele que me mandou para a Terra e me incumbiu de uma tarefa que eu nem sei se conseguiria cumprir? Eu sucumbi aos pés de Gustav somente por sua beleza inumana... Aconteceria com outros também, eu sei que aconteceria.

Se eu aceitasse Gustav novamente em minha vida, eu estaria abrindo mão de muitas coisas. Minha paz e, principalmente, o amor de Dimitri. Não suportaria viver sem ele, mas eu sentia falta de poder ao menos ver Gustav sem ter de virar o rosto. Sentia falta do pouco que ele falava e do muito que ele me olhava. Tinha saudade do lado obscuro ao qual ele me conduzia nas poucas vezes que estava com ele. Praticamente um mês de "separação". Eu não aguentava mais. Ao menos, nos mais de dois meses anteriores que estive mais próxima de Dimitri, eu encarava Gustav nos olhos, agora nem isso eu conseguia fazê-lo. Estávamos separados por um muro de tijolos invisíveis que eu mesma havia criado. Mas eu o queria derrubar e poder pular nos seus braços fortes e dizer-lhe que eu o amava mais que tudo na vida. Que eu queria ficar com ele sempre, até que a morte nos separasse. Porém, havia Dimitri em nosso caminho. Seria uma injustiça deixá-lo de lado agora. Ele se sentiria um objeto descartável. Utilizável apenas no momento, depois jogado fora quando não é mais necessário. E ele nunca me perdoaria por tal traição.

No baile de Primavera, em meados de outubro, Dimitri havia me buscado em casa. Pensei muito na possibilidade de Gustav estar acompanhado por Amanda, mas eu me enganei, a partir do momento em que o vi parado com um copo de refrigerante nas mãos, na entrada do ginásio do colégio. Estava irresistível de smoking, por sinal. Os cabelos com gel e todos os apetrechos necessários para um baile. Passavam das nove da noite quando o diretor Ribeiro subira ao palanque para anunciar quem seria o rei e a rainha do baile. Uma urna fora trazida pela Prof.ª Isabelle e depositada em cima de uma mesa vazia. Ele agarrou o microfone com cuidado e encarou a multidão de alunos após um breve e indiscutível discurso chato.

- Temos o prazer de anunciar os ganhadores do primeiro baile de Primavera do São Judas.

Uma parcela da multidão extasiada irrompeu em vaias da quadra, outra ficou quieta e um grupo de mais de dez alunas – bajuladoras de Amanda – aplaudiram sem parar. Amanda estava surpreendentemente linda. Com o melhor e mais belo vestido da festa. Não havia ninguém páreo para ela. Ou pelo menos foi isso que pensei quando o diretor pronunciou o meu nome em alto e bom som. Dimitri sorriu para mim. Não estava acreditando naquilo. Vi um grupinho de garotas furiosas xingando-me de algum canto próximo as caixas de som, outras alegres e Amanda com um olhar de indignação. Subi no palanque, e quando virei o corpo para encarar a multidão de alunos e professores, bem no fundo, embaixo de algumas lâmpadas japonesas pendidas sob beirais, vi Gustav sorrindo para mim. Ele levantou o copo de refrigerante, me felicitando. Não queria pensar naquele momento em algum tipo de manipulação na contagem dos votos. Mas por que não? Amanda era bonita, sim, mas se eu ganhei, sinal que eu possuía alguma beleza também.

Enviada - Série EternosOnde histórias criam vida. Descubra agora