Quando Gustav me olhou furtivamente, assim que desceu de sua Kawasaki verde, não pude deixar de retribuir seu olhar.
- Gustav já deveria estar no terceiro ano – comentei sozinha.
- Repetiu – cochichou uma voz trêmula no pé do meu ouvido. – Ninguém sabe ao certo como ele conseguiu fazer isso, sendo que sempre foi excelente aluno.
Virei o rosto, Dimitri estava rente a uma picape laranja que mais parecia a uma pilha de ferrugem. Recostei-me nela também.
- Andei checando alguns arquivos dos últimos três colégios onde Gustav e os irmãos estudaram. Achei que você iria querer dar uma olhada? – Dimitri continha em mãos uma papelada embaraçosa. – Gustav é um senhor-encrenca em pessoa, após meados do ano passado. É intrigante o fato de ele, de uma hora para outra, se rebelar e repetir o segundo ano. Ele era, ou ainda é, um excelente aluno.
- E de onde eles são? – perguntei.
- Aqui diz que vieram de Santa Catarina, de uma cidadezinha do interior. – falou Dimitri. – Tem dois irmãos mais velhos, Anjo: Alois e Ida, ambos gêmeos de vinte anos, ele, que é o do meio, e Otto, o mais novo, de quinze anos. Aquelo Reltih é o pai deles, e Aloisa, a mãe. Os Reltih são uma família muito bem de condições financeiras. Mas ninguém sabe o porquê de deixaram suas vidas no sul do país repentinamente, no começo do ano, para virem morar no Rio de Janeiro.
- Não há mais nada? – Virei-me de costas e analisei, junto a Dimitri, a papelada toda em cima do capô da picape.
Vasculhei algum indício de culpa nas notas dos irmãos Reltih, mas nada encontrei. As notas de Gustav nos dois primeiros bimestres eram excelentes. Nenhum B, C, ou até mesmo F. Porém, a coisa mudou de rumo no terceiro bimestre em diante, para ele. Repetira não pelas notas e, sim, pelo mal comportamento e agressão a alguns alunos, e inúmeras faltas consecutivas.
- Onde é que eles moram aqui no Rio? – perguntei.
- Cosme Velho – respondeu-me Dimitri, juntando os papéis rapidamente, já que Amanda se aproximava de nós, indo em direção onde Gustav se apoiava na moto. – Em uma casa bem abastada, por sinal. Mas não queira se meter com eles, Angela. Vejo que esse garoto é um problemático mesmo!
Encarei Gustav novamente. Amanda só faltou se jogar em cima dele, fingindo tropeçar em uma pedra.
- Fiz isso para mostrar que eles não são corretos, Angela. Aqui diz que Aquelo faz parte de uma sociedade secreta, e é um empresário muito respeitado no ramo de celulose. Ele tem fábricas de papéis espalhadas por todo o país. A SL Celulose e Cia.
- Você quer dizer o quê, com isso? Bem, hoje em dia, qual desses ricaços não adere a uma sociedade secreta? – grunhi. – Além do mais, Aquelo deve empregar muita gente. Isso mostra que eles são incorretos, Dimitri?
Por mais que ele abraçasse Amanda como um louco apaixonado, ele me encarava de devaneio por cima dos ombros daquela Paty arrogante.
- Todos nós guardamos alguns segredinhos, mas nem todos conseguem escondê-los por muito tempo. Sempre há alguém que possa descobri-los.
- Você está tomando conclusões precipitadas! – disse Dimitri, abrindo a mochila e jogando a papelada bem no fundo.
Meus cabelos se eriçaram como a crista de uma siriema.
Estávamos na aula de Ed. Física. A quadra cheia. O lugar mais detestável para mim, já que teria de ficar de short, blusa e tênis e, o principal, ter de jogar. Gustav ensinava alguns novos arremessos à Amanda, de um jeito muito íntimo – a megera já estava sem sua bota ortopédica. Ela deu um gritinho eufórico quando conseguiu arremessar a bola no campo adversário. Só havia os dois no meu campo de visão quando aquela magrela o beijou. Fiquei com um sentimento de perda naquele momento. Gustav nunca me veria como uma garota para namorar. Eu não tinha os mesmos atributos que Amanda tinha. Isso era fato. E, pensando por outro lado, eu não queria ter mesmo a vulgaridade dela. Não adiantava eu ter beleza alguma, já que, de alguma forma ou de outra, ele me bloqueava de uma tal maneira que eu jurava que não era de propósito.
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Enviada - Série Eternos
Teen FictionSinopse de Enviada - Série Eternos Tudo havia se tornado turvo em minha mente. Talvez fosse mais um dos meus sonhos esquisitos. Porém, não era. Frederik perdera suas asas. Meu Anjo se fora para talvez nunca mais voltar. Eu precisava me convencer que...