PRÓLOGO - CONTO: O SERVO DO DIABO

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Ele era um homem sem nome para aqueles que acabaram de assassinar sua mulher e filho a sangue frio. Os seus irmãos lhe contaram que havia um grande povoado chamado quilombo e ficava no meio da mata, livre do inferno da escravidão.

As últimas palavras de sua mulher não conseguiram ser ditas pois a bala banhada em pólvora atingiu-a na garganta e a fez cair tremendo em dor numa poça enorme de sangue, a única reação do homem sem nome foi sentir-se incapaz. Seu filho, um menino pequeno, logo se aproximou do corpo da mãe que tremia no chão com um buraco na garganta e tentou dizer palavras de apoio para ela levantar, logo também levou uma bala que explodiu em pólvora na mão do atirador e atingi-o direto na cabeça, fazendo a pequena criança cair e morrer antes mesmo que a própria mãe.

O pai sem nome encarou aquilo incrédulo com olhos arregalados. Como aqueles homens tinham tanta crueldade no coração? Eles só queriam ser livres do sofrimento, igual a qualquer ser humano. A incapacidade o dominou por completo, ele caiu em prantos se ajoelhando no chão e instantaneamente se lembrou das palavras daqueles jesuítas sobre um tal Deus que sempre estava presente e sempre poderia salvá-lo independente da situação. Ele olhou para o céu e ofereceu tudo àquele Deus, sua alma seria eternamente dele caso ele o ajudasse a matar aqueles homens que assassinaram sua família. Foi aí que o primeiro projétil explodiu na mão do homem e o atingiu no peito e a dor nem pareceu se igualar à dor que ele sentia pela perda, foi como levar um soco de seu filho. Ele implorou a Deus que lhe desse força para exterminar os homens que impediram sua família de ser livre, mas ele não sabia que não era assim que Deus funcionava, ele levou mais tiros porém os ignorou do mesmo jeito, apenas caiu deitado em uma enorme poça de sangue que brilhava com o sol poente.

Por um segundo tudo mudou, tudo ficou escuro e ele foi parar num lugar que não sabia qual era e apenas um homem estava na sua frente, com um grande sorriso no rosto. O lugar era um vazio infinito e só aquele sorriso macabro do homem misterioso à sua frente se mostrava em meio a escuridão. Ele dizia não ser Deus, mas sim o filho dele, o diabo. O homem sem nome se lembrava das falas dos jesuítas sobre o diabo, uma besta chifruda e vermelha que traiu Deus e representava toda a maldade, mas que mal ele podia trazer a um homem à beira da morte? O diabo então disse ao homem sem nome que se ele servisse-o para toda a eternidade aqueles grilhões que prendiam seus braços se quebrariam e ele teria a força de mil homens podendo assim ter sua vingança contra os assassinos.

O homem sem nome não tinha outra saída senão aceitar, era aquilo ou a morte. Assim que aceitou escutou uma gargalhada alta do lado de fora daquele vazio, no mundo onde ele estava, no meio da mata onde tentara fugir, a risada se espalhou pela selva e os assassinos a escutaram. O homem sem nome também começou a rir, riu tanto que seu sorriso chegou às orelhas e seus olhos saltaram para fora do rosto, como se algo estivesse esmagando-lhe a cabeça. Foi então que os grilhões que o prendiam pareciam de papel e foram quebrados ao meio e suas feridas de bala começaram a cicatrizar como se não fossem nada, e aqueles homens que pareciam felizes no pôr do sol de hoje, começaram a se sentir acuados. O homem que não tinha nome agora seria intitulado como aquilo que o fez voltar de volta a vida, ele correu na direção dos homens gargalhando de maneira macabra, as balas não o machucavam mais. O homem sem nome agora tinha sua vingança estabelecida, esmagou a cabeça dos dois assassinos como se fossem mangas podres e enquanto isso saltava e corria para a floresta como um louco sorridente. O homem sem nome agora tinha algo a se intitular, seu nome era o que ele representava, a vingança contra aqueles que o fizeram sofrer, seu nome agora era Troco.

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