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5 de Março de 2022 - 22:03

O fogo começou a queimar tudo bem rapidamente, enquanto eu e Carlos esperávamos Leo aparecer com Troco na cola dele. O ambiente estava ficando ferrenhamente quente, suor começou a escorrer por minha testa e Carlos encarava ferozmente a janela da garagem no aguardo de ver o monstro atrás de Leo. E foi o que aconteceu, com passos pesados, emitindo sons maiores que o do fogo, Troco vinha correndo atrás de Leo que apareceu correndo e virando à direita na direção da porta ele gritou:

- VÃO PRO PORÃO! - Ele arfava pesadamente - EU LEVO ELE ATÉ LÁ!

Como não fazia sentido sairmos correndo para fora, pois Troco estaria fora da armadilha ao nos acompanhar, eu e Carlos nos entreolhamos suados como porcos no verão e fomos correndo até o porão.

Era literalmente um caminho entre as chamas, o plano de deixarmos um corredor sem gasolina para que pudéssemos passar deu certo e nós fomos a esquerda da casa na direção das portas onde havia a descida para o porão. Abri a porta dando uma ombrada e empurrando a maçaneta arrombada para baixo, Carlos veio logo atrás.

Eu desci as escadas correndo, vi Carlos vir junto e fomos pro fundo do porão que era um espaço não muito distante, precisaríamos de muita velocidade para driblar Troco ali dentro. Leo veio logo atrás após alguns segundos, ele desceu as escadas, mas numa falha ele caiu das escadas tropeçando e rolando até o final delas. Carlos correu na frente pra ajudar Leo e eu tentei segui-lo, mas Troco veio rápido demais gritando:

- QUATRO, QUATRO, QUATRO, QUATRO! - Ele desceu as escadas rapidamente e pisou na cabeça de Leo.

Leo deu um último olhar assustado para mim estendendo a mão, até que Trocou colocou todo o peso do seu enorme corpo no pé direito e esmagou a cabeça de Leo. Carlos parou de correr na direção dele e veio andando de costas até mim:

- DESGRAÇADO! - Gritou Carlos para Troco - POR QUE VOCÊ TÁ FAZENDO ISSO.

Quase que numa resposta Troco pareceu falar e foi aumentando gradativamente o tom de voz:

- Cinco, cinco, cinco - Ele falou mais baixo que o normal - CINCO, CINCO! - Gritou ele de maneira assustadora.

- SEIS! - Gritou Carlos em resposta para Troco - SEIS!

E pela primeira vez Troco pareceu reagir a algo, não parecia mais um demônio, por um segundo ele pareceu humano, como provavelmente um dia fora.

Mas isso não o impediu de sair correndo na direção de Carlos que desviou de um soco dele se abaixando.

- VAI PRA ESCADA HEITOR - Gritou Carlos vindo em minha direção.

Eu corri na direção da escada passando por Carlos e por Troco, este que me ignorou completamente. Por um segundo encarei seu rosto assustador e senti um calafrio fino na ponta de cima da espinha, vi marcas de tiro em sua cabeça efetuadas por Leo, sangue escorria na lateral da sua cabeça mas parecia cicatrizar extremamente rápido.

Carlos gritava mais e mais com Troco, quando cheguei ao pé da escada passei pelo corpo de Leo, lágrimas escorriam por meus olhos e ao olhar pra cabeça dele esmagada por poucos segundos senti uma forte ânsia de vômito, mas rapidamente virei o olhar, peguei o galão de gasolina eu havia deixado no pé da escada e comecei a subir. Enquanto subia, vi Carlos desviar de Troco mais uma vez, o filho da puta era realmente o mais rápido. Ele deu um drible em Troco passando por sua direita e correu na direção da escada gritando:

- VAI, VAI, VAI!.

Eu subi os degraus correndo como um louco e me posicionei no último degrau colocando o galão de pé, esperando Carlos passar para jogar o isqueiro dentro dele.

Tudo se moveu em câmera lenta a partir daqui, vi Carlos correndo, suando, arfando ao chegar ao pé da escada, ele escorregou de lado mas logo se ergueu e começou a subir. Troco bravejou gritando:

- CINCO, CINCO, CINCO!- Ele olhou pra cima com o peito aberto - CINCO, CINCO!

Carlos passou por mim e eu demorei um pouco para processar o que eu tinha que fazer.

Jogar o isqueiro dentro do galão para gerar uma explosão, pensei comigo mesmo.

Foi quando assim o fiz, Troco se virou e veio correndo na direção da escada, eu acendi o isqueiro em cima da boca do galão e o soltei, me virando rapidamente para a porta na direita, mas não tão rápido quanto eu gostaria, a explosão me empurrou e eu bati de cara na porta, me senti um pouco tonto mas logo me recuperei, ao olhar para trás vi que escada havia sido destruída e Troco ardia em chamas. Eu fiz o dedo do meio pra ele e saí correndo por entre as chamas, que estavam muito maiores agora, prestes a consumir toda a casa e já invadindo o caminho de não-fogo que eu e Carlos deixamos. Devo ter queimado o braço na explosão, mas a adrenalina me fez não notar isso. Carlos estava mais a frente e correndo para a porta dupla de correr e consequentemente saiu da casa em chamas, eu fui logo atrás e saí também. Arfando e com as mãos no joelho ouvi Carlos dizer:

- O sacrifício de Leo não foi em vão - Ele olhou para as chamas determinado - Vamos sair daqui.

Eu assenti, viramos a esquerda passando pela garagem e vendo pela janela o fogo parecia dançar lá dentro da casa, dançar até demais. Foi reparando na janela na minha frente e de Carlos à esquerda que as chamas passaram a se mexer de maneira ainda mais estranha, e um braço saiu de dentro da casa, quebrando a janela eu e Carlos paramos de andar assustados, num pulo lateral Troco saiu de dentro das chamas.

Troco bravejou, berrou e veio na minha direção, ou pelo menos foi o que eu achei, mas segundos depois notei que ele estava atrás de Carlos. As roupas de Troco estavam queimadas e misturas com a pele, apenas sua calça restara mostrando um peitoral em carne viva extremamente magro, não demonstrava nem um por cento da força que ele tinha. Carlos deu a volta pela direita da garagem e arrancou na corrida mais rápida de sua vida. Eu me senti inútil e ainda mais incapaz, Troco me ignorava novamente.

Por que?, questionei a mim mesmo.

Numa tentativa desesperada, quando Troco estava quase alcançando Carlos e eu estava parado observando tudo, um impulso me moveu e por algum motivo eu senti que seria capaz de correr e então corri, fui na direção de Troco e mesmo que ele estivesse parcialmente em chamas eu o agarrei, senti minha pele queimar, as dos braços e do peito e metade direita do rosto que encostava em Troco.

Foi uma tentativa tola e infantil, mas pareceu parar Troco por alguns segundos:

- HEITOR! - Ouvi Carlos gritar sem vê-lo.

- CORRE, ELE SEMPRE ME IGNORA, APROVEITA ESSE TEMPO! - Gritei enquanto a pele do meu corpo queimava cada vez mais.

Troco então me deu uma cotovelada no peito me jogando para trás e eu voei alguns metros, com certeza quebrei algumas costelas nessa pancada. Ele então fez uma pose de corrida, e avançou, mas numa velocidade muito superior à humana, quase como Flash, ele correu e alcançou Carlos.

Carlos começou a gritar quando Troco agarrou seu pescoço, mas logo foi sufocado e como uma barata Troco esmagou o pescoço de Carlos e jogou seu corpo morto no chão, junto a isso ele gritou:

- SEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEIS! - Ele gritava parado, com o peito aberto e olhando pro céu - SEIS, SEIS, SEIS, SEIS, SEIS!

Eu me ajoelhei e a dor que afligia minha pele queimada não era nada comparada à dor que eu sentia no meu peito. Eu comecei a chorar, lágrimas começaram a jorrar de meus olhos, catarro saía de meu nariz e eu gritava e socava o chão da garagem olhando Troco gritando no pasto com o corpo de Carlos ao seu lado caído no chão.

Foi aí que Troco começou a desaparecer em pleno ar, como se uma chama o consumisse, em brasas ele foi desaparecendo e junto a isso eu comecei a me lembrar. Eu realmente era o culpado de tudo isso, não por escolher a fazenda de um satanista, mas sim por ser o responsável por todas aquelas mortes. Uma dor de cabeça me atingiu em cheio e junto a isso eu me lembrei do que havia feito.

TrocoOnde histórias criam vida. Descubra agora