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Perdoem-me pelo que eu fiz.

Involuntariamente este foi o primeiro sentimento que me veio à mente, mesmo que eu não saiba o porquê de estar sentindo isso. É como se meus sentimentos tivessem entrado numa roleta-russa e o que foi selecionado se resumia em uma palavra: arrependimento. Parando pra analisar agora eu estava parado no quintal de casa na frente de um latão de metal cheio de madeira queimada. O cheiro de fumaça recém apagada preencheu minhas narinas e minha primeira reação foi colocar o braço na frente do nariz numa tentativa de não me sufocar com aquilo.

Fui eu quem jogou água dentro deste latão?, pensei comigo mesmo.

Por um instante eu senti que fui teleportado de dentro de casa para o quintal de forma sobrenatural e alguma coisa queria que eu me sufocasse com essa fumaça de merda. Um vento forte bateu, e como já era início de noite eu senti o frio percorrer por dentro das minhas roupas, minha calça jeans preta e minha blusa azul-escuro parecem não servir de nada neste instante. Após alguns segundos o vento dissipou a fumaça e eu pude ver dentro do latão marrom-enferrujado que havia algo além da madeira queimada. Haviam resquícios de algo que foi recentemente consumido pelas chamas que eu supostamente apaguei com água, eu fiz essa suposição pois ao olhar para o lado vi o velho balde de plástico verde-escuro que minha mãe tanto amava e dizia ser mais resistente que tudo que ela já viu. Eu me aproximei dele e vi que restara um pouquinho d'água em seu fundo.

Mesmo vendo mais claramente as coisas à minha volta eu não conseguia me lembrar de como eu havia vindo parar ali, ou como eu apaguei aquelas chamas dentro do latão, ou se fui eu que acendi o fogo que fora recém apagado. Tudo estava confuso e minha cabeça começou a doer com certa intensidade na parte frente, como se eu tivesse levado um soco diretamente no cérebro, minha visão ficou turva por alguns segundos e eu coloquei as mãos na frente dos olhos, esfregando-os na tentativa de voltar a enxergar normalmente. Foi aí que aquela angústia do arrependimento se intensificou em meu peito e eu pensei estar tendo uma crise de ansiedade, como isso já havia acontecido antes eu comecei a usar minha técnica para parar com aquele sentimento. Penso que está tudo bem, eu estou em casa, minha mãe se encontra lá dentro vendo um de seus filmes ruins e eu estou em paz, eu acho.

Sinto uma gota quente de sangue escorrer pelo meu nariz até meu lábio superior, eu esfrego a mão nela para impedir que ela continue escorrendo e corro na direção do tanque que fica numa área junto ao quintal na parte de fora da minha casa. Rapidamente eu ligo a torneira do tanque, junto um punhado d'água com as duas mãos e limpo o sangue que acabou de sair do meu nariz. Ouço minha mãe pausar o que ela está assistindo e vir em minha direção, rapidamente ela aparece pela porta dos fundos, ao lado do tanque e me encara com pesar nos olhos dizendo:

- Filho, o que aconteceu? -Ela se aproxima de mim e me abraça com força.

- Nada mãe, estou bem - Minto como de costume.

- Então por que você está chorando? - Só aí eu senti as lágrimas caindo como rios de meus olhos. O arrependimento se intensificou ainda mais, arrependimento esse que eu desconhecia o motivo, assim como desconhecia a razão daquelas lágrimas.

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