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5 de Março de 2022 - 17:55

Cerca de trinta minutos se passaram, isso significava que estávamos mais ou menos na metade do caminho. Durante esse tempo nós praticamente só jogamos conversa fora, Luana conferiu o celular algumas vezes, eu também e Carlos dirigia focado na estrada enquanto cantarolava algumas vezes. Consequentemente um silêncio se estabeleceu e Luana se lembrou de algo que eu não queria falar:

- Ah, é mesmo, tava matutando algo aqui mas agora lembrei - Ela se sentou no banco do meio e se esticou entre eu e Carlos - Você tem que contar algo pra nós, senhor Heitor.

- Contar o que? - Questionou Carlos olhando pra mim e rapidamente voltando os olhos para a estrada.

- Ele me disse algo sobre estar doente - Disse Luana me encarando enquanto eu olhava pra estrada fingindo não escutar.

- Como assim doente? - Carlos falou num tom mais sério que o normal - O que você tem cabeça de pica?

Eu respiro fundo, olho para os dois e digo:

- Não é nada sério, não precisam se preocupar - Eu volto a encarar a estrada, e novamente um silêncio se estabelece.

- E aí, não vai nos contar não? - Disse Luana se escorando em seu banco.

Eu respiro fundo e devagar, quase bufei o ar, e então falei:

- Eu tô com uns problemas de memória - Carlos mantém a posição dirigindo, como se estivesse esperando eu falar mais - Tenho esquecido coisas ou situações que acontecem na minha vida - Encaro Carlos - Foi por isso que você veio dirigindo Carlos, minha mãe não deixou eu vir dirigindo por isso.

- Isso é sério Heitor - Disse Luana - Você já foi num médico?

- Ainda não - Falei olhando pra trás na direção dela - Mas já tenho consulta marcada com um.

- Bom - Disse Carlos - Faz quanto tempo que você tá com esse Alzheimer?

- Não sei ao certo - Vasculhei meus pensamentos e não encontrei uma resposta para esta pergunta - Talvez alguns meses?

- Isso é muito tempo Heitor - Falou Luana - Por que não nos contou isso antes?

- Eu pensei que não fosse nada demais - Falei voltando a encarar a estrada - Só estou falando porque minha mãe me fez prometer.

- Você devia ter nos contado isso antes seu merda - Exclamou Carlos - Pra que esse drama todo em nos contar?

- Eu não queria preocupar vocês - Falo enquanto abaixo a cabeça - Além de que, dona Talia pediu pra vocês ficarem de olho em mim, caso algo aconteça.

- Ela fez o certo - Disse Luana enquanto se mudava para o banco ao lado da janela - E isso tem algo haver com aquele seu "pico de adrenalina" mais cedo?

Hesitei por alguns segundos, mas já estava me sentindo mal por não ter contado sobre a perda de memória antes, não iria esconder outra coisa deles, logo eu disse:

- Assim que cheguei em casa ontem após ir no mercado com o Carlos eu me esqueci de ter feito isso.

- Literalmente do nada você esqueceu de algo que acabou de fazer? - Falou Carlos.

- Sim.

- É pior do que eu imaginava então - Continuou Carlos após me dar um soco leve no ombro - Mas como você lembrou disso, já que está nos falando que foi ao mercado.

- Eu vi um homem no mercado, ele era negro, alto, usava sobretudo e chapéu, estiloso como nos anos trinta - Olhei para meus amigos e notei que eles estavam prestando muita atenção no que eu dizia - Ele me falou algo estranho sobre eu ter me arrependido de algo que fiz, logo após ele fez uma cara de desentendido e saiu do mercado.

- Parece história de filme - Disse Carlos ainda num tom sério.

- Então - Disse apontando pra ele com as duas mãos - Mas piora, hoje quando eu estava no posto eu vi ele novamente virando aquela esquina e eu só me lembrei da conversa com ele e de ter ido ao mercado nessa hora.

- Mas o que caralhos isso significa - Disse Luana encarando a estrada pela janela de trás - O que exatamente ele te disse, você se lembra?

- Ele disse: "Espero que nosso trato ainda esteja de pé Heitor, ou você já se arrependeu do que fez?" - Eu tento imitar a voz dele - Logo após ele me olhou com uma cara estranha, disse que tinha entendido, pediu desculpas e foi embora.

- As vezes foi um engano mesmo - Disse Carlos tirando o tom sério de sua voz - Ele se veste como um agiota, às vezes cobrou do cara errado.

- Nem fodendo que isso foi engano - Exclamou Luana olhando para Carlos - Tem alguma coisa aí.

Essa fala dela me deixou com um pouco de medo. E se eu fiz algo relacionado àquele homem e me esqueci? Afastei esse pensamento pra não surtar. Logo ouvi Luana dizer:

- Vamos entender melhor essa história depois dessa festa - Ela escorou no banco e pareceu relaxar - Hoje não é dia pra se estressar com isso.

Um novo arrepio veio a minha espinha, mesmo com as palavras reconfortantes de Luana eu senti que algo estava errado e talvez isso não fosse esperar até depois da festa.

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