Para aliviar o clima pesado e a minha tensão eu resolvi responder com algo engraçado:
Quase me matando de curiosidade nem tem como eu dizer não né caralho, mas que porra de pergunta é essa?
Ela riu com diversos emojis, parecia gargalhar por de trás da tela de seu celular, enquanto eu suava frio pela ponta dos dedos ao digitar. Após alguns segundos apareceu que ela estava digitando e eu recebi a seguinte mensagem:
Vc se fudeu mais ainda pq eu decidi que só vou te falar pessoalmente.
Esse papo de falar pessoalmente era algo que Luana costumava fazer com certa frequência, e eu já estava ligado que não importava o quanto eu pedisse pra ela falar agora ela não ia fazer isso. Então eu simplesmente mandei uma figurinha engraçada pra esconder minha raiva. Eu era todo bobo por ela sim, sentia algo por ela que não conseguia descrever e por ser um covarde nunca consegui me declarar, mas eu sinceramente odiava isso de falar pessoalmente, me deixava com ódio, mas como disse sou covarde demais pra expor o que realmente sinto.
Passei alguns segundos olhando pro forro de PVC do teto do meu quarto com uma raiva acumulada no peito enquanto pensava em como as coisas seriam mais fáceis se eu simplesmente soubesse como falar o que estou sentindo, tanto pros meus amigos, pra minha mãe ou pra garota que eu gosto desde o ensino médio. Nesses poucos segundos percebi que não ia adiantar muito eu ficar remoendo dores como um triturador em meu peito e decidi que iria comprar minhas cervejas pra amanhã logo agora durante o começo da noite. Mandei uma mensagem para Carlos perguntando se ele queria ir comprar junto comigo e ele como sempre respondeu rápido com um sim resumido a apenas a letra "s". Eu sentei na cama, calcei meus tênis pretos, levantei e saí do quarto. Ao passar pelo corredor de tênis minha mãe questionou:
- Você está mesmo bem pra sair filho? - Ela pausou o filme enquanto falava - Não tenta fugir disso dessa forma.
Eu passei direto pela sala e fui na direção da porta, onde ao seu lado havia um porta-chaves que havíamos comprado de um ambulante numa viagem à Pernambuco no ano passado, ele era quadrado e ficava preso à parede por um prego, nele estava pintado a mão uma bela praia com sol poente, por alguns instantes me senti hipnotizado em memórias do passado e em como tudo parecia bom no passado, antes de descobrir que minha mãe tinha um câncer no útero.
- Tô bem mãe, de verdade - Ela me encarou no fundo dos olhos como se descaradamente visse minha mentira - Não vou fazer nada demais, só vou comprar bebida com o Carlos pra festa de amanhã.
Ela estendeu a mão e fez um gesto me chamando pra perto dela, eu me aproximei e agachei-me na frente dela que estava sentada no sofá cama que havíamos comprado faz alguns meses. Ela me deu um beijo na testa e disse:
- Vai com cuidado filho - Seus olhos pareceram esmorecer e agora de perto eu pude ver como a quimioterapia estava acabando com ela. Seu rosto estava magro e com rugas ao redor dos olhos, seu cabelo curto que era tão grande e chamativo antes de ser cortado, seus lábios pálidos e secos com ameixas, era deprimente, era como se por um segundo ela transparecesse toda a dor que estivesse sentindo, e rapidamente ela percebeu isso e abriu um sorriso e seu brilho no olhar voltou - E manda um abraço pro Carlos, fala pra ele continuar te cobrando sempre em relação ao seu rolo com a Luana - Eu fiz uma cara de raiva pra ela e ela deu uma gargalhada, eu saí de sua frente e segui até o porta-chaves pra pegar a chave do Santana vermelho-vinho que minha mãe tanto adorava e cuidava, como de praxe ela voltou a dizer - Cuidado com meu carro!
Eu assenti com a cabeça, saí pra garagem, entrei no carro, abri o portão elétrico e dei ré com o carro seguindo na direção da casa de Carlos.
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Troco
Mystery / ThrillerTroco é uma antiga lenda que circula pelo Brasil e assombra milhares de crianças antes de porem suas cabeças nos travesseiros. Por algum motivo isso está conectado a uma festa que Heitor vai dar com seus nove antigos colegas do ensino médio numa faz...