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Após o incidente bizarro com a falta de memória, o sangramento nasal e as lágrimas involuntárias, eu voltei ao meu quarto depois de insistir várias vezes à minha mãe que eu não estava chorando de verdade. Ela realmente se preocupa comigo, isso faz meu coração se aquecer, mas logo após eu pensar nisso eu fico atordoado sobre o que acabou de acontecer comigo, por que caralhos eu estava chorando? Eu não sei, preciso organizar a festa de amanhã.

Talvez eu tenha descoberto o motivo de eu estar chorando, essa maldita festa que organizei cinco longos anos após o término do ensino médio. Eu não sei o que deu em mim de convidar cada filho da puta da turma pra irmos numa fazenda e enchermos a cara até que todos estivessem se arrastando de bêbados, talvez por essa parte boa, encher a cara talvez me fizesse esquecer dessa merda que eu fiz.

Eu chamei todos os vinte "colegas" da minha antiga turma do terceiro ano da Escola Estadual Rochedo Costa que fica na frente da famosa praça de mesmo nome, perto do centro de Aurora. Quando estava perto da formatura em 2017 eu jurei que nunca mais veria ninguém daquela merda de escola, com exceção de Carlos e Luana as únicas pessoas decentes que conheci naquele lugar, as quais mantenho contato até hoje.

Após eu me formar na escola comecei a cursar Tecnologia da Informação, entrei na faculdade sem saber do que diabos se tratava a Tecnologia da Informação e desisti dela logo no ano seguinte sem saber desta informação. Por sorte eu consegui um emprego diurno de telemarketing para uma das grandes companhias telefônicas que opera em Aurora. Eu trabalho das oito às seis mexendo com clientes insuportáveis a cerca de quatro anos de dentro do meu quarto direto do meu computador que comprei parcelado assim que entrei no serviço. Carlos e Luana tiveram destinos um pouco distintos do meu, na minha visão eles deram certo. Carlos está no último ano do curso de Engenharia Civil na faculdade federal do estado durante a noite e trabalhando num estágio de meio período durante a tarde e Luana está fazendo medicina numa das melhores faculdades particulares de Aurora e trabalhando durante o dia todo na clínica de seu pai. Mesmo que eu amasse esses meus dois amigos eu tenho que admitir que Luana se deu bem por conta do porte financeiro de sua família, Carlos é um caso a parte de esforço e superação, o cara é simplesmente foda, conseguiu passar em terceiro lugar numa faculdade federal no ano seguinte em que se formou, sendo o mais pobre de nós três e ainda por cima conseguiu um estágio bom durante a tarde numa empresa de construção civil.

Perto deles eu me sentia um nada, eu pelo menos tinha meu salário miserável para não depender totalmente da minha mãe, mas mesmo assim eu não fazia mais nada além de trabalhar, me sentia um completo inútil na maioria do tempo. A maioria dos membros da minha turma estava numa situação melhor que a minha, alguns piores, mas eu não costumo me comparar com quem é pior que eu, a ansiedade não deixa eu ver meu próprio valor e isso me mata um pouco todos os dias.

Dos vinte que eu convidei pra festa na fazenda que esqueci o nome, nove aceitaram. Eu não me lembro de ter montado o grupo no WhatsApp nem de ter conversado individualmente com cada um, mas ainda bem que eu o fiz, não sei se teria saco pra isso na última hora.

Ao entrar no meu quarto eu fechei a porta com o som do filme ruim que minha mãe estava assistindo se esvaindo aos poucos, segui na direção da minha cama, deitei-me nela e puxei o celular. Como eu havia esquecido de silenciar o grupo da festa, ele estava fervilhando em mensagens, eu também notei que haviam algumas mensagens no grupo do serviço, quatro mensagens de Carlos e uma de Luana. Por ordem de menos importante para mais importante eu abri as mensagens. No grupo do trabalho notei que nada nas conversas citava meu nome, isso significava que eu podia ignorar as mensagens, logo após abri o grupo da festa, neste a galera só estava tendo conversas nostálgicas sobre a época da escola, já que a maioria das coisas para a festa já estavam decididas. Abri as mensagens de Carlos e eram respectivamente:

Vai beber o que lá amanhã cabeça de pica?

Cê tá ligado que eu vou contigo pra fazenda né?

Tá demorando responder pq?

Espero que esteja finalmente desenrolando com a Luana

Um riso involuntário se abriu em meu rosto, Carlos era um legítimo filho da puta em toda palavra que saía de sua boca, e isso não era de todo mal. Eu logo respondi ele marcando suas respectivas mensagens dizendo:

Vou beber só cerveja mesmo mano, não tô afim de ficar louco

Sim, você já disse que ia comigo, já ajeitei o carro com mãe

Não sei, eu estava tendo uma crise ali agora, foi do nada

Tava dando ideia na sua mãe fdp

Ele rapidamente respondeu as minhas mensagens enquanto eu ainda as digitava:

Vc é um baitola mesmo, aproveita e cuida de mim, pq eu sim vou meter o loko. E que crise é essa que você estava tendo? Era de ansiedade de novo?

Eu já havia falado de maneira rasa para Carlos e Luana sobre minhas crises de ansiedade, o que era de se admirar já que eu tinha muita dificuldade em me abrir, até mesmo com eles. Eu respondi Carlos de maneira superficial dizendo que sim, era uma crise de ansiedade, e que eu estava bem, ocultando todas as estranhezas que aconteceram naqueles bizarros cinco minutos em que eu estava em frente a um latão enferrujado no meu quintal. Eu então fui abrir a mensagem que eu mais me interessava, a mensagem de Luana, só de ver a miniatura da foto dela eu já sentia umas coisas estranhas, a mesma sensação de quando a conheci no ensino médio, e a mesma sensação que sinto todas as vezes que a vejo, essa merda de sensação. Ela havia mandado a seguinte mensagem:

Posso te perguntar uma coisa séria?

Ao ler isso meu coração pareceu parar por alguns instantes e eu senti que iria desmaiar.

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