A verdade

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Quando Amélia viu a pequena garota correr assustada para longe dela e sumir na rua, a mulher finalmente deixou as lagrimas teimosas escorrerem por seu rosto fino, ela estava zonza, era muita coisa para se processar, Amélia não sabia ao certo o que fazer, havia passado tanto tempo, haviam sido tantos anos tentando esquecer e quando ela finalmente estava conseguindo ter uma vida normal novamente, aquilo acontecia? Por deus, ela nunca esperaria que sua filha fosse bater a sua porta pedindo para a conhecer, pedindo por informações e que respondesse a suas perguntas que pareciam não ter fim. Aquilo tudo havia sido de mais para Amélia aguentar, foram tantas emoções juntas, sua cabeça ainda não tinha parado de pulsar, estava doendo bastante.

A mulher finalmente conseguiu fechar a porta com delicadeza, encostando a cabeça contra a madeira gelada ela começou a chorar, estava apavorada, estava querendo pegar aquela pequena criança e a embalar em seus braços, queria a cobrir de beijos até que a pequena ficasse cansada de seu amor, mas sabia que não poderia fazer isso, ela tinha escolhido essa vida a muito tempo, por mais que detestasse, por mais que se odiasse era a escolha que tinha feito a muito tempo atrás.

Ver sua filha ali foi a melhor e a pior coisa que já tinha acontecido a muito tempo em sua vida, desde o nascimento da menina, desde que se viu obrigada a deixar a pequena para trás, não havia passado um dia, um segundo sequer no qual a mulher não pensasse nela, imaginando como ela era, qual a cor favorita da menina, qual suas matérias favoritas, quais roupas gostava de vestir, queria tanto ouvir o som da voz da menina a chamando de "mamãe" queria ter visto seu primeiro dente cair, seus primeiros passos, queria fazer parte da vida dela.

Quando Amélia conheceu Hannibal pela primeira vez, ela era apenas uma adolescente que estava entrando na faculdade de medicina, Hannibal era um jovem encantador, estava a dois anos na frente dela, ele era inteligente, educado, bonito, tinha habilidades incríveis, não tinha como ele não ser notado por todos. Ela não era nada comparada a um garoto como ele, inclusive ficou muito surpresa quando ele veio falar com ela pela primeira vez, ela nem precisava dizer que caiu de amores desde a primeira palavra que trocaram, ele era um jovem promissor, muito inteligente e charmoso e esse foi o início do fim.

Os dois começaram a namorar no final da faculdade e não demorou muito para Amélia estar gravida, mas ela começou a notar um jeito estranho em Hannibal, algo que ele escondia por trás daquele charme e carisma todo, saídas noturnas, segredos, toda aquela encanação com a comida e não poder chegar perto da sua querida e amada cozinha, ele era uma pessoa muito misteriosa, ele era estranho. Por um descuido dele, Hannibal acabou sendo flagrado por Amélia fazendo um pequeno "lanche noturno" e assim todo o encanto que ela sentia desapareceu, ela sentiu nojo, sentiu pavor, se sentiu a cima de tudo traída pelo homem do qual havia amado tanto.

Mas Hannibal era uma pessoa complicada, ele não pareceu se importar tanto com o fato de Amélia descobrir seu segredo, pelo contrário, ele parecia intrigado pela reação que ela teria, seu rosto sério a estudava como se tentasse ler ela como um livro, ele era muito bom nisso, quando ela ficou petrificada sem saber o que fazer, ele decidiu por ela, ele iria a devorar, prometendo que seria cuidadoso e delicado, não desperdiçaria nada dela, iria honrar o tempo que passaram juntos, ele a honraria.

Amélia se desesperou, não somente com a sua vida em perigo, mas sim com o fato de que carregava uma vida dentro de si, ela queria pelo menos salvar sua filha ou filho ainda não nascido, ela implorou ao canibal que pelo menos poupasse o bebê, isso o fez parar por alguns segundos, ele suspeitava que ela poderia estar gravida, mas não tinha certeza. A mulher achou que tinha tocado em um ponto sensível dele, que tinha conseguido chegar em suas emoções, achava que uma pequena parte dele a amava e iria repensar sobre o que estava fazendo, sobre o que tinha feito, mas ela estava enganada.

Hannibal prendeu Amélia com ele, já que ela carregava um fruto seu, ele não sabia a experiência de ter um filho, como era aquele sentimento de amar e se importar tanto com uma outra criatura viva, ele tinha fracassado com Misha, talvez essa fosse ser sua segunda chance, dessa vez nada o impediria de criar sua criança. Ele não foi cruel, pelo contrário, tudo parecia perfeito se não fosse o fato dela não poder sair de perto dele nunca...pelo menos até dar à luz a criança, Hannibal deu tratamento de uma rainha para Amélia, eles iam a jantares chiques, palestras, tudo, a diferença é que ela via de camarote suas presas.

Ele fazia questão de a torturar psicologicamente a lembrando de que ela era cumplice em seus crimes, de que ela observava, mas não fazia nada para impedir, ele sempre queria ver as reações que a mulher teria, Amélia se odiava por não ter coragem o suficiente para fazer alguma coisa, ela se imaginava lutando contra Hannibal, se imaginava ligando para a polícia ou então tentando salvar uma das vítimas dele, mas todos os finais eram o mesmo, ela morrendo e seu bebê morrendo junto com ela.

Aquilo tudo era uma tortura para ela, ser tão impotente perante aquele monstro, ela estava desesperada, já havia tentado fugir algumas vezes, mas ele sempre a achava e a castigava, ele matava alguém como castigo, mulheres, crianças... Ela aprendeu que se comportar era a melhor forma de salvar vidas, ficar quieta só faria ele se mover pelo menos uma ou duas vezes por mês, se ela desobedecesse, muitas pessoas morreriam e um único dia, ela não iria suportar saber que era culpada por tantas mortes, ela não ia aguentar ver as pessoas implorando por ajuda para ela e não poder fazer nada para as ajudar...

Mas então sua gestação estava no fim, ela começou a se apavorar, pois não teria mais serventia para Hannibal, ele poderia matar a ela e seu bebê, isso a assustava, ela tinha que fazer alguma coisa para salvar ela e seu filho ou filha, mas como? Ele a vigiava de perto, sempre sabia seus movimentos, conseguia ver quando mentia, ela não sabia o que poderia fazer para escapar dele.

Foi então que surgiu uma ideia, ela se mataria, não iria contra as regras dele, ninguém morreria, ela não iria se sentir culpada, quanto ao bebê ela poderia fugir para um hospital, sabia que seria muito arriscado contar sua história e que acreditassem nela, ainda mais sendo cumplice dele durante seus crimes, ela daria luz ao bebê e a esconderia depois disso iria finalmente ter paz. Ela saiu para o hospital avisando Hannibal que as contrações haviam começado, não era uma mentira e ele não estaria ao seu lado no parto, ela não iria contar quando seria, nem que tivesse que segurar a filha em seu ventre.

Quando o parto começou, ela não queria apagar, mas acabou desmaiando por algum tempo quando sua filha nasceu, ela estava exausta ainda mais depois de tudo que tinha passado, quando abriu os olhos novamente, ela deu de cara com Hannibal, na sala de parto segurando a criança nos braços e um pouco zangado com ela por não ter contado a verdade a ele. Mais uma vez o desgraçado tinha estado a dois passos a sua frente, ela não poderia fazer nada, estava fraca na maca, estava desesperada ao vê-lo com sua criança.

Hannibal apesar de irritado com a mulher, por ela ter lhe dado um presente, ele prometeu a ela que nunca machucaria a filha, não a devoraria e nem deixaria ela fazer parte de sua vida de crimes, mas ela não teria acesso a sua filha, caso desobedecesse, ele iria fazer a criança sofrer. Vendo que era a melhor chance de sua filha estar viva era com ele, derrotada aceitou, mas Hannibal a puniria por seus crimes. Aplicando uma droga potente na mulher a fazendo ter visões, Amélia foi para um manicômio, dada como louca e perigosa demais para criar sua filha, onde passou dois anos, ela sempre recebia cartas de Hannibal.

Ela sabia que o melhor a se fazer por sua filha, era ficar em silencio, ao vê-la em sua porta ela pode ver que Hannibal cumpriu sua palavra, a garota era linda, saudável, bem vestida, esperta, não iria arriscar tudo a acolhendo, ela sabia que ele estava de olho nela, sempre esteve. Amélia ouviu a campainha tocar, quando abriu a porta tentando parar de chorar, ela deu de cara com o temível doutor Lecter.

--Olá Amelia, como tem passado?

A filha de Hannibal LecterOnde histórias criam vida. Descubra agora