A minha dor

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O dia para Hannibal parecia se arrastar, ele havia deixado que a filha matasse aula esse dia.

Ser um psiquiatra tinha suas desvantagens, ter que ouvir pessoas mesquinhais e chatas.

  Ele ouviu ao todo mais de vinte clientes diferentes, mas todos eles chatos e sem importancia alguma.

  Sempre reclamando de sua vida, do emprego, da família, nada de novo ou interessante para ele.

  Fazia tempo que ele não tinha uma pessoa que fosse minimamente interessante em seu consultório.

  A filha parecia ter mais sorte, não fazer nada em casa era melhor do que ter que ouvir pessoas chatas.

  Ele ficou pensando um pouquinho sobre a menininha tímida que havia ido a sua casa.

  Era bem claro que ela era perigosa e pelo cheiro de sangue que carregava já havia matado antes.

  Mas tinha algo nela, uma timidez, um medo de chegar perto dele, talvez tivesse problemas com homens.

Abuso talvez? Pai muito rígido e severo? Surras na infância? Humilhação? Ele ainda não sabia.

  Não tinha conseguido a ver direito, mas ela não parecia ser uma ameaça para ele.

Hannibal estava entediado. Fez mais dois atendimentos, mas não se sentia empolgado, ou interessado nos seus pacientes. Decidiu por fim ao seu dia de trabalho.

Levantou de sua poltrona e com calma guardou todos os papéis,organizando em pastas e depois em sua bolsa. Tinha anotações ali, que ninguém poderia encontrar. Nunca.

Com tudo organizado e sua sala perfeitamente limpa, ele sai do cômodo e encontra com sua secretária que sorri simpática. Ele se aproxima com o mesmo sorriso.

- Vou sair mais cedo, quero ficar com minha filha hoje. Por favor, cancele todos os meus pacientes e remarque para outro dia.

Ele pede tão gentil e educado, que a mulher concorda hipnotizada com seu olhar.

Hannibal sai do prédio que trabalhava e vai em direção ao seu carro. Podia estar sentindo mais animação em poder ver sua filha ao invés de ouvir histórias tediosas e repetitivas de seus pacientes.

Hannibal dirigiu sem muita pressa para casa, esperando que a filha não a tivesse destruído.

  Quando finalmente chegou em casa, ele estacionou na rua e saiu em direção a sua casa.

  Quando chegou na maçaneta da porta, sentiu que tinha alguma coisa muito errada ali.

  A porta estava destrancada, havia um misto de cheiros que impregnavam o local.

  Era cheiro de sangue, sangue que já estava a um tempo parado no local, Hannibal se apressou em empurrar a porta.

  Ele desejava nunca ter aberto aquela maldita porta, tinha respingos de sangue pelas paredes, coisas quebradas, pelo visto alguém tinha feito uma visita.

  Ele não tinha se abalado com aquilo, compraria coisas novas depois, o que o intrigava era quem era a vítima.

Quando ele se aproximou de seu sofá, perdeu todo o ar que tinha em seus pulmões, ele chegou a andar dois passos pra trás.

  Era Elizabeth, caída, com inúmeras marcas de facas espalhadas pelo seu corpo, seu sangue cobria o tapete.

  Hannibal não se mexeu a princípio, não queria acreditar naquilo, ela não poderia estar morta.

  Ele andou até o corpo, não estava pensando direito e colocou os dedos no pescoço da filha.

  Era óbvio que ela estava morta, seu corpo já estava gelado, ele não sabia o que fazer pela primeira vez.

  Ele sentiu uma coisa estranha, seu coração estava apertado, como se alguém estivesse o apertando com as mãos.

  Ele sentiu sua mente girar, sentiu o ar faltar, ele se ajoelhou na frente do corpo e a juntou.

  Assim como fazia quando ela era pequena e dormia no chão da sala quando estava muito cansada.

  Ele a balançou uma vez fraco, como se tentasse a despertar de um sono leve.

  Mas obviamente Elizabeth não se mexeu, ele a balançou mais uma vez mas agora com brutalidade e ela não se mexeu.

  Hannibal sentiu seus olhos arderem, então puxou o corpo mole para um abraço, beijando os cabelos ensangüentados.

  Não era para aquilo ter acontecido, ele sabia que aquela menina tímida procurava uma vítima, mas não achou que ela tivesse coragem.

  Ela estava apenas rondando, ele leu os rastros que ela deixou para trás, não era para ela ter atacado.

Hannibal chorou, berrou como nunca tinha feito antes, ainda agarrado ao corpo mole e gelado de sua filha.

  Ele sentiu algo estalar em seu coração, sentiu que a única parte que o tornava humano havia ido embora.

  Depois de alguns minutos abraçado ao corpo, ele a largou com delicadeza no chão, sabia o que tinha que fazer.

  Não ia deixar a morte dela ser em vão, não ia deixar ela ser apenas um pedaço de carne descartado por lá.

  Ele andou até a cozinha com suas vestes antes impecáveis e agora sujas com o sangue da filha.

  Pegou um cutelo, ele iria honrar a morte de sua filha, não deixaria que nada dela fosse deixado para trás.

  Ele voltou para sala se ajoelhando perto do corpo, dando um último beijo de despedida na testa da filha e levantou o cutelo.

  Demorou horas para ele conseguir cortar todo o corpo de Elizabeth e o devorar, pela segunda vez sem prazer algum.

  Ele não pensou em como a carne estava, não pensou em como era o gosto, ele detestou comer cada pedaço dela.

  Mas se não comesse, ela seria apenas um corpo descartado no necrotério, nunca achariam a culpada.

  Ele conhecia aquele tipo de assassino, não passava de uma criança, ela provavelmente tinha ido se esconder na floresta para se matar.

  A culpa seria a pior coisa, ela não tinha estômago e coragem para encarar o que tinha feito a sua vítima.

Quando hannibal terminou de comer, ele sabia que teria que triturar os ossos e queimar os cabelos.

Depois teria que limpar a casa, tirar cada resquício do crime que havia acontecido ali.

E por fim, sumir, apagar Elizabeth da história, sumir com qualquer coisa que lembrasse a ela.

Ela não poderia existir e ele teria que a esconder no fundo de sua mente, junto com misha.

Alguns anos depois, Hannibal se encontrava em seu consultório, atendendo o seu paciente mais chato Franklin.

A filha de Hannibal LecterOnde histórias criam vida. Descubra agora