Prólogo

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É estranho pensar que só conhecemos uma pessoa no fim. Ou pior, que não reconhecemos a pessoa com quem passamos anos da nossa vida.

É uma sensação estranha. Como se o corpo reconhecesse, mas o coração já não anuísse mais.

É assim que eu me sinto olhando para Icarus.

Eu não o reconheço. Esse homem na minha frente não é o mesmo de quatro anos atrás.

E aí vem outra descoberta sobre o fim: as palavras finais têm mais peso do que as do começo. No começo, tendemos a colocar carinho, empenho e afeto em tudo o que dizemos. No fim, são apenas um emaranhado de palavras envoltas em mágoas.

ㅡ O que você quer fazer a respeito? ㅡ É a única coisa que consigo perguntar, em completo choque.

ㅡ Eu não sei.

Eu não sei para mim não é resposta.

Tento compreender tudo o que está acontecendo. E para isso, revivo a nossa história em minha mente. Conheci Icarus no auge dos meus vinte e quatro anos, quando eu não buscava nada sério. Nos conhecemos em um aplicativo de namoro, que eu tinha instalado apenas para passar tempo. A conversa fluía. Ele me ligou. Conversamos a noite inteira. Marcamos de nos encontrar. Eu fui com o coração apreensivo. Nossa química bateu. Nosso beijo encaixou. E assim, num piscar de olhos, ficamos juntos. Icarus nunca me pediu em namoro oficialmente. Apenas permanecemos juntos. Nos dávamos bem. Ou pelo menos era isso que eu achava. Agora, não sei se eu tinha uma visão muito clara do nosso relacionamento.

Até os primeiros anos, tudo era lindo. Ele me tratava bem. Se dava bem com os meus amigos. Fazia de tudo para tentar agradar os meus pais. Me mandava rosas em todas as datas comemorativas. Me dava presentes caros. Me fazia sentir amado. E aí veio a primeira rachadura: o sexo.

No começo, ele se empenhava, depois de dois anos, seu corpo já não me ansiava como eu desejava ser ansiado. Algumas noites, eu o procurava, passando a mão com delicadeza por seu abdômen enquanto beijava o seu pescoço, e quase como em mecanismo de defesa, ele sorria e tirava a minha mão dizendo que estava cansado. Na primeira noite que ele me rejeitou, eu não entendi. Na segunda, eu estranhei. Na terceira, eu chorei a noite inteira. Mas, depois de várias e várias vezes, acabei me acostumando. Cheguei até a cogitar a possibilidade de não gostar de sexo.

E aí que eu caí na real, eu sempre gostei de sexo, eu apenas quis agradar Icarus. Nossa vida sexual ficava em segundo plano. Transavamos uma vez no mês e olhe lá. Pra mim, isso era normal. Eu já não me sentia desejado, mas, no fundo, ele ainda desejava minha companhia, e eu me contentava com isso. O afastamento do corpo foi apenas o primeiro de vários afastamentos que viriam depois disso. Os filmes que assistimos juntos se tornaram entediantes. Os passeios que apreciamos juntos se tornaram monótonos. A nossa companhia se tornou rotina.

E mesmo assim, eu insistia. Insistia porque eu o amava. Mesmo Icarus nunca dizendo que me amava de volta.

Icarus nunca reclamou de nada. E agora, dentro do seu carro, ele jogou todas as minhas inseguras em meu colo, como se eu fosse um peso que ele teve que carregar todos esses anos. Suas palavras nunca foram tão duras, e eu sinceramente não sei nos olhos de quem eu estou olhando.

ㅡ Eu acho que precisamos de um tempo. ㅡ Ele finalmente diz, me olhando com os olhos castanhos que eu não reconheço mais. ㅡ Eu preciso entender o que está acontecendo conosco.

ㅡ E o que está acontecendo conosco?

ㅡ Eu não sei, Louis. ㅡ Ele passa a mão pelo rosto, de maneira frustrada. ㅡ Eu preciso entender os meus sentimentos. Eu preciso saber se gosto de você a tal ponto.

Suas palavras são como tiros em meu peito. Saber se gosta de mim a tal ponto? Se gosta? Justo a mim, que o amei todos esses anos?

ㅡ O que quer dizer com isso? ㅡ Me arrisco a perguntar, mas não ouso chorar. Não agora.

ㅡ Eu preciso saber se gosto de você a ponto de tomar o próximo passo que é inevitável. E eu não tenho certeza se quero noivar com você.

Eu solto um gemido muito próximo a uma risada. Estou tão desacreditado que não me contenho em rir. Rir de mim. Da minha desgraça. Dos anos que passei ao lado deste homem.

ㅡ Você precisa de um tempo para saber se gosta de mim o suficiente?

Ele não responde. Seus olhos se voltam para o próprio colo e ele brinca com os dedos como brincou com o meu coração durante todos esses anos.

Se ele não tinha certeza, por que permaneceu comigo por quatro anos? Se ele não me amava, por que quis me prender?

ㅡ Eu não sei se quero dar o próximo passo, Louis. Você desleixou. Você se acomodou no nosso relacionamento. Seu jeito tem me incomodado e eu não disse nada porque pra mim tudo sempre estava bom, mas não está. A felicidade que um dia eu senti com você, eu não sinto mais.

Ele tomou uma atitude, mas quer que as consequências fiquem comigo. Não é justo. Ele quer terminar, como se o motivo do término fosse eu. Ele está tomando essa decisão, baseada no que ele deixou de sentir comigo. Não deveria ser justo que ele tome uma decisão tentando culpar a mim por ela.

Nego com a cabeça, completamente incrédulo e meus dedos vão para a maçaneta do carro.

ㅡ Pra mim não existe tempo, Icarus. Aqui acaba a nossa história. Não ter certeza de algo, é uma certeza, e eu não mereço esperar até que você saiba o que quer.

ㅡ Louis.

ㅡ Não. Pra mim está mais do que resolvido.

ㅡ Louis... ㅡ Ele tenta me segurar pelo braço, mas eu me esquivo.

ㅡ Junte minhas coisas e eu vou juntar as suas. Assim que possível, eu te entrego.

Não dou tempo para uma réplica e simplesmente saio do carro com o coração queimando. Atravesso a rua e entro no portão do meu prédio segurando um choro que é inevitável. Assim que entro pela portaria, desabo em um choro alto e sofrido.

Estava tudo bem e de repente acaba.

Eu pelo menos acreditava estar tudo bem. Ele não me disse nada. Não me deu oportunidade para tentar mudar. Não me disse o que precisava ser melhorado. Ele esperou o fim para despejar tudo em mim. Subo as escadas correndo. As lágrimas salgadas caem na minha boca e eu tento limpá-las antes de chegar em casa.

Zayn, meu amigo e companheiro de quarto, provavelmente irá notar o meu rosto vermelho e os soluços que escapam da minha garganta. Eu não quero ter que me explicar agora. Eu só quero deitar na minha cama e chorar pelo nosso fim.

Eu sempre fui assim. Pra mim, acabou, acabou. Não há mais volta. No momento em que é selado o fim de algo em minha vida, não há como voltar atrás. Eu perdi. Ele perdeu. Nós perdemos.

Era uma história bonita de ser vivida, até que deixou de ser.

Abro a porta do meu apartamento, e por sorte, Zayn está no seu quarto. Aproveito que ele não está por perto e caminho a passos largos até o meu quarto, fechando a porta e caindo em minha cama. O choro não para. O peito continua queimando. Minha mente é um emaranhado de palavras soltas. Palavras essas que eu revivo a cada segundo. Meu coração está partido.

Eu só queria apagar essa noite da minha vida.

Eu quis me casar com Icarus. Eu apostei em nosso amor. Eu jurava que ele era o homem da minha vida. E agora, nossa história não passa de algo do passado. O que um dia foi, não é mais. Nossa história foi um quase.

CONTINGÊNCIA [L.S]Onde histórias criam vida. Descubra agora