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Nascido e criado dentro de uma religião, era difícil para Mikhael entender o amor entre dois homens, eu sabia disso, eu soube no primeiro momento em que bati os olhos sobre ele.
Contudo controlar o que sentir é tão complicado quanto sentir.

O confronto se torna inevitável, pois se por um lado você quer viver tudo o que a vida está lhe oferecendo, por outro você teme que tudo o que aprendeu esteja diante de você e te leve por caminhos que não gostaria de ir.

Conheci Mikhael no primeiro dia de faculdade, ele se destacada dos demais jovens de 17 anos devido a seus trajes pouco usual por jovens dessa idade, enquanto todos usavam jeans rasgados ou desbotados e suas regatas, Mikhael usava calça social e um blazer quente demais para o tempo que fazia isso me fez rir inicialmente. Imaginei que ele estivesse chegado de algum evento e não tivesse tido tempo de se trocar, mas no dia seguinte ele veio do mesmo modo só trocando a cor de suas roupas.

De certa forma aquele rapaz era um mistério a ser desvendado, um enigma por trás de uma timidez que se tornava atraente. Fiquei observando-o por alguns dias mais, e não, ele não fazia o tipo despojado, era recatado, recluso até, inteligente ao máximo de ser chamado de nerd pelos outros rapazes.

Ao contrário de Mikhael, eu sempre fui muito confiante, tinha muita facilidade em fazer amigos e alguma vez extrapolava na bagunça que fazia. Porém algo naquele rapaz tão diferente de mim me chamava a atenção, então me aproximei:

_ Mikhael... É esse o seu nome não é?

Ele levantou o olhar dos livros até encontrar os meus, os movimentos foram feitos tão lentamente que parecia que ele queria registrar naquele olhar cada pedaço de corpo que observava:

_ Sim, eu me chamo Mikhael.

_ Eu sou Gillian.

_ Eu sei quem você é.

_ Sabe?

_ Sim, você é filho do doutor Jean Rak que mora com outro homem chamado Humberto Guerra.

_ Você tem o costume de fazer a árvore genealógica de todos ou a minha foi um estudo em especial?

Ele voltou a abaixar o olhar ficando em silêncio, mas Gillian insistiu:

_ Isso não é muito justo, você sabe que sou filho do doutor Jean e do professor de educação física Humberto, mas eu não sei nada a seu respeito, a não ser que se chama Mikhael.

_ O que quer saber Gillian?

A pergunta foi ríspida, por um momento surpreendeu Gillian que arqueou a sobrancelha, mas logo fez surgir um sorriso em seus lábios:

_ Eu andei te observando esses dias, sempre sozinho, sua companhia é sempre seus livros, não tem amigos, quem exatamente é Mikhael?

_ Alguém que anda na contramão do que você vive.

_ E como exatamente eu vivo?

_ Você não vai querer discutir sobre isso agora Gillian.

_ Agora que aguçou a minha curiosidade, vamos ter que discutir sim, afinal como acha que eu vivo?

_ Você vive em um mundo paralelo ao meu, foi criado bem distante daquilo que eu acredito ser o ideal.

_ Explique melhor isso, pois não consegui captar o que quer dizer.

_ Você foi criado por dois homens e acha isso natural, deixando claro que isso não se trata de homofobia, jamais vou falar mal ou bater em alguém por que tem o pensamento diferente do meu, mas isso é inaceitável na minha concepção. Eu fui criado em outros preceitos.

_ Outros preceitos, entendi tudo. Você deve ser aquele tipo que acredita que vai parar no inferno se um homem se aproximar de você com outras intenções que não seja apenas te conhecer.

_ Eu não aceito que você me julgue pelo que eu acredito.

_ Ah certo, eu não posso te julgar, mas você pode me julgar?

_ Eu não estou te julgando... Tanto não estou te julgando que estamos conversando, colocando as nossas diferenças sobre a mesa.

_ E eu que achei que não tivesse amigos por causa da sua timidez, mas não, é por causa da sua intolerância mesmo.

Eu virei de costas para ele, pronto para retornar ao meu lugar quando o ouvi:

_ Me desculpe... Eu acho que sem querer acabei te julgando, se o meu pai ouvisse eu falar o que te falei com certeza iria me dar uma bronca.

_ Seu pai... Quem é o seu pai?

_ Cássio Junqueira o Reverendo da cidade.

_ Cássio Junqueira, lembro bem desse nome, há uns anos atrás ele tentou de todas as formas fazer com que meu pai fosse demitido do hospital pelo fato de ser casado com o meu pai Beto.

_ Você tem que concordar que isso não é bem visto a dois homens, não foi o plano familiar, uma família é constituída por um homem e uma mulher.

_ Sério que acredita nisso, que depois de tudo o que um casal homo afetivo conquistou ainda existe pessoas que acredita que família só é certo se for com um homem e uma mulher?

_ O casamento foi planejado para a reprodução, dois homens não se reproduzem, precisam de uma mulher para esse processo.

_ Uau, juro é pitoresco que alguém tão inteligente como você tenha um pensamento tão antiquado como esse, eu juro estou de fato muito surpreso. Por essa razão quero te fazer um convite, quem sabe assim você consiga abrir a sua mente para as atualidades dos dias de hoje.

_ Convite?

_ É mais um trato, você vem em um almoço familiar com os meus pais, meus avós e algumas pessoas mais, nesse domingo, meus pais farão um almoço em minha homenagem pelo fato de ter passado na faculdade, e no outro domingo eu irei com você na igreja ouvir o sermão do seu pai. O que acha, concorda?

_ Você está me propondo que eu vá a um almoço na sua casa e então você irá á Sinagoga comigo?

_ Isso mesmo, você vem comigo em um almoço na casa dos meus pais, eu moro sozinho, saí de casa á uma semana, se vier eu irei a uma reunião com você.

_ Não sei, não posso te dar uma resposta assim no calor da emoção, vou precisar pensar a respeito.

_ Tudo bem, aqui está o meu telefone, me liga quando decidir.

Gillian anotou o número de seu celular no caderno do rapaz, sorriu e para provocá-lo piscou sensualmente para ele:

_ Eu estou esperando a sua ligação Mik...

Mikhael abriu a boca para recriminá-lo, mas fechou-a sem nada dizer olhando para o número ali escrito. 

Eu faço o meu próprio paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora