3

191 12 4
                                    

Ele ficou tão surpreso que deixou a caneta cair de sua mão, me fazendo rir, era fácil deixá-lo desconcertado, porém quando ele me olhou nos olhos fixamente com o rosto corado eu parei de rir, era difícil me fazer ficar desconcertado, contudo aquele olhar me tirou totalmente o eixo:

_ Que tipo de brincadeira é essa Gillian?

_ Quem disse que é brincadeira, eu fiquei mesmo pensando em você, sobre o que escreveu na mensagem.

_ Ah!

_ Como imaginou que eu houvesse pensado em você Mikhael?

_ Eu não imaginei nada, só me surpreendeu o seu comentário.

_ Sei. Eu fiquei feliz que tenha aceitado o meu convite.

_ Só lembrando que é um acordo.

_ Claro, eu não me esqueci.

A aula começou e nós dois nos concentramos em anotar algumas informações, porém no final da aula, ele já preste a deixar o auditório eu segurei o seu braço e ele soltou um leve gemido, soltei no mesmo instante observando-o:

_ O que é isso Mikhael?

_ Isso, isso o que?

Segurei o braço dele com mais força subindo a manga de sua blusa, ali havia dois vergões avermelhados de cortes:

_ O que significa isso Mikhael?

_ Eu não te devo satisfação.

Ele puxou o braço bruscamente, querendo afastar-se, mas fui mais rápido e novamente o segurei dessa vez ele gemeu mais forte:

_ Aii!!!

_ Foi você quem fez isso, por que se mutilou dessa forma?

_ Já disse que não te devo satisfação, isso não é da sua conta.

_ Eu só acho que se foi outra pessoa que fez isso, você precisa falar, agora se foi você mesmo, você precisa de ajuda.

_ Ajuda... Ajuda para que Gillian?

_ Você está cursando medicina, sabemos que essa profissão exige que tenhamos uma mente focada e equilibrada, como vai tratar de outra pessoa se mutilando assim?

_ Você não sabe de nada Gillian, acha que me conhece, mas não conhece, não sabe nada a meu respeito.

_ Você tem razão, eu não sei nada a seu respeito, mas sei como é devastador você tratar de paciente terminal e chegar em casa com o emocional abalado por não conseguir ter feito nada a respeito, presenciei isso muitas vezes com o meu pai.

_ É sério isso, acha que sou fraco emocionalmente Gillian?

_ Eu não sei, é você quem tem que responder isso.

_ Por que acha que fiz isso Gillian?

_ Eu não faço a mínima ideia do por que fez isso Mikhael.

Mikhael moveu lentamente a cabeça em negação e foi saindo, fiquei ainda ali por dois minutos assimilando tudo o que ouvi e em seguida caminhei rapidamente para alcançá-lo:

_ Vem comigo.

_ Para onde?

_ Discutir está fora de cogitação Mikhael, vem comigo.

_ Não irei a lugar nenhum com você se não me falar aonde vai me levar.

_ Para o meu apartamento, precisamos ver esses cortes direito.

_ Não precisa, eu já desinfetei, passei um anti-séptico.

_ Eu já falei que discutir está fora de cogitação.

Não deixei opção a ele a não ser me seguir até meu apartamento, então pedi para ver os cortes em seu braço direito, Mik hesitou por alguns minutos, mas acabou cedendo e erguendo a manga da blusa. Segurei o seu braço observando que um dos cortes foi superficial, apenas na pele visível, mas o segundo tinha uma profundidade maior:

_ Foi você mesmo que fez isso?

Ele confirmou com a cabeça:

_ O que te levou a fazer isso?

_ É algo pessoal.

_ Algo pessoal? _ Que droga é essa de algo pessoal Mikhael?

_ Gillian, eu já recebo sermões demais para aceitar receber mais um.

_ Só me explica, por favor.

_ Não tem uma explicação, eu precisei só isso.

_ Precisou, só isso?

_ Eu jamais conseguirei ser o filho que meu pai quer que eu seja.

_ Qual é Mik. Tenho certeza de que seu pai tem muito orgulho de você. Você é um cara inteligente, é um absurdo fazer isso com você mesmo por causa de um motivo que não tem sentido.

_ Você não entendeu nada Gillian, meu pai jamais vai aceitar um filho como eu, eu ando sentindo coisas que não deveria sentir.

_ Que coisas são essas?

_ Gillian...

Fiquei olhando-o, mas ele desviou o olhar:

_ Eu... Mikhael, sou eu, você está querendo dizer que fez isso por minha causa?

_ Não, eu fiz isso por mim, não por você. Estou tendo pensamentos impuros, precisava me punir entendeu agora?

_ Que tipo de pensamentos?

_ Porque pergunta isso Gillian, por que tenta me torturar dessa forma?

_ Torturar, eu não quero te torturar, quero te ajudar.

_ Eu não preciso da sua ajuda, é isso o que você não entende eu preciso me afastar de você, mas tudo o que eu tenho feito é me aproximar, você é como um remédio amargo que preciso tomar diariamente para um efeito imediato, mas que lá na frente trará efeitos colaterais devastadores.

Seu rosto ficou molhado pelas lágrimas que descia por sua face, então fui me aproximando devagar, mas ele levantou uma das mãos levando-a próxima a meu peito impedindo-me:

_ Não Gillian, não se atreva.

_ Mikhael...

Segurei a mão que estava sobre o meu peito e o trouxe para perto, ele não apresentou resistência á minha aproximação, eu sabia que beijá-lo seria um divisor de águas, que ele jamais seria o mesmo, eu queria beijá-lo por essa razão ergui o rosto dele para encará-lo enquanto diminuía a distância entre nossos lábios, mas o beijo não aconteceu, pois quando os nossos lábios iam encontrar-se ele jogou a cabeça contra o meu ombro, segurando com ambas as mãos à parte de trás de minha camiseta, levei a mão aos seus cabelos acarinhando:

_ Está tudo bem Mikhael, está tudo bem.

Aquele abraço não durou muito, ele logo se afastou:

_ Me desculpa.

_ Não tem problema nenhum. Almoça comigo hoje, assim poderemos conversar um pouco mais.

_ Não Gillian, eu preciso ir, já foi um erro grande ter vindo até aqui.

_ Somos amigos não somos?

_ Gillian, a quem está querendo enganar? _ Sabemos exatamente o que está acontecendo entre nós dois, você é a tentação que preciso vencer.

_ De tudo o que já ouvi sobre mim, essa é a primeira vez que se referem a mim como tentação.

_ Nós dois temos visão do mundo de forma totalmente diferentes, temos conceitos e crenças diferentes, não combinamos em nada, mas mesmo assim eu não consigo tirar você da cabeça Gillian, como explica isso se não sendo uma tentação?

_ Isso se chama vida, a vida não é para ser explicada Mik, é para ser vivida.

_ E o depois?

_ Depois... Depois do que?

_ Quando morrermos, para onde acredita que vai?

_ Como assim para onde eu vou?

_ A eternidade, onde acredita que vai passar a eternidade?

_ Eu não entendo esse lance de eternidade, ninguém é eterno.

_ Viu, é isso, nós temos visões diferentes, eu acredito no paraíso, não quero passar a eternidade no inferno.

_ Inferno, paraíso, isso não existe Mikhael, somos nós que fazemos o nosso paraíso é nisso que eu acredito. Quer saber o que é o paraíso, então eu irei te mostrar.

Puxei ele ao meu encontro, e o beijo finalmente aconteceu.

Eu faço o meu próprio paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora