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Aquela conversa me confundia ao mesmo tempo em que me mostrava um Gillian real, que tinha uma história por trás do estereotipo rapaz boa pinta que fora criado por dois homens, ao mesmo tempo fugia totalmente daquilo que eu acreditava, era difícil discernir o que era certo e o que era errado.
Não foi nada fácil pegar no sono naquela noite, fiquei rolando na cama com os pensamentos a milhão, pensando mil coisas para me certificar que estava fazendo o que era certo, mas a dúvida persistia em me perturbar.

Ao amanhecer, levantei-me, fiz minha higiene e fui tomar um copo de suco apenas, mas minha mãe me fez sentar-se para tomar um café reforçado:

_ Cadê o papai?

_ Ele teve um compromisso na sinagoga, envolve você filho?

_ Me envolve?

_ Sim filho, seu pai quer que em breve você seja ungido a reverendo, e para isso já está conversando com os irmãos sobre uma possível esposa para você.

_ Esposa?

_ Sim Mikhael, esposa, para você ser ungido deverá estar casado. Seu pai tem grandes planos para você, e estando casado você irá impor respeito perante toda a irmandade.

_ Não deveria ser eu a escolher a menina mãe?

_ Claro que será você a escolher sua futura esposa, seu pai só estará avaliando as garotas, afinal ela deverá ser integra, não ser mal falada, ela deve cair no gosto de todos filho.

_ E é o papai quem vai julgar isso?

_ E qual é o problema nisso Mikhael, você nunca questionou uma decisão do seu pai, porque agora está perguntando sobre isso, nós dois sabemos que seu pai saberá quem é a garota certa para você.

_ Mas se eu não gostar da garota mãe?

_ Besteira, esse negócio de gostar vem com o tempo, olha eu e seu pai, éramos praticamente desconhecidos quando nos casamos. Eu era apaixonada por outro rapaz quando o meu pai decidiu que eu iria casar com o seu pai, chorei uma semana, mas agora vejo que foi uma decisão acertada a do meu pai, sou a mulher do reverendo.

_ E não se arrepende? _ Não pensa em nenhum momento no rapaz que deixou para trás?

_ Eu fui obediente ao meu pai, hoje tenho a minha família estruturada na fé e o que ficou para trás ficou, agora chega desse assunto.

_ A senhora ama o papai?

_ Que tipo de pergunta é essa menino, a intimidade de um casal não se deve comentar, isso é entre o casal, o que você pode saber é que seu pai e eu nos respeitamos, é isso o que importa.

Eu sempre acreditei nisso, mas sim o Gillian conseguiu colocar uma pulguinha atrás da minha orelha e tudo o que ele me disse ficava martelando a minha mente.
Ao chegar à faculdade, logo me deparei com ele que veio ao meu encontro e cumprimentou-me:

_ Olá Mikhael.

_ Olá Gillian, eu precisava mesmo falar com você.

_ Fala, estou bem aqui na sua frente.

_ Eu pensei muito no que conversamos ontem e acho de verdade a sua história muito bonita, mas o meu pensamento continua o mesmo, acredito que o casamento é para procriar.

_ Não é possível que você pense dessa forma. Olha para mim Mikhael, o que eu tenho de diferente pelo fato de gostar de alguém do mesmo sexo, qual anormalidade você encontra?

_ A diferença não está na estética, e sim no pensar, temos pensamentos diferentes, é isso o que nos difere. O melhor a se fazer é nos distanciar e cada um seguir o seu caminho.

_ Quanto tempo mais acha que poderá camuflar o que sente Mik? _ Assuma que sente algo, eu vou respeitar o que decidir, mas só te peço que assuma o que sente.

_ Se quiser eu ainda poderei ir ao almoço na casa dos seus pais, mas depois seguiremos caminhos diferentes.

_ Se é isso o que quer não te forçarei, me entristece, mas vou respeitar a sua decisão.

_Eu te agradeço, vou sentar do outro lado hoje, tudo bem para você?

Gillian apenas moveu a cabeça e eu me afastei, fui me sentar do lado oposto ao dele, durante toda a aula eu sentia que ele me olhava, mas eu evitava corresponder ao olhar dele. Terminada a aula fui para casa o mais rápido que consegui, cheguei em casa meus pais estavam conversando e eu não parei para falar com eles, fui direto para o meu quarto onde me tranquei por lá, deitei, levantei, voltei a deitar, coloquei o travesseiro sobre o meu rosto, tudo o que eu queria era esquecer tudo, fingir ser outra pessoa, não sentir toda aquela pressão vinda de todos os lados.

Na hora do jantar me juntei aos meus pais:

_ Mikhael, sua mãe falou que já adiantou o assunto com você, e antes mesmo de ver algumas garotas que se encaixam na esposa ideal para você, eu gostaria de saber se você se interessa por alguém filho?

_ Se eu me interesso por alguém...?

Fiquei por alguns minutos em silêncio olhando para o meu pai, minha mãe quebrou o silêncio:

_ E então Mikhael, tem alguma garota que esteja de olho?

_ Garota, não, não me interesso por nenhuma garota.

_ Mas tem tantas garotas bonitas na sinagoga, a partir de hoje preste mais atenção filho, eu sei que o seu interesse nesse momento não está em um casamento, mas é bom já começar a se acostumar com a ideia, afinal logo assumirá um papel importante e estando casado te dará mais credibilidade.

_ E se eu não quiser me casar pai?

_ Não existem reverendos solteiros Mikhael, você sabe bem disso, qual é o problema, tenho te sentido estranho, depois que começou a fazer essa faculdade, sabe bem que eu só permiti que cursasse essa faculdade para te distrair, mas se essa distração te tirar do foco te proibirei de frequentar esse lugar.

_ Não é nada disso pai, apenas não me sinto preparado para um casamento.

_ Não se sente preparado... Agora deu para dizer isso Mariana, o nosso filho não se sente preparado para o casamento, não se sente preparado para assumir o seu papel ao meu lado na sinagoga, o que anda acontecendo com esse garoto me explica, por favor, por que eu não estou entendendo o que seu filho anda querendo.

_ Calma Cássio, ele é jovem e jovens tem essas inconstâncias.

_ Então trate essa inconstância menino, por que logo voltarei a falar sobre o seu casamento, assim que arrumar uma menina decente para ser a minha nora, futura mãe dos meus netos. Acho que é exatamente isso o que anda precisando acontecer para essa inconstância se tornar constância.

_ Terminei o meu jantar, posso sair da mesa e ir para o quarto?

_ Agora isso...

_ Pode filho, pode sim.

Me conduzi ao quarto e fechei a porta, peguei o celular e fiquei com ele na mão olhando para ele até ter coragem de ligar:

_ Mikhael?

_ Gillian não sei se é certo ir ao almoço na casa dos seus pais depois de tudo o que conversamos me avisa se ainda quer que eu vá, juro não ficarei chateado se a resposta for à contrária.

_ Mais do que nunca acho que deve ir a esse almoço Mik, por favor, venha comigo.

_ Se é assim, eu irei encontrá-lo amanhã logo cedo para irmos. Gillian... Obrigado.

Eu faço o meu próprio paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora